- Há quanto tempo não o vê?
- Sei lá. Tipo uns dois meses.
- Ele sabe?
- Não! - Respondo asperamente à minha ginecologista. - E se for da minha vontade, não vai saber nunca. O filho é meu. Só meu, doutora.
- Não seria interessante que ele soubesse, Adessa?
- Quando estivemos juntos pela última vez, ele me ofendeu muito. Não quero passar por isso novamente e, vamos combinar? Ele jamais vai acreditar que o meu filho é dele! Ainda que eu jure que uso 'camisinha' com meus clientes, ele vai me ofender novamente e isso, eu não vou aguentar...- Seco duas lágrimas que escorrem pelo meu rosto e, olhando para o teto, respondo à sua pergunta. - Ainda não pensei nisso. Talvez, o nome do pai. Do abestado do pai. Ele não merece, mas eu amo seu nome. 'Vincenzo'. É italiano...
- Vc suspira quando fala nele...
- De abestada que eu sou! Eu me odeio por gostar dele...ainda.
- Querida, seus exames estão ótimos. O bebê está crescendo forte e saudável, mas...
- Mas...???
- Eu preciso lhe perguntar como tem lidado com seu trabalho. Vc me entende?
- Claro! Super entendo! Fica tranquila, doutora. Eu não sou irresponsável a ponto de expor meu filho à doenças. Eu não trabalho mais como garota de programa. Nenhum desconhecido vai me fo...- Pigarreio envergonhada e, corrijo-me a tempo. - Vai ter relações sexuais comigo. Tenho ganhado o suficiente com os vídeos caseiros e os filmes onde todos os atores são obrigados a mostrar exames mensalmente e o uso de 'camisinha' é absolutamente indispensável. Pra falar a verdade, tenho trabalhado com mulheres.
- Ah...entendo. Melhor assim. Sem penetração.
- Sim. E o cachê é ainda maior. Não é incrível que, nesse setor, as mulheres ganhem mais do que os homens!? Poderia ser assim em todas as áreas de trabalho, né?
- Sim. Seríamos invencíveis. - Seu sorriso triste me deixa desconfiada.
- Algum problema, doutora? - Toco em sua mão, prestando-lhe solidariedade. De súbito, sua imagem ao lado de outra mulher surge em minha mente.
Um leito de hospital. O 'bip' insistente do monitor de sinais vitais. Os olhos tristes da mulher deitada no leito. Um último beijo entre ambas. A linha que mede os batimentos cardíacos deixara de oscilar. Uma reta que as separa para sempre. Médicos, enfermeiros a empurram para trás enquanto ela chama por seu nome.
- Alice!? Quem é Alice!?
- Como sabe!?
- Perdão. - Cubro meu rosto com as mãos e repito. - Perdão. Eu tenho...eu...eu não deveria...perdão.
- Adessa, vc a viu!? Me diga se a viu!? - Suas mãos pousam sobre a minha. Sinto sua angústia, seu pesar. - Ela está bem!? Está sem dor!?
- Sim. - Respondo sem erguer meus olhos. Alice, sua companheira em vida, está ao seu lado, assentindo com a cabeça. - Ela ainda te ama e vai te amar pelo resto de suas vidas.
- Como sabe disso!? Eu preciso saber se ela sofreu ao morrer! - Aos prantos, ela se culpa. - Eu não pude salvá-la...
- Ela sabe disso e agradece por tudo o que vc deu a ela. Todo o amor, companheirismo e alegria em vida. - Repito as palavras da morta que me sorri, agradecida e some como a imagem de uma TV desligada. - Fique tranquila, doutora. Ela está em um lugar de luz.
- E um dia, eu vou me encontrar com ela. - Enxugando suas lágrimas com lenços de papel, eu brinco.
- Não antes de meu bebê nascer!
- Ok! - Concorda ela, sorrindo.
Caminho pelas ruas do bairro, entrando e saindo de lojas de artigos infantis. Já encomendara o berço, a cômoda e o armário de Vincenzo, ou melhor, Enzo. Não quero me lembrar tanto assim do pai de meu filho. Ele não merece. Um telefonema sequer! Ao menos, para saber se me recuperei do sequestro. Eu o repudio. Meu ranço por ele está estabelecido.
Carrego bolsas e mais bolsas com roupinhas de bebê. De todas as cores. Eu amo lilás! Meu bebê vai ficar uma fofura de lilás! Esbarro em um rapaz que sai apressado de uma academia. Minhas bolsas caem no chão. Ele me pede perdão. Eu me desculpo.
- Estava distraída. Fui eu a culpada. - Sorrio enquanto ele cata os embrulhos espalhados pelo chão e os coloca nas bolsas que mantenho abertas. - Vc treina aqui? Nunca vi essa academia nessa rua. - Erguendo-se do chão, ele comenta.
- É nova. Não é exatamente uma academia. É um galpão onde se ensina a lutar boxe.
- Uau! Que legal! Eu já lutei 'Kickboxing'! Eu amo lutar! Meter a porrada nos outros!
- Sério!? Agora fiquei com medo! - Rindo, eu replico.
- Só nos que merecem. Fica calmo. Vc foi muito gentil em me ajudar.
- Desculpa, mas não deu pra deixar de notar. São para o seu bebê?
- Sim! - Abro um sorriso de satisfação. - Nasce daqui a uns seis meses!
- Menino ou menina?
- Ainda não sei, mas eu tenho quase certeza de que é menino e vai ter o nome do pai.
- Qual?
- Vincenzo...- Meu sorriso some quando baixo os olhos. - É o pai dele.
- É um belo nome. Posso perguntar porque ficou triste? Ele morreu?
- Não sei. O irresponsável sumiu de nossas vidas e eu espero nunca mais me encontrar com aquele idiota. - O rapaz faz careta de quem se meteu onde não devia. Eu peço desculpas. - Não deveria falar dele assim. Mas eu gostei de vc. Parece um bom homem. Vc vai ser feliz...aaah...eeeh...seu nome é?
- João. - Estendendo-me a mão firme, ele me cumprimenta. - Meu nome é João. Sou amigo do dono desse galpão de lutas que, por acaso, tem o mesmo nome de seu filhinho lindo. - Rindo feito criança, pergunto.
- Como sabe que vai ser lindo?
- Vc é linda e o pai, provavelmente, não é feio. Acertei?
- Sim...- Meu olhar se distancia quando admito. - É o homem mais lindo que já conheci. Tem os olhos azuis da cor do mar do Caribe. Pena ser tão...
- Tão?
- Imbecil!
Rimos juntos quando ele revela algo que me faz arfar.
- Olha. Pode ser uma baita coincidência ou destino, mas o dono desse galpão tem os olhos azuis e se chama Vincenzo. Nome incomum por aqui. Será que...?
Nossos olhos se encontram, incrédulos. Minhas mãos largam as bolsas e, me aproximo, lentamente da porta onde consigo vê-lo novamente. Meu coração quer sair pela garganta quando João me pergunta, baixinho.
- É ele? - De costas, recostada na fachada em vidro, assinto com a cabeça, sem conseguir respirar. Levo a mão ao peito e puxo o ar pela boca como uma asmática em crise. - Ei, mocinha. Respira. Devagar. Inspira profundamente. Prenda a respiração e a solte devagar e por um longo tempo. Isso. Está melhor?
