ANOS 70
Acostumada a ter o que quero, quando quero, não aceito um 'não' como resposta. Apesar de entristecer meus tios com minha atitude, não consigo ser de outra maneira. Por que seria se consigo o que desejo sendo assim?
Não faz sentido mudar somente para agradá-los. Eu os amo. São mais do que tios. Eu os considero como pais por terem cuidado de mim quando minha mãe biológica me largou na porta do 'pub'. Devo agradecer a ela por ter feito isso pela manhã? Se a vagabunda tivesse me abandonado à noite, certamente, teria sido pisoteada por esse bando de gente bêbada e barulhenta que frequenta o "Eileen Pub" todos os dias. Infelizmente, meus tios deram o meu nome ao bar, logo, sou super conhecida em meu bairro de classe média baixa.
Estupidez.
Dar meu nome a um local de onde desejo escapar. Eu não fui salva da morte à toa. Não mesmo! Não foi para ficar atrás de um balcão servindo 'Baby Guinness" sem parar. Eu amo meus tios, mas odeio esse bar. Eu nasci para dançar. Será que não entendem isso!?
Hoje é dia de 'Trad Sessions' no palco. Pela enésima vez, o povo se une aos músicos e canta "The Wild Rover'. Meus tios sempre se juntam ao grupo, aos gritos. Eles dançam e comemoram, unidos, por terem sido muito bem acolhidos. Vieram da Itália e se fixaram na Irlanda graças à sua hospitalidade.
Eles são tão fofos e felizes!
Penso que nunca serei amada como eles se amam. "No nay never", balbucio, sem esperanças. Uma bela canção de minha terra onde as vozes vibram em um coro que, por vezes, me tocam profundamente.
HOJE NÃO! CANSEI DESSA CANÇÃO e das palmas em meus ouvidos!
- "The Black Stuff!"
- Ok! Já ouvi! Não grita! Uma 'Baby Guinness' saindo! - De costas para o balcão, observo a cerveja escapando da torneira e ocupando o espaço da tulipa levemente inclinada aguardando o momento certo de formar o 'colarinho' denso e cremoso. - Merda! - Pela enésima vez, eu cometo o mesmo erro. A cerveja transborda do copo, melando minha mão, sujando a bandeja de gotejamento.
EU NUNCA APRENDO!?
- Da próxima, vc acerta.
- Duvido muito. - Rumino, passando o pano de prato debaixo da tulipa e, em seguida, no balcão onde lhe entrego a cerveja. - Já tento fazer isso há séculos. Não sirvo pra servir.
- Não fica, assim 'Baby Guinness'. - Graceja ele. Erguendo a cabeça, eu o encaro e alerto.
- Se me chamar assim outra vez, vai se arrepender.
- Agora fiquei com medo. - Um sorriso no canto da boca e eu ajeito meu decote. Seus olhos incisivos observam meus seios fartos cobertos pelo vestido. Uma piscadela e ele me surpreende ao esvaziar a tulipa em um só gole. Secando os lábios carnudos com um guardanapo de papel, ele comenta. - Vc é brava. Gosto disso, baby. - Inflo as narinas e, antes de responder com um bom palavrão, ele se defende. - 'Baby' é um nome carinhoso! - Bufo jogando o pano de prato sobre meu ombro. Até quando vou ter que lidar com homens idiotas como esse!? - Vc é linda, jovem, inteligente. Acho que 'baby' lhe cai bem. - Encho outra tulipa com cerveja e, impulsiva, eu a jogo em sua blusa ao declarar em alto e bom som.
- Isso lhe cai melhor, baby!!!
O 'pub' está tão cheio que sequer notaram o que acabo de fazer, exceto meu tio, que viera em meu socorro, certo de que eu estaria em risco.
- O que ele te fez, filha? - Em silêncio, o homem forte, alto e enigmático, apoia seus cotovelos no balcão. Afetando interesse em minha resposta, ele aparenta não se incomodar com sua roupa encharcada pela cerveja. A maneira como me observa, me faz arfar antes de desviar os olhos irritados dele e enxergar os fascinantemente olhos azuis e sempre plácidos de meu tio Enrico. - Vc está bem?
- Sim.
- Foi ela quem jogou cerveja nele! - Acusa uma mulher qualquer apoiada sobre o balcão. - Ela se acha melhor do que todos aqui! Por que ainda a deixam servir!? - Julgando-me superior a ela, respondo numa afronta.
- Porque eu sou melhor!
- EILEEN!!! - Reprova-me Celeste, minha segunda mãe. Minto. Minha primeira e única mãe. Acostumada às suas repreensões, já não reclamo da força que ela emprega ao apertar meu braço e me obrigar a pedir desculpas aos clientes. - Me perdoa. - Diz ela dirigindo-se ao homem debruçado, displicentemente, sobre o balcão. Num tom apaziguador, ela repete a mesma frase de sempre. - Ela é muito jovem. Sonhadora, reativa. Não fez por mal.
- Sem problemas. Gosto de pessoas autênticas.
- Peça desculpas ao moço. - Ordena-me Celeste. Indignada, eu me recuso, cantarolando.
- 'No, nay, never'! - Tia Celeste me recrimina com seu olhar benevolente. Tio Enrico esconde um riso enquanto subo no balcão e, calçando botas de cano longo, sapateio ao ritmo da canção. Batendo palmas, aceno aos músicos no palco. Eles vibram. Salto do balcão. Agacho sobre o piso melado de cerveja. O homem com os olhos claros e incisivos me ampara com seus braços fortes. - Dá pra me largar? Eu sei pular, dançar e rodopiar! Não se preocupe comigo! - Grito, estranhamente empolgada por sua presença. Seus olhos e o sorriso tímido me fazem arfar novamente. - Sou bailarina. Acabo de ser admitida em uma famosa escola de dança em Dublin. - Minto. Rasgara a carta onde eles me recusaram, aos prantos.
- Eu sabia! - Grita ele em meu ouvido. - Assim que pus os olhos em vc, percebi!
- Percebeu o quê!?
- Que vc nasceu para dançar! Aqui não é o seu lugar! - Diz ele aos gritos. - Podemos conversar lá fora!? - Atraída por seu jeito espontâneo de ser, reflito antes de responder. Talvez ele tenha grana e me tire daqui. Talvez não. Talvez eu possa tirar alguma grana dele com minha beleza e facilidade em seduzir. Meus tios me odiariam se me vissem sair do 'pub' com um estranho. Porém, todos são estranhos até que eu os conheça. Conheço a metade dos homens que estão aqui dentro. Já transei com quase todos. Os que ainda não não conseguiram transar comigo, espalham boatos maliciosos, mas ainda não desistiram de provar do meu corpo. Idiotas! Eu escolho meus homens! Eu transo com quem eu quiser porque sou jovem e bela! Desistam ou paguem pelos meus serviços!
Shhh! Meus tios não podem conhecer esse meu lado!
Eu preciso de grana para comprar minhas roupas e botas de couro! Minhas sapatilhas, collants, meia- calça, saias! Isso custa caro! Com o que ganho aqui, eu não conseguiria! Qual o problema em usar o que é meu para o meu próprio sustento!? Deixo que falem de mim. Quanto mais falam de mim, mais clientes eu tenho. NÃO OUSE MACHUCAR MEUS TIOS. Eu não quero. São meus também. Eu os amo. Eu quero o que eles têm. Um amor sincero e profundo. Procuro por alguém que me tire da escuridão. Talvez seja esse cara me olhando e babando. Ele é interessante...- Já tem uma resposta? Sim ou não?
- Não entendi!
- Vou repetir! - Grita ele. - Quer conversar lá fora!? - Incomodada com seu olhar intrusivo, reclamo.
- Vc gosta de gritar, né!?
- Dentre outras coisas, baby...
Foi assim que eu o conheci. 'Mr. Byrne'. Aiden Byrne, o irlandês mais contraditório de todos. O mais fogoso, rude, selvagem e, por vezes, violento de todos os homens que já conhecera. Ele me quer somente para si, mas não se importa em saber que me 'vendo' a outros, desde que eu não me apaixone por nenhum deles. Gosto de seu ciúme exacerbado e de suas súbitas aparições no 'pub' ou na faculdade, durante minhas aulas no curso de Psicologia. Isso me confere um certo 'status', além de provocar inveja em muitas alunas, exceto em Antoine, minha melhor amiga. Minto. Minha única amiga. Não me suportam e eu imagino o porquê. Não sou fácil de lidar. Eu sei. As únicas duas pessoas que me aceitam como sou são Antoine e meu tio Enrico. Tia Celeste me ama, mas tem restrições com relação às minhas ações. Ela me conhece melhor do que todos. Costuma dizer que tenho dois lados e que, um dia, o meu melhor lado virá à tona, definitivamente.
- Não faço ideia.
- Eu imagino o que ela quis dizer.
- Vc imagina muita coisa, Antoine. Esse é o seu maior problema. Além da sua perna manca. - Putz. Arrependo-me tarde demais. - Eu não queria...
- Mas disse. - Abrindo um sorriso triste, ela me perdoa...como sempre. - Não tem problema. Todos veem e riem de mim, mas somente vc tem coragem de dizer. É por isso que te amo, Eileen. Vc é sincera.
- Muito. Demais. - Num abraço forte, eu imploro. - Perdão. Eu não mereço sua amizade.
- Não chora. - Pede-me ela secando minhas lágrimas com o dorso de sua mão delicada. - Eu sei que o seu coração é muito maior do que vc pensa.