- Sim...
- Novamente. Respira. Da forma que te ensinei. Ok? Aliás, não sei seu nome. - Após um longa expiração, eu digo.
- Adessa.
- Tá de sacanagem!?
- Por quê!? Vc me conhece de algum lugar!? - Não. Por favor. Não diga que me conhece como a puta. Eu estava gostando de ser tratada como um mulher comum...como uma gestante sem passado...- Fala, João. Por que tá me olhando assim!?
- Porque eu acho que acabo de encontrar a 'Adessa' do meu amigo Vincenzo que está lutando, ali dentro. - Um riso eufórico e patético e me desmancho ao perguntar.
- Aquele Vincenzo lá dentro fala de mim???
- Muito...- Extremamente emocionada com o tom de sua voz e a ternura em seu olhar, choro copiosamente. Ele me abraça e me pede para ficar calma. - Por mais estranho que tudo possa parecer, vai dar tudo certo ao final, Adessa. Vc confia em 'Algo Maior'? - Puxando-o pela gola, respondo contra sua camisa.
- Não sei. Minha vida é um pouco complicada, João. Eu só quero sair daqui antes que ele...
- QUE PORRA É ESSA AQUI FORA???
- Calma, meu irmão. Ela tá...- Atraindo os alunos para fora do galpão, eles se agrupam na calçada quando ele me fere novamente.
- Ela tá te cobrando quanto pelo programa!?
- Para, Vincenzo. Vc não sabe o que tá rolando aqui. Fica calado pra não falar merda. - Aconselha João enquanto decido se cato minhas compras no chão ou esmurro o rosto de Vincenzo que se exalta, novamente.
- João! Porra, João! Tu não precisa disso, cara! Não precisa pagar pra foder com mulher nenhuma! Vc tem a sua em casa!
Cato as bolsas do chão e, ainda chorando, estou decidida a dar as costas a Vincenzo quando ele ultrapassa os limites de minha impulsividade.
- Não vai falar comigo!? Não vai falar pro João com o que vc trabalha, Adessa Love.
Agora ele ultrapassou os limites...
- E como vc sabe disso, seu padre de merda! Anda assistindo aos meus vídeos!? Eu não me lembro de ter te contado nada da minha vida!
- Deixa de ser ridícula! Eu não gastaria meu tempo com uma mulherzinha como vc!
- Para, cara! Eu não tô te reconhecendo!
- João. - De costas para ele, explico. - Vc não o conhece porque ele tem várias faces. É o lutador de boxe. O padre. O exorcista e o Babaca que surgiu, do nada. Um falso moralista que se fez de bom menino quando eu fui sequestrada e depois pisou em mim como se eu fosse bosta de cachorro na rua.
- Olha pra mim, vagabunda!
- VINCENZO! PARA COM ISSO, PORRA! ELA TÁ GRÁVIDA! - Fecho os olhos e, cerrando os punhos, aperto as alças de minhas bolsas, a um triz de perder o controle. - O QUE TÁ HAVENDO CONTIGO HOJE, MEU IRMÃO!? ESSE NÃO É VC!
- Grávida!? - Gargalhando, ele prossegue. - Uma puta grávida!? Vai ser difícil saber quem é o pai!
Ouço os risos dos alunos, as buzinas dos carros, o apito do guarda de trânsito e a porra de sua voz a repetir num tom de ironia.
- Quem é o pai, Adessa!? Ou será que tem mais de um!?
- Escroto. - Rosno ao me virar vagarosamente, em sua direção. Nossos olhos se encontram. Vejo desespero, angústia e raiva em seu olhar. Não desvio meu olhar furioso e magoado do dele enquanto, largo as bolsas, cerro os punhos e, em posição de combate, ergo minha perna direita e o acerto com um chute na lateral de seu corpo, entre as costelas. Ele geme de dor e surpresa. João tenta me conter. Eu o empurro com a lateral do meu corpo, arremessando-o longe. Troco a perna e um outro chute forte e certeiro atinge seus bagos enquanto ele cai no chão, rolando de dor. Não sei se os alunos riem de mim ou dele que acaba de apanhar de uma mulher...grávida.
- Perdão, João. Eu não queria te machucar. - Minha voz sai trêmula. João toca em minhas mãos úmidas e pede, educadamente.
- Deixa eu te levar até sua casa. Vc não está bem.
- Estou sim. - Abro um sorriso triste, ignorando a algazarra ao redor de Vincenzo ainda no chão. - Obrigada por ter sido bom comigo. Eu nunca mais vou me esquecer disso.
- Espera, Adessa...
- Quem é o pai!? - Grita Vincenzo, alcançando-me na calçada. - Me diz quem é o pai. - Pede-me ele, arregalando seus lindos olhos azuis. Há medo e arrependimento neles. - Por favor.
- Ele morreu no dia em que meu filho foi concebido em minha cama. Ele dormia no sofá para me proteger e, sem explicações, acordou ao meu lado e me deu um beijo de 'bom-dia'. Depois, levou café na cama pra mim e me disse que seríamos felizes para sempre. Nosso filho, ele e eu. Mas o "Seu Deus" o levou de mim e, agora, seremos somente meu filho e eu. Que ele descanse em paz. - Dando-lhe as costas, caminho em direção à esquina quando sua mão toca em meu braço. Seus pensamentos estão tão confusos que mal posso sentir o que ele sente nesse exato momento. - Me larga. Eu só quero ir embora e ser feliz com meu filho...sem pai.
- Ele...ele...ele...é...ele...?
- João, peça ao seu amigo pra me deixar ir embora, por favor. - Imploro a João que o faz me soltar e me abraça uma outra vez, murmurando.
- Perdão por tudo, Adessa. Esse não é o Vincenzo que conheço. Ele é bom. Só não sabe o que fazer no momento. Por favor, quando estiver mais calma, dê uma chance a ele. Eu sei que ele já está arrependido.
- João, vc me faria um imenso favor? - Com os olhos cheios d'água, fixando-os nos olhos de João, percebo a presença de Vincenzo recostado à parede. Sou tão estúpida que poderia abraçá-lo e beijar sua cabeça, perdoando-o por tudo o que acaba de fazer. Ele se aproxima. Eu o fuzilo com meu olhar de fúria. - Se não for pedir demais, vc aceitaria ser o padrinho de meu filho? Eu não encontraria alguém melhor nesse mundo. Aceita?
- Adessa. - Sussurra Vincenzo visivelmente abatido.
- Aceito. - Responde-me João com os olhos úmidos. - Será um imenso prazer fazer parte da vida de uma criança tão especial. - Apertando minhas mãos com as suas, eu sinto sua franqueza e pureza de sentimentos. Eu fiz a coisa certa. - Tudo passa, querida. Deixe que eu te leve até sua casa. Agora, eu preciso cuidar da saúde de meu afilhado. Não é mesmo? - Sorrindo, eu concordo.
- Faz sentido.
João segura as bolsas e me oferece seu braço onde me apoio. Meu coração sangra quando Vincenzo, diante de mim, pergunta.
- Quando eu vou poder ver o meu filho?
- Ele não é o seu filho!
- Quando, Adessa!?
- Nunca.
E, infelizmente, ele nunca o veria...
Nem eu.
O quarto está pronto. Sweet Child dissera que daria azar montar o berço antes do nascimento, mas eu não acreditei. "Superstição", pensei enquanto ajeitava o mobile de borboletas sobre o berço. Qual a relação entre montar um berço e o azar?
- Vc vai ser minha borboletinha, meu amor. - Converso com meu bebê. - Vai me levar pra bem longe desse mundo, com suas asinhas, e me fazer feliz como eu nunca pude ser. Somente vc e eu...pra sempre.
Desço da escada, cuidadosamente. Ainda que minha barriga não tenha crescido a ponto de ser notada, eu a acaricio enquanto me sento na poltrona de amamentação e me balanço, de olhos fechados, imaginando meu filhinho com sua mãozinha tateando meu rosto. Estou tão envolvida em meus pensamentos que não pressinto sua presença maligna.
Um sopro forte e a porta do quarto do bebê se fecha, bruscamente.
Corro até um dos cantos do quarto e o procuro, em pânico. Protejo meu ventre com as mãos, agachada, acuada. A chuva forte invade o quarto pela janela escancarada acima da minha cabeça. A luz se apaga. Sinto seu cheiro fétido de enxofre, seu hálito em meu pescoço. Estou tremendo de medo por meu filho.
- Nosso filho. - Diz Ga'al com sua voz gutural. - Eu disse que queria um filho. Não me importo com quem seja o pai.
- Não toca em mim, por favor. - Imploro, sem enxergá-lo. As gotas da chuva molham meus cabelos. Relâmpagos iluminam o centro do quarto onde ele se mostra. Seus olhos incandescentes me encaram quando grito, horrorizada, enquanto ele se move em minha direção. Encho-me de coragem e, pela primeira vez, agarro com a mão, a medalhinha pendurada em meu pescoço. A do 'Crucificado' que Vincenzo me dera no dia em que me resgatara do cativeiro de Jack e a beijo com fé e pavor. Sem saber rezar, eu peço ajuda ao 'Alto' segundos antes de ser puxada pelas pernas e arrastada até o meu quarto. Meus gritos deveriam acordar a vizinhança, porém a chuva forte, os trovões abafam a minha voz. Outro relâmpago ilumina a cruz. Ga'al se afasta de mim, enraivecido.
- Vc tem medo...- Penso alto. Ouço a campainha tocar. Um fio de esperança renova minha coragem. De gatinhas, tento alcançar a porta do quarto e abrir a porta da sala. Berro por socorro antes de ser jogada contra a parede da sala onde bato a cabeça. Caio sentada no tapete felpudo. Ga'al, em sua forma demoníaca, rasga a camisa de meu pijama com fúria. A campainha não para de tocar. Penso em gritar novamente por socorro quando ele acerta um soco em meu rosto. Cuspo sangue girando, violentamente, meu pescoço para o lado. Cobrindo minha barriga, com as mãos, luto contra ele, chutando-o com as pernas. Ele gargalha prendendo-me ao chão com seu corpo imenso sobre mim. - Não machuca meu bebê...
Abocanhando meus seios, ele aperta minha garganta com uma das mãos, sufocando-me. Enchendo-me de asco, medo e uma imensa força que vem do amor por meu filho, eu invoco o nome do 'Crucificado' em voz alta.
- Me ajuda! Proteja meu filho!
Ga'al ergue seu tronco e com ódio nas feições, cerra os punhos prestes a me socar quando ouço sua voz chamando por mim.
- ME AJUDA, VINCENZO!
Arrombando a porta da sala, ele se choca com o que vê. Um enorme demônio erguendo-me pelo pescoço. Agarro-me em suas mãos, debatendo-me enquanto Vincenzo transtornado mostra seu lado exorcista que, até então, eu desconhecia.
Erguendo sua cruz em madeira, Vincenzo se aproxima sem temor, encarando Ga'al, gritando palavras em Latim, atormentando o verme que me solta. Caio contra o chão, puxando o ar pela boca. Arrasto-me até Vincenzo que me protege com seu corpo. Ga'al avança em nossa direção quando me uno a Vincenzo e, erguendo minha mão espalmada, sem pensar nas palavras que saem da minha boca, ordeno em voz alta.
'Crux Sacra Sit Mihi Lux. Non Draco Sit Mihi Dux. Vade Retro Satana! Nunquam Suade Mihi Vana. Sunt Mala Quae Libas. Ipse Venena Bibas.'
Ga'al urra contorcendo-se, recuando, enquanto Vincenzo me olha estarrecido e repete comigo as frases que acabara de proferir.
Unidos, de mãos dadas, oramos em Latim avançando em direção a Ga'al enquanto ele recua, furioso. Repetimos a oração, incansáveis, até que ele se desfaz num grito que faz a janela se partir em mil pedaços. A chuva invade a sala, molhando nossos rostos.
Exausta, desmaio em seus braços.
- Onde aprendeu Latim? Como sabia que aquilo o afastaria?
- Sei lá. - Respondo, dando de ombros. - Nem sei o que eu disse. Era Latim? - Um riso infantil e ele, com cuidado, cuida das feridas em meu rosto, beijando meu olho inchado. Por que ele fez isso? Não tem a ver com o homem que me humilhou naquele dia. - Como soube que precisava de ajuda?
- Eu te ouvi...
- Como assim???
- Fica quieta. Deixa o gelo agir no seu olho.
- Vincenzo, responde! - Exijo, deitada em minha cama, vestida com outro pijama. - Quem me vestiu? - Erguendo uma das sobrancelhas, ele responde.
- Quem vc acha que foi? Tem mais alguém aqui além de mim?
- Vc me viu nua? Deveria ter esperado eu acordar.
- E deixar vc molhada!? Poderia fazer mal ao bebê!
- Desde quando vc se importa com meu filho!?
- Desde que eu soube que é meu também!
- Mentira! Não tem como saber! João não sabia! - Minto. - Quem te disse isso!?
- Vc, idiota!
- Nunca! Mesmo que fosse seu, eu nunca te diria nada! Vc me chamou de vagabunda na frente de seus amigos! - Prorrompo em lágrimas enquanto ele me observa com o saco de gelo na mão. - Nunca fizeram aquilo comigo! Eu não merecia, Vincenzo! Eu nunca te fiz nada de mal! Eu nunca te obriguei a nada! Aquilo aconteceu e eu não sei como!
- Eu sei...- Assume ele baixando a cabeça. - Sei que vai ser difícil, mas se puder, algum dia, me perdoa. Eu estava fora de controle. Eu te vi com o João, sorrindo e...
- E? - Cruzando as pernas, apoio meus cotovelos nos joelhos e aguardo por sua resposta, olhando em seus olhos lívidos. - Fala...
- Vc sorriu assim pra mim no dia em que nos conhecemos na cafeteria. Um sorriso puro, entusiasmado.
- E daí? João foi legal comigo, enquanto vc...- Enxugo minhas lágrimas com o dorso das mãos e continuo, ressentida. - Vincenzo, eu nunca fui tão humilhada em minha vida. Nem mesmo com meus...- Não diga 'clientes'. Não agora que ele parece estar voltando a ser o homem por quem vc se apaixonou. - Ah...deixa pra lá.