- Não é. - Murmuro. - Eu sou má e egoísta. Minha tia me disse isso ontem. Por que eu sou má!? Porque falo verdades!? Porque eu não me faço de santa!? - No campus da faculdade, sentada sobre a grama, observo o vai e vem dos alunos e seus risos inconsequentes. Eu os invejo. Invejo a leveza com que levam a vida. Invejo a facilidade com que gastam a grana de seus pais. Invejo-os por terem pais que não os abandonaram na porra da porta de um 'pub'. Invejo Antoine que, apesar de conhecer meus defeitos, trança meus cabelos e me trata com extremo carinho. Ela é bela por dentro e por fora. A perna com defeito de nascença não lhe impede de ser feliz. Extremamente feliz, o que me irrita bastante. E o pior: ela dança tão bem quanto eu. - Tá vendo aquelas vadias!? - Aponto o indicador à área arborizada. - Elas traem os namorados e sou eu quem leva a fama de 'piranha'. - Rindo, ela retruca.
- Não liga. São todos um bando de paspalhos. Um dia, eu sei que vc vai encontrar alguém bacana por quem vai se apaixonar e por quem será amada.
- Duvido...- Deito-me na relva. Ela faz o mesmo. De olhos fixos no céu nublado, lamento. - Eu não nasci pra ser amada. Nem minha mãe me quis...
- Talvez ela não tenha te abandonado. Já pensou nisso?
- Nunca!
- Deveria. - Diz ela, erguendo os braços, movendo-os de um lado a outro no ritmo da canção que escapa dos alto-falantes. Eu a imito encaixando palmas aos movimentos. Estamos rindo quando ela divaga. - Nem tudo o que nos falam é real.
- Quer dizer que minha tia mentiu? - Palmas. Risos. E, então, ela responde.
- Não. Tia Celeste não faria isso. - Erguemos as pernas simultaneamente. No ar, o defeito de sua perna é quase que imperceptível. Sua euforia em dançar me contagia e me faz esquecer dos problemas. Sou melhor ao lado dela. Ela me faz rir ao arregalar seus lindos olhos castanhos e perguntar. - Quem sabe vc não é uma fada!? - Reviro os olhos ao indagar.
- De onde tirou isso!?
- Da aula de Mitologia! Os 'Changelings'! - Recostando minha cabeça à dela, gargalho antes de corrigi-la.
- Deixa de ser burra! Os 'Changelings' são seres muito feios deixados por fadas no lugar de outra criança bonita! Eu não sou feia!
- Não mesmo! - Vibra ela. - Vc é a moça mais bonita de todo o campus! De toda a Irlanda! - Ainda rindo, discordo.
- Posso ser bonita, mas já deixei de ser 'moça' há muito tempo!
- Isso não importa. Não pra mim. O que vc faz com seu corpo não vai mudar o que sinto por vc. - Engulo em seco. Minha voz embarga ao ouvir sua doce voz declarar. - Eileen, vc é e sempre será a minha melhor amiga. Eu te amo.
- Te amo...- Sussurro de olhos fechados. Lágrimas rolam de meus olhos. Elas as enxuga com seu polegar. Se soubesse que a invejo, deixaria de me amar. - Amigas pra sempre?
- Pra sempre.
Nossos dedos se enroscam no ar selando uma união eterna. Antes de entrar no carro de Aiden que me aguarda - e vigia - do lado de fora da faculdade, pergunto a Antoine.
- Vc vai à festa de São Patrício amanhã no 'pub', né?
- 'For Pete's sake'! E perder a melhor festa do ano!? Claro que vou!
Do banco do carona, eu aceno para Antoine que 'manca' até desaparecer na esquina. Eu lhe ofereceria uma carona, mas Antoine não gosta de Aiden e a recíproca é verdadeira. Aiden a detesta. Alega que Antoine é muito bondosa para o seu gosto. Ela nada disse a seu respeito, mas eu sinto que ela o evita. Por que será?
- Esquisita essa garota. - Rumina Aiden. - E ainda manca.
- Não fala assim dela. - Rosno ao seu lado.
- Vc fala! - Refuta ele, rindo.
- Eu posso! Ela é a minha única e melhor amiga! Vc não pode! Combinado!?
- Combinado, baby. - Ronrona ele ao meu ouvido. Puxando o ar por entre os dentes, ele confessa. - Estou louco pra ficar sozinho com vc.
- Me conta uma novidade...- Zombo dele retocando meu batom borrado por sua boca carnuda e faminta. Deitado sobre mim em sua cama desarrumada, ele retira meu vestido, arremessando-o contra a parede infestada de posters do 'U2'. Estranho o símbolo desenhado a giz vermelho no centro das figuras enquanto ele me invade com fúria. Contando os lados da estrela desenhada, peço. - Poderia não me deixar marcada dessa vez? Amanhã, na festa, eu pretendo usar meu vestido novo. Algo me diz que meus tios ficarão escandalizados se me virem com hematomas em meus braços e pernas sempre escondidos. - Urrando feito um porco, ele concorda.
- Sem problemas, baby. Sem marcas. - Seu olhar sombrio me assusta quando ele faz uma ressalva. - Mas somente por hoje. Sabe que gosto de te fazer sofrer. Só por hoje, baby.
Acabo de pendurar a última fileira de trevos na parede do 'pub', iluminados por luzes que piscam como estrelas no céu. Exausta, no topo da escada, conto com a ajuda de Antoine vestida de duende enquanto me arrisco ao usar minha fantasia de fada e botas de couro com cano longo, contrariando a vontade de tia Celeste que me diz estar indecente.
- Está frio, Eileen. Vai pegar um resfriado com essas pernas de fora.
- Eu sou uma fada, cacete! Querem que eu use o quê!? Um vestido longo de bruxa!? Uma burca!?
- Não! Algo que te cubra os seios à mostra, Eileen! - Protesta tia Celeste. - O que vão achar de nosso estabelecimento se te virem assim!?
- O que já acham! - Respondo num deboche, ao descer os degraus da escada e permitir que Antoine desenhe trevos de três flores em meu rosto. - Que o 'Eileen Pub' tem a mais 'gata' garçonete de toda a Irlanda! É por isso que eles vêm aqui, tia! Pra me ver!
- Não seja convencida, Eileen! Um dia a vida vai te ensinar a baixar a cabeça!
- Até lá, eu me divirto...
- EILEEN! - Grita tia Celeste, prestes a perder a paciência. Fugindo de seus tapas, escondo-me atrás de Antoine que, aos risos, me protege com seu corpo.
- Bobagem, meu bem. - Diz meu tio em minha defesa. - Ela é jovem e saudável. Eu adorava ver suas pernas quando éramos mais novos. - Deixando de ser o foco da atenção de minha tia, eu os observo, aliviada. Gracejando, tio Enrico comenta. - E ainda gosto. Suas pernas continuam as mesmas. Um 'pedaço de mau caminho'.
- Não seja bobo...- Ruboriza minha tia que, após anos de união, ainda se mantem apaixonada pelo mesmo homem. Ele a beija nos lábios. Ela nos faz rir ao reclamar. - Elas estão vendo, homem.
- Que vejam, minha fada, minha deusa. - De súbito, ele eleva os olhos às luzes no teto e divaga. - Que tenham a mesma sorte que tivemos. Talvez hoje seja o dia ideal para encontrarem o amor.
- Só se for Antoine, tio. Eu já tenho um namorado. - Refuto.
- Eu não disse namorado, filha. - Corrige-me ele com ternura. - Eu disse amor...
Do balcão, vejo Aiden chegar com seu chapéu de Saint Patrick destoando da jaqueta em couro. Ao seu lado, seu repulsivo primo com uma ficha de antecedentes criminais mais suja do que o chão do 'pub' em dias de festa. Sinto-me nua diante do olhar lascivo de Aiden. Incomodada, cubro-me com a casaca verde de meu tio. Antoine me ajuda a encher as tulipas com cerveja verde. Impressionantemente, ela as retira da torneira no momento exato, mantendo o 'colarinho' intacto. Percebendo minha estúpida indignação, ela comenta, arrependida.
- Foi sem querer!
- Deixa pra lá! Me ajuda a servir! - Entusiasmada com o burburinho festivo no 'pub', ela comenta.
- Hoje será uma noite especial! Algo de muito bom irá acontecer! - Revirando os olhos, resmungo, limpando o balcão com um pano de prato úmido.
- Tudo pra vc é especial e mágico, Antoine. Nem parece que temos a mesma idade.
- Exatamente! - Concorda ela, sorrindo. - Vc é jovem! Dezessete anos! Deveria sorrir mais! Ter mais esperança em um futuro melhor!
- O que seria melhor do que eu!? - Questiona Aiden, irritado e bêbado. Debruçando-se sobre o balcão, ele a ofende. - Vc deixar de mancar!?
- Estúpido! Nunca mais fale assim dela! Eu já te pedi!
- Deixa pra lá, Eileen...- Choraminga Antoine, amuada. Afastando-se, de cabeça baixa, ela anuncia. - Vou ajudar a tia Celeste. Tem muita gente aqui hoje.
- NÃO! FICA! ELE VAI TE PEDIR DESCULPAS! - Insisto.