- Completa. - Ordena-me ele com a porra do gelo em meu olho fechado.
- Não quero. Responde!
- O quê?
- Meu filho! Quem te disse que ele é teu filho também!? João me prometeu que nunca diria!
- Idiota, eu leio mentes.
- Oiii???
- Telepatia. Infelizmente, ouvi quase tudo o que vc queria me esconder. Inclusive, seu pedido de socorro.
- Porra! - Eu o empurro pelo tórax. Ele larga a bolsa térmica na mesinha de cabeceira, arregalando os olhos, abrindo um sorriso de triunfo. - Tá de sacanagem??? Desde o início???
- Desde sempre...
- Sempre? Não entendi.
- Desde que te doparam naquela festa e te...- Cerrando os punhos, ele soca o colchão. - E fizeram aquilo com vc. Aquela covardia.
- Putz...- Paraliso fixando meu olhar incrédulo em seus olhos compassivos. - Então foi vc quem me salvou naquela noite!? Na noite do estupro coletivo!? - Vc é minha 'Voz sem Rosto'!? Puta que pariu! O carinha da moto e a 'Voz sem Rosto' são a mesma pessoa!? O pai do meu filho!? Caramba...eu não acredito...- Sério?
- Sim. Sou eu. Sou todos esses em quem vc pensou e, principalmente, o pai do seu filho.
- Não é! Vc não pode afirmar!
- Vc acabou de pensar, pateta!
- Vc não leu a porra dos meus pensamentos!?
- Caralho! Deve ser a porrada na cabeça! - Resmunga ele, aumentando o tom da voz. - Eu acabei de te dizer que sou telepata!
- Para de ler meus pensamentos! Isso é um saco!
- Para de pensar...
Levo as mãos ao rosto e, rindo, grito.
- EU NÃO CONSIGO!
Rimos juntos. Eu me queixo da dor em meu rosto. Ele me faz deitar e se deita ao meu lado, ainda com o gelo em minha face, na região abaixo do olho esquerdo. Não sei como me portar. Lembro-me da última vez em que ele se deitara ao meu lado e em como tudo terminou...ou começou. Meu filho fora concebido naquele dia. Abro um sorriso e emito outro gemido de dor.
- Tem um jeito de vc evitar que eu te ouça como acabo de ouvir.
- Merda! O que ouviu!?
- O que já sabia. Qual o nome do nosso filho!? - Derreto-me por dentro, tentando não sorrir. Engulo em seco. Pigarreio e, enfim, não sorrio. De olhos no teto, respondo.
- Enzo.
- Enzo de 'Vincenzo'. Bem original.
- Não ferra! Vc sumiu! Eu queria te...
- Vc queria se lembrar de mim...pra sempre e deu o meu nome ao nosso filho.
- Imbecil. Como faço pra vc não me ouvir?
- Música alta. Bem alta.
- Alexa! - Grito bem próxima ao seu ouvido. - "How long will i love you" de Ellie Goulding! Volume sete!
Ele gargalha de minha atitude impulsiva até ouvir a música e entender a letra. Será que ele pensa que eu o amo e o amarei pela eternidade? Isso é patético!
- Vc não tá me ouvindo, né???
- Eu não estou me ouvindo, Adessa! - Grita ele. - Mas a música é bonita. Gostei. Até quando?
- O quê?
- Vc vai me amar?
Gargalho histericamente esperando que ele não note o quanto eu o amo.
- Não seja patético. Tô com fome.
- Adessa, só vc pra ter fome após um exorcismo que quase quebra todos os ossos do seu corpo.
- Graças a vc, eu estou bem...digo...estamos. Meu filho e eu.
- Nosso. - Corrige-me ele, levando-me no colo até a cozinha. Abrindo as portas dos armários sem a menor cerimônia, ele enfia a cabeça na geladeira aberta e pergunta. - Gosta de lasanha!?
- Amo! - Respondo, eletrizada. Tê-lo aqui, tão perto de mim...de nosso filho, me faz pensar que, talvez, um dia, possamos ser uma família. Da pia, ele me lança um olhar do tipo 'Adessa, não viaja'. Desconsolada e irritada, ordeno, sentada à mesa. - Cala a boca e cozinha logo! Estamos famintos!
Tento não sorrir quando ele move o canto da boca e me olha com ternura.
Não consigo.
Eu me odeio. Eu te amo.
Ele voltara à minha vida, preenchendo os espaços vazios. Todos os dias ele vem à minha casa e me faz companhia quando não estou trabalhando. Acaricia a minha barriga. Conversa com meu bebê, embora não me toque como mulher e, quando eu penso algo mais picante, ele me lança aquele olhar de que não vai rolar.
EU ODEIO AQUELE OLHAR! Como ficar perto dele sem desejar seus beijos?
- Não falamos do meu 'trampo'.
- Como assim, amiga!? Ele sabe que tu é puta!? - Lanço meu olhar de desprezo a Sweet e, rosnando, esclareço.
- Eu não sou puta. Sou stripper, atriz...
- De filme pornô! - Intromete-se ela.
- Filmes adultos! - Refuto, indignada. - E neles, eu só transo com mulheres! Nada de penetração! E ganho uma grana boa com meus vídeos caseiros...
- Em sites pornôs! - Complementa Sweet firmemente intencionada a me deixar 'puta da vida'!
- Se continuar a falar assim comigo, eu me afasto de vc e vou tirar os meus clientes da tua lista!
- Não, amiga. - Diz ela num tom reconciliador. - Não faz isso não. Eles têm pago as minhas contas e, vc vai saber, daqui há algum tempo, o quanto custa criar um filho. Imagine dois!? - Reviro os olhos, divertindo-me com seu desespero. - Eu só não quero que Vincenzo te magoe novamente.
- Não vai. - Sorrio. - Eu sinto que não vai. Talvez, com a nossa proximidade, ele desista de ser padre e...
- É a sua vez, meu anjo. - Avisa Doc enquanto ouço a introdução da música vinda do palco. - Tenha cuidado para não cair!
- 'Tô de boas', Doc. - Grito sorrindo, atravessando a cortina de miçangas, sem nada enxergar além das luzes dos holofotes incidindo sobre o palco. Freddie, o DJ, me anuncia como "The Flashback Girl", no entanto, hoje, agora, estou dançando uma canção atual e bem conhecida por estar na trilha sonora de um filme que narra a história de amor entre um 'dominador' que se apaixona por sua 'submissa'. O filme causou 'frisson' quando lançado nos cinemas e, apesar de achá-lo inocente comparado à minha vida, eu o assisto todas as vezes em que o reprisam na TV.
Eles são tão fofinhos juntos...
Termino o show e, ao final, apesar da insistência da plateia, eu me nego a retirar meu biquini, mostrando meus seios, exibindo-me como uma gata no cio. Doc contem um ou dois clientes do 'California' que discordam da minha atitude e sobem no palco, prontos para arrancar meu sutiã ou rasgar a lateral de minha calcinha. Eu os xingo enquanto vejo surgir diante de mim, a figura de Vincenzo que me protege com seu corpo.