- Nunca. - Retruca Aiden às gargalhadas ao lado de seu primo. Penso que ele se deixa influenciar pela má índole do primo, mas, talvez, ele seja tão mau quanto ele. Talvez, a maldade esteja no sangue deles. Quando estão juntos, eu odeio o Aiden...- No nay never! - Brinda ele erguendo seu caneco, deixando escorrer cerveja no balcão que acabo de secar. Talvez ele não saiba com quem está lidando. Ele, após meses de relacionamento, não conhece meu lado obscuro. Há um símbolo extremamente parecido com o que vira em seu quarto, pintado com tinta vermelha no piso em madeira, debaixo de minha cama. - Baby. Fala comigo. - Agarrando-o pela gola da jaqueta, aviso num sussurro.
- Fica longe de mim ou acabo com a sua noite.
- Ei, baby! Aonde vai!? - Corro até o banheiro onde encontro Antoine. Seco suas lágrimas com papel toalha. Mesmo que ofendida, ela o perdoa e me abraça. Não consigo compreender sua bondade, mas eu a amo por ser assim. Observo sua beleza com uma pontada de inveja. Sou tão bonita quanto ela, no entanto, ela reluz ao meu lado. Ela é pura, logo, sua pureza a torna quase mais bela do que eu. Digamos, mais reluzente do que eu. Penteio seus cabelos cacheados enquanto alerto.
- Fica longe daquele babaca. Ele não vale nada.
- Por que continua com ele, Eileen? Não faz sentido. Vc é bem melhor do que o Aiden. Pode encontrar um rapaz que te faça feliz.
- Não tenho esperanças. Prefiro ter grana do que amor. - Minto diante do espelho. - Quando tiver o suficiente, largo tudo e vou dançar em outro lugar. Um lugar bem longe daqui.
- E me deixar??? - Indaga ela, tristonha. - Não pode!!! Não pode deixar seus tios!!! Eles iriam morrer de saudades e eu também!!!
- Eu não me importo com eles. - Minto outra vez. - E vc tem a fortuna que seus pais te deixaram. Não vai demorar a se formar e a se casar assim como todas as meninas idiotas desse lugar.
- Não vou não. - Refuta ela encarando meu reflexo. - Eu não vim para isso. Não vou te deixar até que tudo tenha se consumado.
- Do que tá falando, maluca!? - Rindo, ela abre a porta do banheiro e responde.
- De nada! Vamos! Estão começando a cantar! - Puxando-me pelo braço, ela comenta num tom alto. - Hoje eu quero que vc se divirta! Eu fico no balcão!
- Não posso, doida!
Antoine e eu rimos enquanto atravessamos o salão, empurrando grupos de amigos com os rostos pintados de verde, branco e laranja que se amontoam à nossa frente. Alguns puxam meus cabelos. Outros tentam, sem êxito, beijar minhas bochechas. Chapéus verdes enormes acima de nossas cabeças nos impedem de enxergarmos meus tios que, certamente, estão à minha procura. Duendes bêbados nos cercam, impedindo-nos de passar. Piso em seus pés com os saltos de minhas botas. Antoine gargalha de minha pequena vingança e continua a me guiar em direção ao balcão. No pequeno palco, ouço a voz de meu tio Enrico anunciar o início de mais uma sessão de música ao vivo. Gritos e palmas antecedem a voz do cantor que testa o microfone e afina a guitarra. Finalmente, chegamos ao balcão. Aiden me fuzila com seus olhos, mas está tão embriagado que não reage quando, exausta de seu domínio sobre mim, encho uma tulipa de 'Baby Guinness' e a esvazio num só gole. Arroto sem querer. Antoine se diverte e me imita. Eu a impeço de esvaziar a tulipa.
- Vc não tá acostumada, Antoine! Pega leve! - Sentando-se sobre o balcão, ela grita, eufórica.
- O show vai começar, Eileen! Vc precisa ver isso!
- Por quê? - Indago desanimada. - É só mais um dentre as centenas de bêbados que irão cantar hoje.
- NÃO É NÃO! - Grita ela, de pé. Fixando seus olhos inocentes em mim, ela estende seu braço e me convida. - VEM!
Contrariando a vontade de Aiden, eu sigo meus instintos e subo no balcão de onde o vejo, pela primeira vez. A luz fraca sobre o palco incide sobre seus cabelos claros. Seu sorriso tímido faz meu coração acelerar sem que eu entenda o motivo. Antoine me observa, intrigada. Incomodada com seu olhar insistente, reclamo.
- O que é!? Nunca me viu antes!? - Após suspirar, ela responde.
- Já. Acho que vai dar certo.
- O quê!? Vc tá esquisita hoje! Cuidado! - Grito, assustada, assim que ela pula do balcão. Faço o mesmo e ao seu lado, agachada, indago. - Vc tá bem? Machucou a perna? - Eletrizada, ela se ergue e me puxa pelo braço. Eu me nego a segui-la em direção ao palco quando o vejo novamente através da brecha entre os corpos pintados. Gosto de seu rosto, das covinhas quando ri, dos caninos proeminentes. - Me deixa, Antoine! Eu não quero ir!
- Vc precisa ir! - Afirma ela num frenesi. - Ele é meu amigo! Quero que o conheça! - Movida por um súbito e inexplicável pavor, empaco. Há tanta dor em sua voz enquanto canta que me faz sofrer. - VEM! - Insiste Antoine imprimindo força em seu braço, arrastando-me consigo. Mancando, ela empurra, com seu corpo, a plateia, abrindo espaço até seu amigo.
Sentado em um banco em madeira, ele canta, de olhos fechados. Os acordes da guitarra penetram minha alma aflita por seu toque.
- Ele é lindo! Não é!?
- Já vi melhores. - Minto sem desviar meu olhar de seu rosto expressando profunda tristeza. Seus olhos se abrem, azuis como o céu. Encantadores, fascinantes. Levo a mão ao peito. Meu coração estúpido se comprime a cada passo que dou em sua direção. Enfim, ele nos enxerga. Insegura, recuo. Enciumada, percebo a ternura com que ele encara Antoine e lhe dedica as últimas palavras da canção.
"Please. Stay. I want you. I need you. Oh God. Don't take this beautiful things that I've got".
Contenho meu impulso de saltar sobre ele e espatifar a guitarra em sua cabeça. Como ele pôde demonstrar tanta paixão por Antoine e sequer olhar para mim??? Eu estou aqui!!! Absolutamente muito mais sexy e provocante do que Antoine coberta por um macacão largo e verde!!! É sério que vai continuar a me ignorar???
- Foi incrível! Onde aprendeu a cantar assim!? - Exulta ela antes de abraçar o estranho que a sufoca em seus braços. Quero puxar Antoine pelas tranças e, aos gritos, lembrá-la de que sou e sempre serei a mais cobiçada por todos os homens da porra desse 'pub'. Quero me intrometer no longo abraço e afastá-los. De onde vem tanta emoção??? De onde ela o conhece??? Por que as lágrimas em seus lindos olhos azuis??? Por que suas mãos acariciam as costas de Antoine e não as minhas??? Eu vou embora!!! Chega!!! Devo estar demonstrando minha indignação em meu rosto e corpo porque tio Enrico acaba de sussurrar em meu ouvido um 'Te aquieta, filha'.
- Como? - Rosno abraçada a ele. - Eles não se desgrudam. Me tira daqui, tio.
- Eu vou. Fique calma. Vc está tremendo.
- Deve ser de frio. - Comenta o estranho. - Vc está quase nua. - Ouço o riso eufórico de Antoine antes de me voltar para ele e ofendê-lo.
- Idiota! Desde quando eu te dei o direito de falar comigo nesse tom!? Eu não te conheço!
- E se depender de mim, vai continuar sem conhecer. - Refuta ele, abraçado a Antoine que, num tom conciliador, assume.
- Nossa. O erro foi meu. - Beijando o estranho na bochecha, ela me irrita ainda mais. Sorrindo com os olhos, meu tio me contem num abraço. O estranho sorri para tio Enrico e, mais uma vez, faz questão de ignorar a minha presença, voltando a olhar para Antoine. Ela, finalmente, me apresenta a ele. - Essa é minha melhor amiga, Vincenzo. - Não seria essa a hora de vc apertar minha mão e olhar para mim!? POR QUE NÃO OLHA PARA MIM??? - Eileen é a melhor bailarina que eu conheço. Além de linda, ela é inteligente. A melhor aluna de nossa classe.
- Não exagera. - Rumino baixando a cabeça quando, enfim, ele me encara. - Vc é tão boa quanto eu.
- As duas são fantásticas. - Comenta tio Enrico ao apertar sua mão. - É um prazer conhecê-lo. Seja muito bem-vindo ao nosso 'pub'.
- 'Grazie mille'!
- Italiano!? - Exclama tio Enrico, entusiasmado. - Vc vem da Itália!? 'La mia Italia'!? - Vincenzo assente com sua cabeça e, logo em seguida, ele o abraça, efusivamente, enquanto observo, imobilizada, cada parte de seu corpo. Suas costas se curvam no abraço apertado. Seus braços másculos se cruzam nas costas do meu tio. Seu sorriso franco ilumina o palco vazio, pronto para receber outro desconhecido apaixonado pela música. Percebo a alegria espontânea de meu tio ao conversar com ele, animadamente. Pergunto-me porque ele jamais dera um abraço em Aiden ou, ao menos, conversara com ele. Creio que já tenho a resposta. Aiden não o suporta. Aiden não suporta quem tenha luz própria por ser obscuro. Assim como eu, Aiden veio das trevas e às trevas, retornará. - Não é, filha!?
- O quê?
- Ela pensa muito. - Brinca tio Enrico antes de repetir sua pergunta. - Vc adoraria conhecer a Itália, não é verdade?
- Sim. - Respondo, contrariada. - Um dia, eu largo tudo e vou pra lá.