- Vamos sair daqui! - Ordena ele puxando-me pelo braço, cobrindo-me com seu casaco como eu havia imaginado, a cada show, antes de seu retorno à minha vida. - Vai ficar aí me olhando ou vai sentar na garoupa!?
- Eu preciso pegar minhas coisas! - Esclareço, eufórica, abraçando-o pela cintura, ouvindo o ruído de suas mãos acelerando a moto. - Vc é maluco!? Eu só estou de calcinha e sutiã!
- E o meu casaco! - Grita ele contra o vento. - Fica calada e não pensa em nada, pelo amor de Deus! Eu já nem sei mais o que eu tô fazendo, caralho!
Um sorriso patético se gruda em meu rosto enquanto recosto minha cabeça em sua camisa de malha, cheirando à maçã verde.
Se tudo isso for um sonho, não me deixa acordar...
De volta ao meu apartamento, ele joga suas chaves sobre a mesinha no hall e, despretensiosamente, vai até a cozinha e, de lá, me pergunta o que eu desejo comer. Empolgada, penso que já vira essa cena antes. Eu tenho a certeza de que ele já jogou as chaves no mesmo local e me fizera a mesma pergunta. Como? Eu não sei!
- 'Déjà-vu'! - Grita ele da cozinha, lavando talheres, panelas. Esquentando o forno. - Isso é explicado pela ciência. O cérebro faz uma comparação rápida com situação anterior com esse mesmo layout, essa disposição de móveis, objetos e pessoas.
- Não. Não é isso. - Refuto, assustada. - Foi muito...muito real. Eu já vivi isso, mas...no futuro. - Irrito-me com sua risada debochada quando ele argumenta, amarrando meu avental em sua cintura, sua boca bem próxima à minha.
- Meu anjo, se vc ainda tivesse visto no passado! Mas, no futuro, aí nem a Ciência explica! - Outra risada irônica e eu piso em seu pé com o salto de minha bota. Calçando coturnos, ele debocha. - Nem doeu. - Seu olhar incisivo me deixa sem ação quando, subitamente, retiro seu casaco e o jogo em seu rosto. Então, percebo que estou de calcinha e sutiã com bojo e lantejoulas e...e só. Por que me olha assim? Tá gostando do que vê!? Gostou das minhas botas!? - Ah! Não ferra! - Irritado, ele sai do transe e dá as costas para mim. Rindo de sua atitude infantil, eu o provoco.
- Gostou de ouvir o que os outros pensam, Sr. Telepata!
- Eu não consigo controlar essa merda e...não. Não gostei de suas botas e 'não'! Não gosto de te ver assim, quase nua, se expondo pra um bando de babacas tarados! - Ciúmes??? Enfurecido, ele volta da cozinha e me olha, confuso. - NÃO! NÃO É CIÚME! EU PRECISO CUIDAR DO MEU FILHO!
- Não precisa gritar! Eu estou grávida! Não surda! E não preciso que cuidem de mim! - Rebolando em direção ao quarto, abro um sorriso bobo quando ouço um prato se espatifar no chão. Caiu de sua mão. Pra onde vc estava olhando, Vincenzo? Pra minha bunda? - Eu sempre soube e sempre saberei me cuidar sozinha.
- Ah tá! Eu que o diga! Vc só se mete em encrenca e eu é que tenho que te salvar!
Antes de fechar a porta do meu quarto, retruco, sensualizando ao vê-lo agachado, catando os cacos do prato.
- Tem não! Quer! Porque eu nunca te pedi nada, Mon Amour...- Passando a mão, nervosamente, pelos cabelos, ele ordena.
- Porra! Vai tomar logo o seu banho e se veste, por favor! Eu detesto requentar comida! - Te peguei, amor. Vc gosta de mim. Rosnando, ele ameaça atirar a colher de pau em minha direção. Rindo, eufórica como uma criança, grito.
- OK! OK! JÁ FUI!
- Vc é virgem? - Vincenzo se engasga com um pedaço do bife à Parmegiana, antes de responder, absolutamente transtornado.
- Que pergunta idiota é essa!? E logo à mesa de jantar!?
- Ué! - Exagero em minha expressão facial de espanto. - Que bobagem! É uma pergunta simples que requer uma resposta mais simples ainda: Sim ou Não? - Ele toma um gole de vinho e, desviando seu olhar do meu, responde.
- Não. Não tenho que responder nada. Essa pergunta é ridícula, além de extremamente íntima. - Gargalho antes de zoar.
- Te peguei! Vc é virgem! - Levo o guardanapo à boca e continuo a rir de seu nervosismo, partindo em pedaços, o bife. Eu faço o mesmo. Sempre me disseram ser falta de educação partir o bife em pedacinhos antes de comê-lo. "Parta-os um por um, conforme for degustando a comida". Porra nenhuma! Corto tudo antes de comer porque facilita a minha vida já bastante complicada. Por que ele tá rindo? - Não gosto que ria de mim. Do que estávamos falando?
- Vc pensa tanto que se enrola toda...- Um de seus sorrisos me faz arfar. - Quantos sorrisos vc tem, idiota?
- Sei lá!
- Esse! Fica parado! - Mostro-lhe minha mão esquerda espalmada enquanto capto, com meu celular, o sorriso que mais gosto: o de cafajeste! - Eu vou descobrir todos eles e, se meu filho tiver um deles, vou me lembrar de vc.
- Vc é maluquinha...- Por vc, idiota. Porra, vc ouviu! Jogando a cabeça para trás, ele cruza as mão na nuca. Voltando a olhar para mim, vejo surgir outro sorriso. O de compaixão ao dizer pelo enésima vez que 'não rola'. - Vc é ridícula! O que aconteceu foi sem meu consentimento e eu nem me lembro!
- Minha pergunta está respondida. Oficialmente vc não é mais virgem! Parabéns! - Estendo minha mão sobre a mesa. Ele a aperta, mostrando as covinhas em um novo sorriso: o encabulado. Até o fim de nossos dias, descobrirei quantos sorrisos vc tem, coisa fofa. - Aonde vai!? Desculpa! Eu não tenho controle sobre os meus pensamentos, porra!
Caminhando em direção à sala, ele ordena, visivelmente desconfortável.
- Alexa! "The Tracks of my Tears", Smokey Robinson and the Miracles!
- Eu não tenho controle. E essa coisa de telepatia é muito chata! Invasão de privacidade!
- Eu sei. Desculpa. Eu tô bem. - Elevando o olhar, ele comenta, nostálgico. - Essa música me faz lembrar dos meus pais...- Um sorriso triste surge em seu rosto quando pergunto.
- Há quanto tempo eles se foram?
- Eu era adolescente. Não me lembro ao certo. É uma lembrança embaçada da minha vida. Como sabe que morreram? - Por que sua mãe está aqui, nessa sala? PORRA! NÃO POSSO PENSAR! AH! Tem música alta! Yess!
- Sei lá. Foi um palpite. Sua mãe era tão linda...
- Como sabe!?
- Para de me olhar como se eu fosse uma aberração!
- Como sabe!? Vc nunca a viu antes!
- Eu imagino que sim, porra! Vc é lindo! Deve ter herdado a beleza dela! Satisfeito!?
- Desculpa. É que senti...uma presença. Eu pensei...que...
- O quê? - Envolvo meus braços em seu pescoço. Ao som da canção, eu o faço se mover, lentamente enquanto ele me enlaça pela cintura. - Saudades dela?
- Sim...
- O dom para a dança vc deve ter herdado de seu pai. - Brinco quando ele pisa em meu pé direito. Ele sorri, assentindo com a cabeça. - Eu te ensino a dançar.
- Não gosto de ver vc dançar naquele lugar. - Diz ele recostando sua testa na minha. Estamos dançando quando ele comenta. - Vc não precisa daquilo.
- Ah tá. Como vc acha que eu pago por esse apartamento ou pelo jantar que vc preparou?
- Eu disse que...eu quero dizer...- Jogando a cabeça para trás, ele bufa ao resmungar. - Deixa pra lá.
- Ok.
Nossos corpos estão colados, unidos. Ouço seu coração disparar e não consigo entender porque ele não se entrega a mim como eu gostaria de me entregar a ele. Será que é tão importante para ele ser padre!?
- Como seus pais partiram?
- Acidente de carro...
A música termina. Ele se afasta de mim e, sentando-se no sofá, chora como criança. Sento-me ao seu lado e o abraço.
- Não foi sua culpa.
- Como sabe que carrego culpa pelo acidente? - Questiona-me ele, cobrindo o rosto com as mãos. - Eu nunca...
- Assim como vc, eu tenho um super poder. - Um risinho triste e ele me olha com seus olhos azuis e plácidos. - Quer saber qual? Pensou que somente vc teria super poderes nessa história? Aham! Se enganou, Sr. Telepata!
- Vc é tão boba. - Diz ele, acariciando minhas bochechas. - E linda. - Pigarreio porque não posso pensar no que estou querendo pensar.
- Para de rir de mim!
- Pensa no que quiser, porra! Seja livre!
- Acho que alguém aqui bebeu além da conta.
- Eu tentei, Adessa. Eu tentei.
- O quê?
- Salvar meus pais, mas não consegui...- Tento captar imagens do acidente, porém, ele se ergue do sofá e, caminhando a passos firmes até a cozinha, abre a geladeira. Eu o sigo. Ele toma um litro de água, no gargalo, de uma só vez. Encarando-me, ele confessa. - Não sei beber. A porra do vinho me subiu à cabeça. - Seja livre. Faça o que quer fazer, meu Vincenzo. - ADESSA! PARA COM ISSO!
- Não grita comigo! Vai assustar o bebê!
- Qual é a porra do teu poder?
- Não fala assim comigo...- Choramingo. - Eu não fiz nada.
- Vc não faz. - Rosna ele a um centímetro dos meus lábios. - Vc pensa em fazer e eu te escuto, merda. Eu sou um homem. Antes de ser a porra de um padre, eu sou um homem. Dá pra dizer qual é o seu poder?
- Não. Não vou dizer. Vc está sendo estúpido e bêbado. Não merece saber de nada.
- Me conta!
- Larga meu braço. Tá doendo. O que...? - Cerro os olhos e as imagens inundam minha mente.
Sua mãe se debatendo sobre um colchão molhado. Gritos de dor. Xingamentos. Vincenzo, ainda criança, chorando ao pés da cama. Um crucifixo de madeira em suas mãos. Seu pai orando ao lado de um padre que asperge água benta sobre o corpo esquálido e extremamente ferido da mãe que berra e gargalha, diabolicamente.
- Merda. - Eu o empurro com o braço livre e, assustada, questiono. - O que aconteceu com a sua mãe antes de sua morte!? Por que ela sofreu tanto!? Me conta!
- Nunca! Como sabe disso, caralho!? Vc é algum tipo de bruxa!? Lida com Magia!?
- Não, idiota! - Grito num dos cantos do cômodo. - Eu tenho a porra do dom de tocar nas pessoas e ver e sentir o que veem e sentem! Satisfeito!? ISSO NÃO É UM DOM. É UMA MALDIÇÃO! E NÃO! EU NÃO SOU UMA BRUXA! SUA MÃE NÃO ERA UMA BRUXA! E QUE PORRA DE PACTO VC FEZ COM LÚCIFER!?
Seus olhos arregalados expressam pavor quando ele se joga contra o sofá e fica ali, sentado, olhando-me por minutos de um silêncio profundo.
Ainda embriagado, ele confessa. Ajoelhada, entre suas pernas, eu o escuto atentamente.
- Ela iria morrer se não fizessem nada e tudo o que a Igreja poderia fazer, foi feito e...nada. Nada surtiu efeito. Então, ele surgiu no meu quarto e me disse que traria minha mãe de volta. Ele me disse que não gostava de covardia e que ver minha mãe sofrer não o agradava.
- Lúcifer apareceu pra vc? No seu quarto?
- Sim. - Diz ele, desalentado. - É mais normal do que parece. Ele mente, engana e, depois, destrói.
- Ele não salvou sua mãe?
- Só o Mestre salva. - Refuta ele, contendo sua fúria. - Ele ordenou que o demônio saísse do corpo de minha mãe e o demônio se foi e nunca mais retornou. Mas, isso teve um preço.
- Qual!? Me diz! - Imploro temendo pela resposta.
- Eu troquei a liberdade de minha mãe pela minha alma.
- Aaah...- Exalo, arrasada. - Isso não se faz a uma criança. Vc não tem que se preocupar. Acredito que seu Deus não permitiria tamanha maldade.
- Tá me zoando??? - Prendendo-me entre suas pernas, ele repete, inflando as narinas. - Tá me zoando!?
- Não! - Com as mãos, forço suas pernas para os lados e tento me levantar. Ele me prende entre elas com mais força ainda. Meus pelos da nuca se eriçam quando reclamo. - Tá me machucando de novo! Me solta, merda! - Há algo de estranho no ar acima de nossas cabeças. Inspiro profundamente e, reconhecendo o odor, tento me manter focada nele. Nada de ruim pode me acontecer com Vincenzo ao meu lado...
- Minha mãe era uma santa. Ela não merecia passar por aquilo. Não merecia ser possuída por um demônio! Não era uma puta! Era uma santa!
- Os santos são os mais tentados e os que mais sofrem nas mãos deles, idiota preconceituoso! Não tem lido sua bíblia!? - Refuto, magoada, ainda presa entre sua pernas. - Me deixa sair daqui. Meus joelhos estão doendo...
Livre, eu me ergo e sigo em direção ao banheiro do corredor. Lavo meu rosto porque não quero que ele veja que estou chorando.
- Por quê? Por que tá chorando?
- Vc é louco? Tem Alzheimer? - Pergunto ao seu reflexo estranhamente fora de foco. Pisco por várias vezes até que sua imagem fique nítida. Que porra tá acontecendo aqui!? - Não me olha assim.
- Assim como?
- Como se tivesse carinho por mim.
- Eu tenho!
- Vc acaba de me ofender, cretino. Sua santa mãe não merecia ser possuída, mas eu, puta, sim! - Enxugo meu rosto com a toalha que arremesso em seu peito. - Sai da minha frente. - Peço ainda chorando. - Acho melhor vc ir embora. Eu preciso dormir. - Passo por ele, a caminho da porta da sala, enquanto ele continua a me ofender.