- Tão nova e tão amarga. - Lamenta Vincenzo. Ainda estou tonta tentando compreender a intimidade que o liga a Antoine de volta aos seus braços quando ele me intriga ao responder o que não perguntei. - Antoine e eu nos conhecemos há anos. Seus pais eram amigos dos meus. Quando partiram dessa vida, ela era ainda uma criança e eu, um adolescente. Foi quando ela me conquistou com sua astúcia, doçura e sensatez. - Um outro abraço e ele a beija na bochecha, enchendo-me de inveja...ou ciúmes. Ele, até o momento, não me olhou com desejo como todos os outros o fazem. Na verdade, ele pouco me olhou. Prefere conversar diretamente com meu tio que, estranhamente, me prende a ele pela mão quando desejo fugir dali com todas as minhas forças. Amo Antoine, mas, nesse momento, eu a odeio por receber o carinho desse idiota por quem meu coração bate aceleradamente. MERDA! Como quem acaba de ouvir o que penso, ele esclarece. - O amor que me une a Antoine é um amor entre irmãos. - Uma gargalhada irônica e comento.
- Sem dúvida alguma. - Revirando os olhos, provoco. - Me conta outra.
- Não tenho a menor intenção de te contar nada sobre a minha vida pessoal. Antoine e eu somos amigos e é isso o que importa.
- Pois eu não tenho o menor interesse naquilo que importa a vc. Tenho receio por minha amiga. Ela é inocente, pura. Vítima fácil nas mãos de lobos em pele de cordeiro.
- Filha...- Adverte-me tio Enrico. - É hora de parar.
- Não! - Refuto. - Esse cara chega aqui e todos vcs o acolhem como a um santo!
- Vc quer realmente falar sobre santidade, Eileen? Quer que ele saiba o conteúdo das aulas de sábado à tarde?
- O que tem sábado à tarde? - Indaga, surpreso, Tio Enrico.
- Nada.
- Tem certeza? - Insiste Vincenzo.
- Verme! - Ele acaba de tocar em meu ponto fraco. Aos sábados à tarde, eu atendo meus clientes. - Como sabe disso!?
- Eu não sei de nada...- Avançando sobre ele, sou contida por meu tio. Antoine o defende.
- Por favor, não briga com ele. Eu o chamei aqui pra te conhecer.
- Pois errou feio, Antoine! Já ouviu falar em ódio à primeira vista. Pois é! Isso acontece e acaba de acontecer! - Voltando meu olhar furioso a Vincenzo, alerto. - Fica bem longe de mim. Quando eu estiver em uma calçada, pule pra o outra.
- Vc que pule. - Provoca-me ele. - Os incomodados que se mudem.
- Crianças! - Intervém tia Celeste, preocupada. - Por que tanta alvoroço aqui!? Estão assustando os clientes!
- Já não estou mais aqui! Fui!
- Eileen! - Grita Antoine enquanto caminho, atordoada, de volta ao balcão. Ainda sem saber como controlar as emoções conflitantes que aquele 'italianinho' de bosta provoca em mim, sou obrigada a ouvir Aiden e seu discurso interminável de que sou dele e, sendo assim, somente tenho permissão para conversar com aqueles que ele permite. Agarrando-me pelo braço, ele ameaça.
- Não quero que fale com aquele escroto que se entitula cantor.
- Não que eu queira voltar a olhar pra cara dele, mas, por que ele, em especial? - Seus olhos escuros me fitam ao responder.
- Ele não. Qualquer um, menos ele.
Eu a afastei por inveja e ciúmes. Durante uma estúpida discussão na sala de aula, eu afastei Antoine de mim. Ciúmes dela com Vincenzo e, estranhamente, dele com ela. Eu sequer o conheço e o odeio. Ele visita o 'pub' com certa regularidade e, durante esses momentos, ele me ignora solenemente. Humilhada, continuo a servir os clientes e finjo não ouvir suas gargalhadas ao conversar com meu tio. Tia Celeste, ao meu lado, parece compreender o que vai em minha alma ao aconselhar.
- Não se deixe abater. O que Deus uniu, o Homem não separa. - Indignada, refuto.
- Não mesmo! Antoine e ele nasceram um para o outro! Dois babacas!
- Não fala assim, filha. Antoine sente sua falta. Façam as pazes.
- Não consigo. - Admito, ressentida. - Não sou do tipo que volta atrás em minhas decisões.
- E parece estar muito feliz sendo assim...
- Não zombe de mim, tia. Eu não tô bem. Alguma coisa dentro de mim, dói.
- É o coração, filha. Seu coração, enfim, vai se abrir para o amor. - Um riso sarcástico e pergunto.
- Amor de quem!? De uma falsa amiga que preferiu ficar do lado daquele imbecil!?
- Não. De um homem de verdade que despertou seu melhor lado.
- Quem!? Que lado, tia!? - Esfregando o balcão com o pano de prato úmido, eu rosno. - Eu tô com ódio, tia! Muito ódio! Eu nunca havia sentido nada assim antes!
- Não é ódio o que sente, filha. É mágoa.
- Mágoa pelo quê!? Não faz sentido! - Segurando meu queixo com sua mão delicada, ela me obriga a olhar em seus olhos fúlgidos ao explicar.
- Mágoa por ter sido preterida pelo único homem que tocou seu coração, Eileen. Mágoa por não ter conseguido conquistá-lo com seu belo corpo. Com seu rosto perfeito. - Sorrindo, ela cochicha. - Conquiste-o com seu coração, filha. Deixe seu melhor lado fluir.
- Eu não tenho um lado bom. - Assumo, baixando a cabeça. - Eu sou treva.
- De onde tirou isso? Por mais besteiras que tenha feito, vc ainda é jovem e pode mudar tudo.
- Não posso mais...
- Filha! Olhe pra mim! O que Aiden fez!? Não permita que ele estrague a sua vida.
- Já estragou, tia. Já estragou.
Volto no Tempo, há exatos vinte e dois dias. Dois dias antes de conhecer Vincenzo.
- O filho é seu!
- Como vou saber, baby? Vc trepa com a metade da cidade.
- Ele é seu! - Insisto, furiosa. - Eu não transei com ninguém desde que saí daqui naquela noite! Há três meses, eu não transo com nenhum homem além de vc, Aiden! Nosso filho tem dois meses, logo, ele é seu! Tudo aconteceu na porra da noite em que vc enlouqueceu!
- Não me recordo...- Zomba Aiden esparramado em sua cama, ao lado de seu 'Pitbull' tão feroz quanto ele. - Eu? Louco? Vc sonhou, baby. - Enfurecida, avanço em sua direção. Propositadamente, ele solta a coleira do cão que rosna, ameaçadoramente, para mim. Assustada, espalmo minha mão direita e a aponto para o animal, transferindo a raiva que sinto por Aiden, ao cão babando. "Recua!", ordeno, perplexa com seu abatimento. Amedrontado e fraco, o cão se deita sobre o piso sujo e me deixa passar. Aiden aplaude o que acaba de assistir. Sarcástico, comenta.
- Eu sabia que um dia vc voltaria, minha pequena bruxa.
- Vc não faz ideia do que sou capaz de fazer, Aiden. Não me irrite. Não me subestime. Sou mais do que teus olhos podem ver. Acreditando ou não que o filho que carrego em meu ventre é seu, eu o terei. Ele vai nascer.
- No way, baby. Eu não nasci para ser pai.
- Então, eu arranjarei outro pai para o meu filho, babaca escroto! - Um olhar para o cão e, colérica, ordeno. - MORDE!
Os últimos sons que ouço antes de deixar o quarto alugado de Aiden são seus gritos de dor e xingamentos de raiva. Ainda confusa com meu poder sobre o cão, pensando em como sustentar um filho sozinha, esbarro em alguém na calçada. O vento frio e cortante me faz desistir de retirar meu capuz da cabeça e olhar para trás. Um passo adiante e seu magnetismo me faz parar, de imediato.
- Tantas coisas na cabeça que não tem tempo para pedir desculpas? - Retirando os fones dos ouvidos, diminuo o som do meu 'walkman' que acabo de comprar e, lentamente, giro na ponta dos pés. - Bela pirueta, bailarina. - Diz ele, batendo palmas. Seus olhos brilham excessivamente a ponto de me assustar.
- Como sabe que sou...?
- Eu tenho meus informantes, meu bem. Ademais, seu porte não nega. Vc dança ao caminhar. A Música está em sua alma.
- A raiva também. Não falo com estranhos. - Retruco ao recuar. - Me deixa em paz.
- Paz! - Exulta o homem esguio trajando roupas do século XV. Provavelmente outro louco irlandês à espera de 'Saint Patrick's Day'. - É exatamente isso o que vc não tem, criança. 'A paz que excede todo o Conhecimento' como diriam os tolos. A paz dos que amam e são amados. - Prestes a enfiar os fones em meus ouvidos, eu resmungo.
- Vá pro inferno.
- Acabo de sair de lá, meu bem, e preciso de sua ajuda. Estou procurando por um amigo que, certamente, vai te procurar. - Retiro meu capuz e, impaciente, indago.
- E por que diabos seu amigo me procuraria!? -Parecendo se divertir, ele comenta.
- Vc adora essa expressão. Entra século e sai século e vc sempre usa essa expressão: "Por que diabos?"
- Vc é maluco! - Dando-lhe as costas, esbravejo. - Vá se cuidar, porra! Tenho mais o que fazer! - Num tom de voz sombrio e grave, ele revela.
- Posso te ajudar com a criança. - Um arquejo de pavor e me volto em sua direção.
- Como sabe!? Eu não contei a ninguém! Foi o Aiden!? - Raciocino. - Impossível! Eu acabei de falar pra ele agora mesmo!
- Eu sei de muitas coisas, meu bem. Sei que não quer ter esse filho. Sei em quais circunstâncias ele foi gerado e a quem foi consagrado. - Receosa, indago.
- Do que tá falando? Consagrado?
- Consagrado...- Repete ele. - Na noite da concepção, seu namorado não estava 'puro'. Cocaína, álcool e maldade o fizeram invocar um demônio. Em troca de poderes, Aiden lhe ofereceu algo.
- Eu não estou te segurando, meu bem. Porém seria interessante que ouvisse o que tenho a lhe dizer, caso não queira que seu bebezinho queime no inferno. - Sufoco um soluço antes de me afastar. - Espera! Eu posso te livrar das garras demoníacas se vc me der uma pequena ajuda ao encontrar o 'bonitão'.
- Demoníacas??? Que demônio???
- Ninguém com quem se preocupar. Ele está muito abaixo de mim na escala dos 'mais poderosos'. - Erguendo uma de suas finas sobrancelhas, ele alerta. - É um amiguinho de seu namorado. Aiden não é santo. Tem ligações com o submundo. Seu mestre exigiu que a criança fosse concebida. - Minha voz vacila ao questionar.
- Pra quê?
- Seria cruel, até para mim, te responder, meu bem.
- Não. - Atordoada, afirmo. - Não sei quem é o seu 'bonitão'. Me deixa ir.
- Vai saber assim que o vir...ou ouvir. E quando o encontrar, diga-lhe que estou de volta. - Caminhando sinuosamente até mim, ele sussurra. - Não lhe dê ouvidos. Ele é mau, apesar de parecer um anjo. Vai querer te conquistar e te usar e, depois, vai te jogar na lata do lixo ou em alguma fogueira por aí. Quem sabe?
- Não te entendo. Vc é louco. - Um salto para o lado e grito. - Saí!
- Eileen, eu só quero te ajudar. Afinal, nos conhecemos há séculos e vc sempre faz papel de besta. - Debaixo do poste, sob a luz alaranjada, enxergo sua aura escura e concluo, desconfiada.
- Vc é mau. Eu não vou te ajudar e não tenho medo de vc. Eu sei ser má quando quero.
- Não tão má quanto eu, meu bem. Mas, reconheço teus poderes. Junte-se a mim contra o 'bonitão'.
- Não. Não faço pactos com estranhos.
- Vc me conhece. - Alega ele. - Já nos vimos antes. Não se lembra?
- Eu me lembraria se tivesse visto um ser patético como vc.
- Não se o 'bonitão' te fizesse esquecer de tudo o que o compromete, ridícula.
- Chega! Eu preciso trabalhar! Vc deveria fazer o mesmo!
- Esse é o meu trabalho, meu bem.
- Irritar pessoas!?
- Sim. Até que mostrem seu pior lado.
- Se deu mal comigo. Eu só tenho um lado: o mau. Fui!
- Eu sequer me apresentei...- Lamenta ele.
- Não precisa! Não sei seu nome e não quero saber! - Andando de costas, imploro. - Me deixa em paz. Fica longe do meu filho.
- Ficarei se der o recado ao 'bonitão'. - Aterrorizada, prestes a me recordar de suas feições, afasto-me dele, correndo o mais rápido que posso. Sua voz ainda ecoa na escuridão da noite enquanto cruzo a ponte próxima ao 'pub'. - Não corra! Vai fazer mal ao bebê! E FIQUE LONGE DO 'BONITÃO'!
- Um copo d'água.
- Não sou sua escrava. Peça 'por favor'.
- Por favor, um copo d'água. - Secando as tulipas com um pano de prato limpof, eu o observo a revirar os lindos olhos azuis e ruminar. - 'Milady'. - Prendendo um riso, retruco.
- Não vendemos água aqui. Só cerveja.
- Não bebo cerveja. - Enfileirando os copos no balcão, aconselho.
- Então, beba a água da chuva lá fora. Além de ser pura, é de graça.
- Tão pura quanto vc?
De súbito, minha visão embaça ao mesmo tempo em que meu sangue esquenta. Sem raciocinar, salto sobre o balcão, derrubando os copos. De pé, diante dele, cravo minha mão direita em seu pescoço enquanto meu tio, aos gritos, implora.
- Para, filha! Para! - Os braços de Vincenzo seguram meu antebraço. Sua voz firme e suave, ordena, pausadamente.
- Larga o meu pescoço. - Imediatamente, eu o obedeço. Ele recua enquanto fito o chão coberto por estilhaços de vidro. Um choro compulsivo e sou amparada por Tio Enrico que me faz sentar no banco em couro junto à mesa redonda. Confusa, indago.
- O que houve?
- Vc tentou me estrangular. Só isso.
- Não brinque, Vincenzo. - Repreende-o meu tio num tom brincalhão. - Ela tem um probleminha...- Sentindo-me ridícula, escondo meu rosto no pano úmido e suplico.
- Tio. Não...- Abraçando-me com força, ele me encoraja.
- Ele é nosso amigo, filha. Além disso, é psiquiatra. Pode tentar te ajudar.
- Eu não sou louca. Tenho lapsos. Só isso.
- Louca? Imagina! Eu juro que nunca mais vou te pedir um copo d'água. - Deixo escapar um riso patético. Meu tio ri do meu riso enquanto Vincenzo se senta ao meu lado e me pede desculpas. - Eu fui grosseiro. Não deveria ter dito aquilo.
- Não importa. Meu tio sabe que não sou pura.
- Não diga isso, filha. - Lamenta meu pobre tio. Culpo-me pelas lágrimas em seus lindos olhos. Num arroubo de compaixão, beijo suas bochechas rosadas. - Vc é pura como no dia em que nós te encontramos. Nunca mais diga isso.
- Onde?
- Não te interessa. - Rosno, sentindo uma raiva crescente me consumir. - Vc não é meu amigo e nunca o será.
- Alguém a deixou aqui em nossa porta. Ela ainda era um bebê. Lindo e fofo. O nosso bebê. O presente mais precioso que já tivemos a dádiva de receber. - Enfiando minha cabeça entre as pernas abertas, volto a chorar feito criança assim que suas mãos tocam a minha cabeça. - O que está fazendo? - Indaga tio Enrico, preocupado.
- É uma técnica para acalmar. Só isso. Não se preocupe.
- TIRA A MÃO DE MIM, SEU PORCO! - Protesto aos urros.
- Parece que não está dando certo...- Observa tio Enrico contendo-me em seu abraço para que eu não morda Vincenzo. Um ressentimento me toma por completo quando, num repente, perco o controle de meu corpo que já não me obedece. - Ela está possuída!?
- Não. - Esclarece Vincenzo. - Não exatamente. Eileen, olhe pra mim.
- NUNCA! PORCO IMUNDO! VC ME FEZ QUEIMAR!
- Jesus! Do que ela tá falando!?
- Calma, Enrico. - Assevera Vincenzo, o porco. Aquele que jurei odiar. DESDE QUANDO??? FOI POR ELE QUE EU MORRI!!! FOI POR AMOR!!! Nunca...- Olha pra mim, Eileen.
- ESSE NÃO É O MEU NOME, CAZZO!
- E qual seria o seu nome?
- VC SABE! - Berro lutando por me libertar dos braços do homem mais velho e desesperado. - ME SOLTA E EU TE DIGO O MEU NOME, PORCO. TU ME DEIXASTES NA CELA IMUNDA!
- Não foi assim, Morgana.
- MORGANA!? - Grita o velho atrás de mim. - Quem é essa!?
- Alguém distorceu os fatos. Alguém mentiu pra vc. Eu estava contigo até o final. - Afirma o homem com quem me casei. - Não se lembra? Olhe para o lado. O que vê?
- NÃO QUERO!
- O QUE VÊ, MORGANA!?
- FOGO!!! STUPIDO!!!
- FILHA??? - A voz grave escapa de minha garganta assim que encaro Enrico.
- QUE IDIOTA É VC!? EU NÃO SOU SUA FILHA!
- Eileen, olha pra mim.
- PORCO MISERÁVEL! EU NÃO VOU OLHAR PRA VC! - Aviso de olhos fechados. - BRUXO DOS INFERNOS!
- Não estou pedindo. É uma ordem.
- EU NÃO TE OBEDEÇO MAIS! DESDE QUE VC ME DEIXOU, EU NÃO TE OBEDEÇO MAIS, 'FIGLIO DI PUTTANA'.
- Ela já fez isso algumas vezes e se machucou! Ajuda, Vincenzo!
- Vai dar certo. - Diz o porco de olhos azuis, agarrando um de meus braços enquanto o velho agarra o outro. Com minhas pernas livres, eu chuto outra cadeira que voa em direção à mulher loira com um sorriso intrigante. - Morgana, olha para o lado. De onde está, dá para ver quem está ao seu lado.
- Onde ela está!? Do que falam!?
- Celeste, meu amor, não se meta agora. Depois, eu te explico. - Chorando, o velho implora. - Segure suas pernas. Ela vai se machucar mais ainda.
- Vc me vê, Morgana? Vc me viu? Eu estava lá. Olhe.
- NÃO QUERO!
- OLHA AGORA! - Ordena-me ele com lágrimas nos olhos. - EU ESTOU DO TEU LADO!