- Pra quê!? Pra acordar amanhã e trabalhar no 'California' ou filmar seus vídeos caseiros!? Ah! não! Deve ter gravação no set de filmagem de seus educativos filmes pornôs! Ah! Perdão! Adultos!
- Sai da minha casa. - Peço num tom baixo, abrindo a porta. - Vc não é bem-vindo.
- Não vou! - Protesta ele diante de mim. Seus olhos expressam confusão mental. Sua imagem está embaçada. Volto a piscar os olhos úmidos. Seco minha lágrimas na barra da camisa de meu pijama e arrisco-me a olhar novamente em seus olhos, agora, repletos de agonia. - Eu preciso ficar. Eu não quero te deixar. Eu não posso largar tudo e ficar. Eu não sei o que fazer. Prometi à minha mãe, em seu túmulo, que não deixaria que outros sofressem como ela.
- Idiota! Ela não morreu por causa do exorcismo! Morreu em um acidente de carro!
- Não importa! - Grita ele com suas mãos em minhas têmporas. - Eu prometi a ela em seu túmulo anos após a porra daquele exorcismo realizado pelo 'Anjo Caído'. Eu tô ferrado de qualquer forma. Eu não vou te perder. Não quero perder nosso filho! Vou para o inferno de uma forma ou de outra!
- Do que tá falando, maluco! Eu tô ficando bolada! Que diabos vc quer de mim!?
- Vc!!! Eu quero vc!!! Vc e meu filho, caralho!!!
- Eu tô aqui, Vincenzo. Vc sabe o que sinto por vc.
- Eu posso te sustentar, meu anjo. - Cerro os olhos e sinto o frescor de suas mãos em meu rosto. Seus lábios em minha testa quando sua voz sussurra. - Vc não precisa mais fazer o que tem feito.
- Eu largaria tudo por vc...amor.
- Vc precisa se esquecer de tudo que te contei sobre o exorcismo de minha mãe.
- Por quê!? Que bobagem! - Um toque em minha testa e ele conta do número dez ao um e, estalando seus dedos entre meus olhos, pergunta.
- Do que vc se lembra sobre minha mãe!?
- Oiiii??? Que pergunta idiota é essa???
- Fala!!!
- Acidente de carro, idiota! Ela morreu em um acidente de carro e dançava muito bem! Ao contrário de vc!
- Perfeito.
- Aaah...vá pro inferno!
- Por que tá assim? Relaxa...
- Não ferra! Vc cortou, Vincenzo! Vc cortou, estilhaçou, decepou, guilhotinou, esfaqueou, acabou com o clima...
- Shhh.
Sinto seu hálito morno cheirando a vinho tinto antes de seus lábios tocarem os meus. Minhas pernas bambeiam. Ele me sustenta com suas mãos em minha cintura. Eu o deixo me guiar em um beijo sereno, suave...
E curto!
- Para! - Pede-me ele, recuando.
- O que eu fiz!? Foi vc quem começou tudo, seu abestalhado! Vai embora! Eu preciso me acalmar!
Ele tenta me conter. Eu o empurro com a lateral de meu corpo. Atravesso o corredor, xingando todos os palavrões que me vêm à mente. Sigo em direção ao meu quarto. Ele me segue pedindo-me perdão. Tento fechar a porta do quarto em sua cara, mas ele me impede com seu pé entre a porta e o batente.
- ME DEIXA EM PAZ! TÁ PREJUDICANDO MEU FILHO!
- NOSSO!
Solto um grito de impotência e libero a porta. Sento-me no colchão. Abro a gaveta da mesa de cabeceira. Ele se senta ao meu lado.
- Dá pra me deixar em paz?
- Não.
- Haja saco! - Revirando os olhos, retiro da gaveta um 'baseado'. Com um isqueiro, acendo a sua ponta, cruzando minhas pernas. Faço questão de olhar para ele quando dou minha boa primeira tragada e seguro a fumaça na boca. Com a língua no fundo da boca, permito que a nuvem espessa flua lentamente por entre meus lábios. Solto uma gargalhada ao perceber seu espanto ao perguntar.
- Isso é maconha!?
- Não...- Respondo na 'Paz de Jah'. - Isso aqui é um relaxante natural, mas, em breve, a Medicina vai descobrir que a 'Cannabis' vai contribuir para a cura de doenças graves...- Abro um sorriso, cerrando os olhos. Um tapa em minha mão e a erva cai no chão. - IDIOTA!
- Isso mata milhões de neurônios, burra!
- Porra! - Agacho-me a fim de catar a guimba ainda acesa. Ele pisa com seu coturno sobre a erva. Revoltada, eu me ergo e acerto seus bagos com meu joelho. Rolando no chão, ele urra, enquanto eu berro de raiva. - SABE QUANTO É CADA CIGARRINHO DESSE!? MAIS DO QUE VC GANHA COMO PADRE, BOSTA! E SABE O QUÃO DIFÍCIL É ENCONTRAR ALGUÉM QUE VENDA ESSA ERVA COM QUALIDADE!? ESTÚPIDO! SAI DA MINHA CASA! - Curvando o tronco para frente, ele adverte, num gemido.
- Isso vai fazer mal ao nosso filho! Vc vai parar com isso!
- 'No way'! Sem chances! - Minto. Eu raramente dou uma 'tragada'. Só o fiz para escandalizar. E consegui. - Não se aproxima! Eu vou te meter a porrada!
- O que vc faz comigo!? Por que eu tenho que te procurar e, quando te encontro, vc se perdeu!?
- Do que tá falando? Tá me machucando. Solta meus braços, Vincenzo. Eu tô com medo.
- Eu tenho medo de vc, Adessa! - Assevera ele, puxando-me em direção à porta da sala. Caminhando, ele continua a gritar frases sem sentido. - Eu tenho medo de mim quando estou com vc, Adessa! Eu te amo e sempre te amei...ADESSA! - Deveria estar feliz com uma declaração de amor, mas...estou com medo. Medo de seus olhos escuros, de seu sorriso soturno. A visão não estava desfocada no início. Era ele que estava presente o tempo todo e eu não percebi. É ele quem me olha agora ao perguntar num tom sarcástico. - Ou seria...Morgana? Ou Valkyria?
- Eu sou Adessa...- Afirmo, ofegante. - Não sei de quem vc tá falando, Vincenzo.
- Vincenzo? Ele não está aqui no momento, meu anjo. Quer deixar recado?
- Eu sei que ele está! Vincenzo! Reaja! Ga'al não é mais forte do que vc!
- Tem razão. Mas a culpa que ele carrega o deixa tão maleável! É tão fácil manipular o 'seu Vincenzo'. O pai de seu filho...
- Ga'al, deixa ele em paz. - Suplico, sentindo dor nos punhos onde as mãos de Vincenzo me prendem a ele. - Faça o que quiser comigo, mas deixa ele ir embora. Por favor.
- Ele disse que te ama! Que vai cuidar do filho que deveria ser meu! Ele que vá para o inferno se encontrar com Lúcifer de uma vez por todas!