Exalo encaixando-me ao meu corpo. Desnorteada, reconheço os rostos de tio Enrico e Vincenzo diante de meus olhos abertos. Ouço urros terríveis. Palavrões, maldições vindos de minha boca. Uma força descomunal me faz empurrá-los para o lado. Vejo meu corpo ser arremessado contra as mesas. Minhas pernas chutam cadeiras, derrubam o microfone do palco até que seus braços me enlaçam com força e sua voz melódica suplique.
- Volte pra mim, Eileen.
- O que quer? - Pergunto, exausta. - O que houve? Dá pra me largar?
- Ela voltou... - Arqueja tia Celeste ao tocar em meu rosto suado após me erguer do chão. Entre horrorizada e fascinada, ela admite. - Vc é bom nisso. Como fez isso? Enrico e eu já havíamos desistido de conter esse lado de Eileen. Foi Deus quem te enviou, filho.
- Não sou tão bom assim...
- Por que estou me sentindo estranha? - Uma olhadela ao redor e reclamo. - Que bagunça. Vou levar um bom tempo pra arrumar tudo até a noite.
- Eu te ajudo. - Diz Vincenzo, abrindo um sorriso franco. Disposta a não gostar dele, recuso.
- Posso limpar sozinha.
- Aceite a ajuda do moço, filha.
- Tio... - Lamento. - Vc chorou. Quem te fez chorar, meu tio querido?
- Ninguém, filha. - Responde-me ele, acariciando meus cabelos desgrenhados. - Já passou. Vc precisa descansar.
- Não posso! Falta pouco tempo pra abrir o 'pub'!
- Eu te ajudo.
- Antoine!? Por que tá aqui!?
- Por que não estaria? Somos amigas. Não somos? - Lembrando-me de respirar, solto o ar dos pulmões pela boca ao responder, timidamente.
- Somos...
Ela me abraça forte e, mais uma vez, sentindo-me patética e perdida, volto a chorar. Vincenzo me entrega uma vassoura e, num tom brincalhão, ordena.
- Começa a limpar logo. O tempo tá passando.
- Vc...- Hesito mordendo o canto da boca. - Vai me ajudar?
- Sim. Daqui por diante, eu vou te ajudar no que for preciso. Se vc deixar. Claro.
- Quem sabe?
Dando-lhe as costas, escondo um sorriso bobo.
Por que sinto borboletas batendo suas asinhas em meu estômago?
Limpamos juntos o salão e, juntos, recebemos os clientes do 'pub'. Antoine e eu voltamos a rir juntas das piadas sem graça de Vincenzo que, agora, me parece um pouco menos irritante. Passando pela cozinha, intrigada, ouço meu tio comentar.
- Como soube de todas aquelas informações? Quem é Morgana? Ele falava com ela como quem a conhecia, Celeste.
- Enrico, meu amor, há coisas entre o Céu e a Terra que não nos convém conhecer. Apenas aceite que, talvez, ele tenha surgido em nossas vidas para curar nossa filha. Traga o outro prato de 'Boxty', por favor.
- Tem razão. - Concorda meu tio ao carregar a bandeja com dois pratos tipicamente irlandeses acima da cabeça. Emocionado, ele divaga. - Sinto que, dessa vez, vai dar certo.
Algo aconteceu comigo no salão. Eu sei. Eu ouvi. Eu vi. Eu senti. Vincenzo tem poder sobre mim e isso não me agrada. Talvez aquele homem sombrio tenha razão. Devo me afastar do 'bonitão' manipulador e pensar no que fazer com o filho que carrego. Infelizmente, acabo de avistar o pai dele abrindo a porta do 'pub' com os olhos insanos. Tão insanos quanto na noite da concepção.
- Ele tocou em vc!?
- Boa noite pra vc também, Aiden.
- Não estou brincando, Eileen. - Rosna Aiden apertando meu braço com sua mão gigantesca. - Ele está aqui!?
- Mr. Byrne, tire sua mão imunda de mim. - Alerto de olhos fixos nos dele. Apontando o indicador a um ponto acima de minha cabeça, prossigo. - Não crie confusão no 'pub' dos meus tios. A espingarda grudada na parede não é somente para a decoração do ambiente. E ela está carregada. Entendeu ou quer que eu desenhe?
- Não tenho medo da morte.
- É bom que não tenha. Em breve, ela vai te visitar...
- Baby!? - Recua ele, assustado, livrando meu braço. - Por que falou isso!?
- Isso o quê?
- Com quem estou falando?
- For God's sake! Vc bebeu antes de vir pra cá!? - Debruçando-se sobre o balcão, ele insiste.
- Com quem estou falando!?
- Com a mãe do teu filho. - Cochicho em seu ouvido. - Tira sua mão suja de cima de mim, idiota, ou vou inaugurar a espingarda.
- Algum problema?
- Não, Antoine. O moço aqui já vai embora.
- 'No way, darling'. - Recusa-se Aiden, enraivecido. - Se eu for, vc vai comigo.
- Sem chances, Aiden. - Refuto. - Eu tô com nojo de vc, covarde.
- Baby...
- Eu preciso trabalhar! - Retruco secando o balcão com as marcas das tulipas. Sempre disposta a ajudar, Antoine serve cerveja aos clientes enquanto torço o pano úmido e, com ele, chicoteio a mão de Aiden. - Não me toca outra vez, stupido! Eu te dei uma chance e vc a jogou no lixo! Verme! - Invejando a empatia entre Antoine e os clientes do 'pub', revolto-me. - Sai daqui, Aiden! Se afasta do balcão e suma da minha vida!
- Não. Vc é minha, baby.
- Parece que não.
- Vincenzo!? - Arquejo diante de seus olhos azuis e pacíficos. - Eu não vi vc chegar!
- Eu não cheguei. - Refuta ele, sorrindo. - Eu já estava. - Gargalho, enrubescendo. Engulo o riso assim que Aiden rumina.
- Vc de novo?
- É sempre um prazer revê-lo. - Ironiza Vincenzo, sentando-se no banquinho em madeira, apoiando os cotovelos no balcão. - Vc continua o mesmo.
- E vc vai perder de novo.
- Será?
- Ei! - Exclamo, desconfiada. - De onde vcs se conhecem!?
- Do inferno. - Rosna Aiden enquanto Vincenzo gargalha. Observo a forma descontraída como ele se move no banquinho ao jogar a cabeça para trás. Seu Pomo-de-Adão se destaca. Gosto da forma como me encara ao comentar.
- Seu amigo tem bom humor.
- Ele não é meu amigo.
- O 'pub' tá cheio! - Comenta Antoine, eufórica, servindo 'Baby Guinness' sem descanso. - Me ajuda, Eileen!?
- Claro...- Concordo sem desviar meus olhos dos dois homens à minha frente. Há uma estranha e forte tensão entre ambos enquanto se encaram. Confusa, sem me importar com Antoine, pergunto novamente. - De onde se conhecem?
- Já nos vimos antes.
- Isso não responde minha pergunta, Vincenzo!
- Antoine precisa de sua ajuda. - Confrontando Vincenzo, Aiden se distancia e declara, contrariado.
- Eu vou embora, baby. Vem comigo.
- Não! Vc é surdo!? Eu te falei pra me deixar em paz!
- Eu preciso da sua ajuda! - Insiste Antoine. Irritada, reviro os olhos ao retrucar.
- Eu sei! Eu já vou, porra! Solta meu braço, Aiden!
- Vem comigo. - Ordena-me ele ao meu ouvido. - Eu preciso de vc.
- Pobrezinho. - Zomba Vincenzo, roubando minha atenção por completo. Suas covinhas acabam de surgir fazendo-me arfar. - Seu amigo está carente. - Irritada, repito.
- Ele não é meu amigo!
- Eu sou o teu homem!
- Já foi! - Refuto, constrangida. - Sai daqui, Aiden! Meus tios não precisam ouvir isso! - Rindo nervosamente, ele zomba.
- Todos aqui sabem que vc é uma puta.
- Aiden!
- Chega! - Grita Antoine segundos antes de molhar a roupa de Aiden com cerveja verde. Surpresa diante de sua primeira atitude agressiva, eu a ouço protestar. - Nunca mais fale isso da minha amiga! Vc deveria ser proibido de entrar aqui, Aiden! Sua presença é nociva!
Covarde, Aiden cerra os punhos e avança sobre Antoine. Vincenzo arrasta o banquinho segundos antes de acertar o queixo de Aiden com um soco perfeito. Entre enciumada e horrorizada, protejo Antoine com meu corpo. O 'pub' inteiro recua, abrindo espaço para Aiden revidar o golpe. Dois 'clicks' ressoam no bar mergulhado no silêncio. Acompanho o olhar da maioria e, então, eu o vejo. Apontando a espingarda contra Aiden, tio Enrico anuncia num tom de voz baixo e pausado.
- Melhor sair agora ou eu vou apertar o gatilho. Eu juro que vou. E Deus sabe há quanto tempo eu quero fazer isso.
Controlando-se para não explodir, Aiden se afasta de todos, recuando até a porta do 'pub' onde, sorrindo, ameaça.
- Isso não vai ficar assim. Ainda não acabou.
- Não mesmo, Aiden. - Avisa tia Celeste, visivelmente alterada, em meio ao salão. - A história só termina no fim e, no final, o amor sempre vence.
Eu deveria ter saído com Aiden. Isso poderia ter mudado o final da minha história.
Ou não.
- Ele fez tudo aquilo por vc, idiota.