- NÃO! VINCENZO! REAJA! PELO AMOR DE SEU DEUS! REAJA! PENSA NO NOSSO FILHO!
Suas mãos liberam meus punhos. Corro até o elevador. Aperto o botão de chamada. Vincenzo, livre de Ga'al que se apossa de seu corpo, grita por meu nome. A porta do elevador se abre. Deveria ter entrado e fugido dele, mas eu o amo tanto! Não posso deixar o pai do meu filho nas mãos de um ser maligno como Ga'al.
- Vincenzo!?
- O que houve? Por que tá assustada!?
- Ele tá aqui! Ga'al estava em vc! Foge! - Seguro a porta do elevador com meu corpo e ordeno, desesperada. - FOGE AGORA!
Sorrindo, ele me puxa para si. A porta do elevador se fecha. Seus braços me comprimem até que eu fique sem ar. Sussurro em seu ouvido.
- Em nome do teu Criador, reaja. Não se deixe dominar por ele. Vc é melhor do que isso. Vc tem luz, Vincenzo.
- A luz dele se apagou, Morgana. E a sua, vai se apagar também. Se eu não posso ter meu filho, vc também não o terá.
- NUNCA! - Bato com o topo de minha cabeça na testa de Vincenzo possuído por Ga'al. O sangue cai em filetes entre suas sobrancelhas. Aproveito sua desorientação momentânea e procuro pelas escadas. Antes de fugir pelas escadarias, lanço um último olhar a Vincenzo que me encara com pavor em seus olhos azuis. - Meu amor, lute contra ele!
- Me ajuda. - Suplica ele, estendendo-me os braços. - Onde ele está, amor!?
'Amor'. Ele me chamou de 'Amor'...
- ADESSA! ONDE ELE...!?
Olho para cima e vejo a densa fumaça cinza pairando sobre sua cabeça. Aguardando o melhor momento para atacar. Uno minhas mãos as de Vincenzo antes de ser consumido pelo Mal...novamente.
Segundos. Frações de segundos. Vincenzo chegara a me segurar, mas as mãos de Ga'al me empurram, com força, escada abaixo. Rolo contra os degraus até que meu corpo se encontre com a parede. Ainda ouço a voz gutural de Ga'al antes de se separar do corpo de Vincenzo.
- Se não for meu, não será de ninguém.
Vincenzo pula dois degraus de cada vez enquanto me arrasto até me encostar na parede manchada com o sangue de minha cabeça.
Ele me puxa pelos braços e deita minha cabeça em seu colo. Sentado no chão, ele chora quando lhe mostro a mão pintada de vermelho. A mão que retiro de minhas entranhas.
- Eu vou salvar nosso filho. Eu vou.
- Não vai. Ele partiu. Eu sinto...- Afirmo entre soluços. Vejo meu sangue escorrer pelos degraus, em direção ao andar abaixo do meu. O sangue de nosso filho está gravado no rosto de Vincenzo quando olho em seus olhos e lamento, seca por dentro. - Minha luz se apagou.
- Me perdoa!
- Nunca. Vc não lutou...por nosso filho.
- Adessa! Adessa! - Ele chacoalha meu corpo, repetindo meu nome. - Fica comigo! Abra os olhos! Fica comigo, amor!
E a Escuridão se fez.
Doc e Sweet me amparam durante a cerimônia simples e rápida em homenagem ao meu filhinho que partira. Não acredito no Deus de Vincenzo, mas acredito em Anjos. Meu filho...meu pequeno Enzo é um deles agora. Agacho-me, apalpando a terra fofa e molhada cobrindo seu caixão. Arrumo a coroa de violetas sobre a terra e, passando os dedos em sua lápide, leio baixinho as palavras ali gravadas.
"Eu sempre te amei. Eu te amo e sempre vou te amar. Nesta e nas próximas vidas. Vou te encontrar, meu filho. Espera-me".Corro, sem direção, pelo campo verde, árvores frondosas. Um lugar lindo se não fosse um cemitério. Ouço a voz grave de Doc a me chamar. Um ligeiro aceno de mão e ele compreende que preciso ficar a sós.
- Por que ele não veio? Era filho dele. Parte dele também...
- Porque ele se sente culpado. Há muita culpa sobre ele. Vc precisa encontrar uma forma de perdoá-lo. A história de vcs não começa aqui. Séculos de amor, lascívia, ódio e dor os une.
- Quem é vc? - Pergunto ao homem alto, negro, belo e os olhos mais fulgurantes que já vira em minha vida. Baixo os meus por me sentir inferior a ele. - De onde me conhece, senhor?
- Desde sempre, Adessa. Por favor, não se perca novamente. Dê uma chance a ele.
- A quem!?
- Aos dois...- Responde-me ele, abrindo um sorriso que me cega por instantes. Quem ele é? De onde vem tanta luz? - Qual o seu nome, senhor?
Um raio de sol abre espaço entre as nuvens escuras, incidindo sobre o homem quando ele se volta para mim, ao responder à minha pergunta.
- Miguel. Alguns me chamam de 'Arcanjo', mas...- Outro sorriso iluminado e ele complementa. - Mas vc pode me chamar de Miguel, seu amigo.
- Leva meu filho, Miguel! - Imploro entre angustiada e enlevada. Apontando para o céu, ele me responde, de costas para mim.
- Ele já está com o Criador, Adessa. Descansa a tua alma. Ele está com o Criador.
Sorrio, levando a mão ao peito.
- Adessa, posso falar com vc?
- Vincenzo.
Eu deveria dar uma chance a Vincenzo como o Arcanjo me pedira, mas, quando olho em seus olhos tristes somente enxergo fraqueza, impotência diante daquele que matara meu filho, minha razão para viver.
Eu o vejo sumir, ao lado de João, pelo retrovisor do carro de Doc. Meus olhos escondidos por meus óculos escuros estão secos. Não há mais lágrimas. Não há mais vida dentro de mim. Pergunto-me por que ele não me impedira de partir? Por que ficara ali, parado, à minha frente sem dizer uma palavra? Por que não tentara me convencer a ficar ao seu lado e não me implorou para esquecermos tudo e recomeçarmos do zero, como um casal?
- Ele nunca vai largar a Igreja, amiga. Não se iluda. - Consola-me Sweet Child minutos antes do show no palco do 'California' onde devo voltar a ser "The Flashback Girl", mais ousada e fria do que antes. - Ele não é o tipo de homem que se apaixona por mulheres com nós. Pensa na grana que vai ganhar voltando a trabalhar como antes, sem a barriga, e esqueça aquele babaca.
- Tem razão. - Concordo sem olhar em seus olhos. Não quero constatar o que acabo de sentir ao tocar em sua mão. Por que minha amiga sente inveja de mim quando sempre tentei ajudá-la? Como eu nunca reparei seu desejo por Vincenzo antes de perdê-lo? Como ela pode se referir ao meu filho como um empecilho para que eu ganhe dinheiro!? EU PERDI MEU FILHO! MEU FILHO, INSENSÍVEL!
Descobriria, anos após, que ela seria capaz de tudo para se defender mesmo que tivesse que acabar comigo.
Por enquanto, tudo o que preciso saber é que o show deve continuar, ainda que eu me sinta vazia por dentro.
Continua...