- Não foi! Foi por vc, Eileen! Vc é cega!?
- Não. - Rumino, enciumada. - Enxergo muito bem. Vc é que é burra. Fica com ele. Por mim, tudo bem.
- Eileen!
- Se alonga, Antoine! A aula já começou!
A aula de Ballet termina e eu tenho a incômoda sensação de que Antoine dança melhor do que eu. Tia Celeste diz que eu preciso mudar meus sentimentos com relação a ela. Eu tento. Eu juro que tento, mas quando a vejo abraçada a ele, eu me encho de raiva e volto a invejá-la com todas as minhas forças.
- Vc não tem o que fazer?
- Não entendi. - Diz ele, sorrindo. Mal humorada, insisto.
- Vc não trabalha? Precisa ficar atrás de Antoine o tempo todo? Isso não é legal para um bom relacionamento.
- Diz a mocinha que expulsou o namorado do 'pub' dos tios.
- Ele não é meu namorado e meus tios não são meus tios. São meus pais. Eles me criaram, logo, são meus pais.
- Na verdade, são meus. Mas, tudo bem.
- Não entendi. Fale mais alto.
- Antoine e eu não somos um casal. - Sério??? Luto por esconder um sorriso de contentamento e, afetando desinteresse, indago.
- E o que vcs dois seriam?
- Amigos. - Responde-me Vincenzo, reticente. - Amigos que se amam.
- Aaah sim. Agora entendi. Isso pra mim tem outro nome.
- E qual seria?
- Putaria. E disso, eu conheço. - Aos risos, ele caminha até a 'Juke Box' do 'pub' e permanece diante dela, por minutos. Minutos onde observo sua bunda perfeita sob a calça jeans, suas costas musculosas, os dedos deslizando sobre a lista de músicas...- Acho que seria mais decente de sua parte pedir Antoine em namoro.
- Vc acha? - Girando sobre os calcanhares, ele volta a sorrir enquanto caminha em minha direção ao ritmo da canção que ele escolheu. Não há como negar que ele requebra bem. Uau. Ele deve ser 'bom de cama'. É um absoluto desperdício de homem, considerando que Antoine é virgem. Ou será que não é mais!? Ela não me contou nada. Ela teria me contado. É óbvio! - Vc pensa muito. Sabia?
- Não. - Engulo em seco, cravando minhas mãos no cabo da vassoura. Varro, ligeiramente, o lixo até o batente da porta. Lá fora, chove. Penso em me molhar e apagar esse fogo súbito. Já não transo há meses e não sei o porquê. Ah! Lembrei! Estou grávida! Aiden sumira após a noite do soco. Eu não o procurei. Não sinto sua falta. De repente, ele perdera o encanto. De repente. Desde que esse homem diante de mim aparecera, misteriosamente. - Não gosto que me encarem.
- Eu não estou te encarando. Estou te convidando a dançar comigo.
- Não quero. - Minto. No momento, dançar com ele está no topo de minha lista de desejos. Fugir daqui e ser feliz em outro país ocupa o segundo lugar. - Não sou do tipo que trai amigas. Eu sei que vc sabe quem eu sou, mas isso não lhe dá o direito de me tratar como uma vagabunda.
- Eu não sei quem vc pensa que é. Eu sei o que é para mim. - Sussurra ele enquanto retira, cuidadosamente, a vassoura de minhas mãos geladas e umedecidas. Eu não acredito que estou tendo um ataque de pânico. Eu não sou a porra de uma adolescente virgem. - Pare de pensar. Vc me deixa tonto.
- Não entendi. - Arquejo assim que sua mão toca a pele de minha cintura. Suas duas mãos se cruzam em minhas costas e seu queixo se apoia em meu ombro quando gaguejo, insegura. - Eu não vou dançar com vc. Po pode ficar mais longe?
- Não...
- Antoine pode chegar a qualquer momento.
- Que bom. Agora, cala a boca e dança.
- Vc é um péssimo dançarino.
- Eu sei. - Sua boca murmura a pergunta contra a pele de meu pescoço. - Me ensina a dançar?
- Talvez...- Ronrono. - O que quer de mim?
- No momento?
- Sim. - Convicta de que eu o conquistei, desaponto-me com sua resposta.
- Que vc cale a boca e dance. Pode ser?
- Ok. Faz tempo que não danço com um homem. Na verdade, eu nunca dancei. Eu só tre...
- Entendo.
- Não. Vc não entende. Eu não sou como Antoine. Ela é pura. Ingênua. Eu não.
- Para de falar. Vai estragar tudo. - Puxando-me contra seu corpo, ele avisa. - Tenho pouco tempo.
- Pra quê? - Suspiro. - Desde quando vc e Antoine são amigos?
- Desde sempre.
- Mentira. - Visivelmente contrariado, ele para de dançar e me escuta, após cruzar os braços. - Eu conheço Antoine desde pequena. Crescemos juntas. Ela nunca falou de vc. Eu nunca te vi em suas fotos. De onde vc veio!?
- Não te devo satisfações.
- Deve sim! Ela é minha melhor amiga!
- Não é por amizade que vc está brigando comigo, Eileen! Não tente me fazer de bobo!
- Ridículo! E por que diabos eu brigaria por vc!? Eu a amo e não vou permitir que vc se aproveite de uma criança indefesa!
- Vc a ama e a inveja, Eileen. E, 'que conste nos autos', Antoine não é uma criança, tampouco indefesa! - Odiando-o por jogar verdades em minha cara, eu o confronto.
- Vcs já transaram!? Vc tirou a virgindade dela!?
Uma ligeira expressão de repulsa em seu belo rosto e ele refuta, desolado.
- Não que seja da sua conta, mas eu nunca tocaria em Antoine como homem. Ela é, de longe, a criatura mais bela que eu já vi. Com licença.
- Não se atreva a me deixar falando sozinha!
A porta do 'pub' se fecha e eu me vejo sozinha, profundamente triste. Como se tivessem arrancado parte de mim, eu choro debaixo da chuva, na calçada, esperando que ele retorne.
E ele retornou. E não foi por mim.
Sem opções e estupidamente desiludida, aceito Aiden de volta à minha vida. Percebo mudanças em seu apartamento. Está mais limpo e luxuoso. Novos móveis e um quadro bizarro pintado a óleo na parede em frente à cama. Embora ele pense que desconheço a figura pintada, eu a reconheço. Lido com esses seres há séculos. Jamais me esqueceria de sua fisionomia. "Asmodeus, o deus da luxúria" nos observa enquanto ele me fode.
- Vai devagar. Tá doendo.
- Vc costumava gostar da dor, baby. - Urra Aiden dentro de mim. - O que te fez mudar?
- O filho que carrego no meu ventre, idiota. O teu filho. Para. Tá Doendo.
- Agora não...
- Vai machucar nosso filho.
- Ele não é meu.
- Então é só meu! Sai de cima de mim, Aiden!
- Ele não deve nascer. Sua alma tem dono.
- Tem sim! Ele! Ele é dono de sua própria alma, maldito! Sai! Tá sangrando!
- Quieta, mulher. Ainda não acabei...- Geme ele, insensível à minha dor. Insensível ao seu prazer, acerto sua testa com o topo de minha cabeça. Tonto, ele se joga para o lado, deitando-se no colchão novo. Murmurando em gaélico, ele se mostra furioso. Ergo-me, subitamente, vestindo minha calça jeans, tropeçando, calçando meus tênis. - Volta! - Ordena-me ele. De sutiã, abro a porta da sala e cato minha mochila no sofá. Já no corredor, visto meu 'sueter', às pressas. Desço as escadas com pavor. Aiden e seu deus me perseguem enquanto tento chegar ilesa até o térreo e salvar o meu bebê. Corro até a rua onde me misturo aos pedestres. Fraca, sangrando, alcanço a porta do 'pub'. Arrependida pela noite em que surtei ao lado de Aiden, prometo ao meu filho que eu o protegerei com minha vida, se preciso for. A porta do 'pub' range. A luz se espalha ao meu redor.
- Vem, filha. Eu vou cuidar de vc.
- Tia, eu errei. - Confesso antes de perder as forças.
O sangramento estancou. Meu filho vive, em segredo. Implorei à tia Celeste que não contasse a ninguém o que lhe revelara na noite em que quase abortei. Em troca, ela me fizera prometer que jamais retornaria aos braços de Aiden.
"No, nay, never", cantarolo com lágrimas nos olhos. Estou me afeiçoando ao bebê, dia após dia. Penso em vários nomes e o único que me vem à cabeça é 'Vincenzo'.
Diabos! Eu odeio pensar naquele homem! Ele parece brincar com meus sentimentos. Sempre que o vejo, ele me ignora...e me magoa. Talvez sejam os hormônios da gravidez. Estão me deixando frágil. Uma perfeita idiota, obrigada a recebê-los no 'pub'.
NO MEU 'PUB'!!!
Antoine e Vincenzo dançam juntos nas noites de "Trad Sessions". Ele canta como um nativo irlandês. Babaca. E se eu anunciar que ele vem direto da Itália!? O público vai aplaudi-lo com tanto entusiasmo!?
Antoine se junta a ele. Ambos cantam juntinhos usando o mesmo microfone.
E eu atrás do balcão servindo cerveja!!!
Nesses momentos, quero saltar sobre o balcão e escalpar os cabelos de Antoine e chutar os bagos de Vincenzo. Eu o faria se não fosse pela imediata intervenção de tio Enrico que está sempre atento às minhas tênues mudanças de temperamento. Na última semana, eu os vira em frente ao cinema. Permanecera parada por minutos, escondida, atrás da banca de jornal, até que ela escapasse de seu longo abraço, aos risos. É óbvio que estão transando. Qualquer um pode notar isso, exceto meus tios que tentam me convencer do contrário.
- Não me importo. - Minto. - Que sejam felizes longe daqui.
- Ciumenta. - Diz tia Celeste, sorrindo. - Acostumada a ter todos os rapazes aos seus pés, quando um homem de verdade te recusa, vc recua.
- Um homem de verdade? - Zombo. - Tá bom.
- Ele é gay? - Brinca tio Enrico coberto de farinha de trigo da ponta dos cabelos até as mãos. Estamos de folga. Às segundas, não abrimos as portas do 'pub'. Eu amo as 'Segundas na Itália'. Tio Enrico prepara pizzas de todos os sabores e ouvimos canções de sua terra natal. Os olhos de minha tia brilham ao cruzarem com os dele. É tão fofo...- Eu nem percebi. Ele não gosta de mulheres? - Rindo, respondo.
- Ele gosta sim. Especificamente, ele não gosta de mim. Ponto. - Exalo. - Final.
- Quem não gosta de quem, tia!?
- Antoine! - Exulta tio Enrico erguendo os braços ao teto. - 'È un piacere vederti qui'!
- O prazer é meu, tio! - Diz ela envolta na poeira branca, abraçada a ele. Sentada à mesa, estou amando ver seu rosto borrado de farinha. - Eileen! - Grita ela me assustando. - Trate de voltar a falar comigo ou vou tacar essa torta na sua cara! - Erguendo uma das sobremesas com sua mão delicada ela ameaça. - Fala comigo ou...
- Não se atreva! - Grito antes de sentir o gosto do recheio de morango em minha boca aberta. Todos estão rindo, exceto eu. Enraivecida, enciumada, humilhada e magoada, miro seu lindo rostinho e arremesso outra torta em sua direção. Contrariando minhas expectativas, ela gargalha, lambendo os cantos da boca. Tia Celeste tem uma crise de riso enquanto reclamo que não teremos mais o que comer após as pizzas.
- Teremos sim. - Afirma Antoine, mascarada. Seus olhos doces me fitam antes de me abraçar. Retribuo o abraço sem me importar com a massa grudenta em meus cabelos recém lavados. Graças aos seus dedos que retiram parte da pasta de meus olhos, consigo encará-la. Com ternura, ela me pede. - Não me deixa mais, amiga. Eu sinto muito a sua falta.
- Eu também...- Confesso. Do riso, tia Celeste vai aos prantos. Tio Enrico a abraça e, emotivo, chora também. Antoine e eu rimos dos dois. Engulo o riso assim que ouço sua voz. Meu coração dispara. Levo a mão ao peito antes de me voltar, lentamente, em direção à porta da cozinha. Com tantas palavras bonitas guardadas em meu coração saltitante, pergunto, sisuda. - Quem te convidou?
- Eu...- Assume tio Enrico enxugando suas lágrimas no avental. Seu rosto listrado e rosado me faz sorrir quando ele se desculpa. - Eu me esqueci de te falar. - Sem conseguir desviar meu olhar sofrido de seus grandes e vívidos olhos azuis, suspiro um 'tudo bem'. - Trouxe o bolo, Vincenzo?
- Sim. - Responde ele abrindo um lento e magnífico sorriso para mim. Somente para mim. Ele me enxergou! Ele acaba de me tocar no rosto. Seu indicador desliza em minha bochecha de onde retira parte da torta. Sem me importar com minha ridícula aparência, contenho-me para não pular de alegria diante de seu comentário com dúbio sentido. - Deliciosa...- Quem? Eu ou a torta? - Ambas. - Responde-me ele. Ele me ouviu??? Sufoco um soluço enquanto o vejo passar por mim e carregar em seus braços um bolo confeitado com meu nome escrito em glacê. - Obrigado por terem me convidado. Eu amo massa.
- Eu também...- Suspiro com o rosto 'craquelando'. - Por que um bolo? Por que o meu nome no bolo?
- Bobinha...- Diz ele lançando-me uma piscadela. Uma nova injeção de adrenalina em meu coração e sou amparada por Antoine que sussurra um 'Segura a tua onda. Ele vai perceber'. De volta à mesa, eu os observo. Todos conversam amistosamente próximos à pia enquanto eu desconfio de que alguma coisa está prestes a acontecer. - O que tá rolando aqui?
- Tão nova e tão esquecida...- Lamenta Vincenzo. Sentando-se ao meu lado, ele sussurra em meu ouvido. - Hoje é seu 'níver'. Esqueceu?
Uma lambida no resto de torta em meu pescoço e, atormentada, corro até o banheiro onde me tranco. Rindo e chorando, dou pulinhos de alegria debaixo do chuveiro.
- Ele gosta de mim. Ele gosta de mim.
Repito por várias vezes até me convencer.
Stupida!
Ainda guardo as emoções do melhor dia da minha vida.
Aos dezoito anos, tivera a melhor festa de todas. Quatro convidados e eu dançamos, comemoramos na maior parte do tempo. Na outra parte restante, ríamos de tudo e de todos.
Antoine e eu ensaiamos os passos de nossa coreografia sob os olhares atentos de todos. Posso jurar que Vincenzo me olhou por alguns instantes...
- Quando será o concurso?
- Daqui a dois meses. - Responde Antoine a Vincenzo. - Eileen e eu precisamos vencer. O prêmio é muito bom.
- Deixa de ser boba...- Rumino. - Vc é rica. Quem precisa vencer sou eu.
- Já venceram! - Grita tio Enrico embriagado pelo bom e velho vinho italiano. - Elas dançam muito bem! Não é, Vincenzo!?
- Muito...- Diz ele lançando-me um olhar indecifrável, sensualmente esparramado em uma das cadeiras do salão. - Embora tenham maneiras diferentes de dançar. Uma tem a técnica perfeita. A outra, tem a técnica e o amor à Dança. - Uma súbita crise de ciúmes e inveja e arremesso um cinzeiro de vidro em sua direção. Esquivando-se do cinzeiro, ele apenas sorri enquanto minha tia ralha comigo.
- Tenha modos, Eileen! Poderia ter ferido Vincenzo seriamente!
- Deveria! - Um cuspe em sua camisa e o xingo. - Figlio di puttana! Fique com a bailarina perfeita! Fui! - Estragando a festa, subo até meu quarto e choro até pegar no sono. No dia seguinte, peço desculpas aos meus tios antes de ir à faculdade.
- Quando vai aprender a controlar seus impulsos, filha?
- Não sei, tio. - Choramingo. - Não sei.
- Em breve, amor. Em breve. - Afirma tia Celeste ao piscar para mim.
Todas as tardes, ele a espera no campus da faculdade. Antoine me oferece carona, mas o dono do carro sequer olha para mim.
- Não. Obrigada. Prefiro ir a pé.
- É muito longe, amiga!
- Eu amo andar. - Minto, humilhada. - Segue em frente, Antoine. Seja feliz. - Acelerando o motor, Vincenzo se mostra impaciente. Isso me faz sofrer. Comprimo os livros contra meus seios ao arriscar uma olhadela a ele. Nada. Voltara a ser invisível aos seus olhos. Por que ele ri ao volante? Deve ser louco. Melhor que se afaste de mim mesmo. Pode tentar fazer mal ao meu filho. Consigo sua atenção. Seus olhos me fitam, assustados. Afetando distanciamento emocional, ordeno. - Vai! O que estão esperando!?
- O Aiden tá vindo, Eileen! Entra no carro! - Dando de ombros, comento.
- Eu sei lidar com ele, Antoine. - Minto. Tenho pânico dele e de seu novo amigo. Enxergo a figura sinistra de Aiden a poucos metros. Ao seu redor, uma sombra tremula. Sobre sua moto, ele acelera, cobrindo o rosto com o capacete. Um súbito arrepio e, temendo um outro arroubo de violência contra Antoine ou Vincenzo, volto a ordenar. - Vão embora! Agora!
- Entra!
- Não aceito ordens de estranhos!
- Eileen!
- Esse é o meu nome. - Debocho de Vincenzo, caminhando na calçada enquanto sou seguida por seu carro a uns dez quilômetros por hora. - Parem de me seguir! Vão namorar ou fazer algo melhor! Sei lá!
- Entra no carro, Eileen! Agora! - Grita Vincenzo, debruçando-se sobre Antoine, estranhamente desesperado. - Aiden não está só! - Empaco, desconfiada. Como ele sabe disso??? Enfiando minha cabeça pela janela do carona, beijo a bochecha de Antoine e indago.
- Vc viu a sombra? - Destravando a porta traseira, ele implora.
- Entra, por favor. Meu bem. Entra.
Prestes a abrir a porta de seu "Ford Maverick" e aceitar seu convite fofo, chego a ver o pneu dianteiro da moto e sua luva de couro na manopla esquerda. Um grito de dor e sinto o choque na lateral de meu corpo. Voo contra o poste. Do poste, voo de volta ao capô amarelo do carro de Vincenzo. Ouço seu grito. Ouço o estralar dos ossos de meu pescoço enquanto flutuo e o baque surdo de minha cabeça contra o asfalto. Não sinto dor. Somente medo. Ainda vejo os pneus dianteiros do carro de Vincenzo próximos ao meu braço estendido e ouço os gritos apavorados de Antoine antes de pedir: "Salvem meu filho."
Fecho os olhos.
Continua...