'Dess - Uma História Interessante'

'Dess - Uma História Interessante'
AMO ESCREVER

CAPÍTULO 13 - ESCOLHAS

 



Antoine já não estuda no mesmo colégio. Não por eu ter cedido aos preconceitos ou temer os pais que espalharam a notícia de que sou uma stripper e que, supostamente, ainda trabalho com filmes adultos, mas por não conseguir encarar o fato de que Aiden se pronunciara como meu marido e pai de Antoine diante de todos. Uma mentira absurda que custara à minha filha dias intermináveis de questionamentos que ela não soubera responder.

É ainda tão pequena...



Como lidar com crianças naturalmente curiosas? Como responder que é fruto da união de dois seres com a cor da pele diferente da sua? Como não se cansar em explicar que isso é geneticamente possível sem se exaurir e chorar?
Antoine sofria muito naquele colégio. Eu sofria infinitamente mais em vê-la sofrer, logo, o mais razoável fora matricular Antoine em um outro colégio. Um colégio onde alunos de diferentes classes sociais e raças distintas convivem em paz. Um colégio mais próximo de nosso prédio, cuja mensalidade ainda posso pagar. Até quando? Não posso afirmar. O que posso garantir é que não vou desistir de dar o que tenho e o que não tenho a Antoine para que ela cresça e se desenvolva em todos os aspectos, mesmo que, para alcançar esse objetivo, eu tenha de retomar hábitos antigos e extremamente perigosos porque me levam de volta ao mundo do sexo...da ninfomania.
- São somente fotos.
- Fotos sem roupa.
- Fotos artísticas. - Defende-se Aiden. - Eu não vou deixar que ele te toque. Juro.
- Eu não preciso de vc pra me defender. - Rosno, subindo os degraus do prédio onde o fotógrafo me aguarda. Ao meu lado, Aiden sorri. - Do que tá rindo? 
- Estou sorrindo...pra vc. 


Por que não gosto do seu sorriso? É lindo. Sexy. Tremendamente afrodisíaco, mas...não me inspira confiança. Não é como o de Vincenzo. Vincenzo! Vincenzo! Vincenzo! Para de pensar nesse babaca que não fez nada por Antoine! 
- Não sorria, por favor.
- Ok. - Concorda ele escondendo as mãos nos bolsos do casaco. - Como está a pequenina?
- Bem. Obrigada. 
- Quando poderei conhecer a minha filha?
- Isso não tem graça...- Rumino, fuzilando-o com os olhos. - Agradeço pelo que fez, mas arruinou a vida de Antoine.
- Não foi esse o meu objetivo. - Sua mão agarra meu antebraço. Paro de subir os degraus quando peço, atordoada.
- Me solta.
- Eu só quero te ver feliz. 
- Eu sei. - Bufo, arrependida. - Me desculpa. Eu tô nervosa.
- Quando verei a pequena Antoine? 
- Por que a insistência!? Desde quando gosta de crianças!?
- Antoine é diferente.
- Como sabe!? 
- Suponho...
- Esquece!
- Quando a verei? Deve ser linda como a mãe.
- Por que tá brincando com esse assunto!? Quer me deixar ainda mais nervosa!?
- Não. - Esclarece ele, meio que tímido. - Quero me aproximar de vc e de sua filha. Ser alguém em sua vida.
- Pra quê!?
- Porque gosto de vc, idiota.
- Não faz sentido. Não sou o seu tipo.
- Não!? Como sabe!?
- Estamos falando muito e ainda falta escada pra cacete!
- Não fuja da conversa. - Diz ele com seus lábios próximos aos meus. Estou confusa e estranhamente atraída por um homem que não gosta de mulheres. Eu mereço! Um bate em mulheres! O outro é gay e finge gostar de mim! O que o Universo quer dizer com isso!? - Quando verei Antoine!
- Nunca. - Explodo, exausta. - Sem chance! 
- Por que não!? 
- Não sei! - Minto. Ela não quer te ver. Vincenzo não quer que vc a veja. Na verdade, ela nunca me disse que não quer te conhecer, mas eu não quero que ela te conheça. Não me pergunte o porquê. Só não quero e pronto. Ponto. - Não fala mais nisso!
- Discutindo com a sua voz interior novamente?
- Não! - Irritada, volto a subir os degraus de dois em dois. Ele me segue e, sorrindo questiona.
- Por que eu sinto que te aborreço?
- Porque talvez esteja certo. - Talvez eu sinta outra coisa por vc. Ódio??? Rancor??? Desejo??? Sei lá!!! - Onde fica a porra dessa sala!?
- Só mais alguns lances de escada e estaremos lá.
- Putz! Que bosta!
- Cansada?
- O elevador tinha que enguiçar logo hoje!?
- Quer que te leve no colo?
- Não seja patético...
- Vc tem praticado esportes? - Levo a mão à barriga, encolhendo-a. Insegura, pergunto.



- Pareço não estar praticando!?
- Vc continua linda, Adessa. Não se preocupe. O fotógrafo vai se deliciar com as fotos.
- Deliciar!? Como assim!? Não fale nesse tom comigo! - Protesto com o dedo e riste. - Eu não estou aqui pra pra pra para ser 'deliciada'!
- Retire o dedo do meu nariz.
- Perdão. - Recomponho-me, envergonhada. Soltando o ar dos pulmões pela boca, lastimo. - Não suporto mais pedir desculpas por ser impulsiva.
- Eu gosto de sua impulsividade, meu anjo.
- E eu não gosto de quando fica muito próximo de mim...assim...como tá agora. Dá pra continuar a subir ou tá difícil!? - Recuando o pescoço, ele assente com uma piscadela. Controlo meus impulsos e me pergunto porque ele sendo tão sexy ainda está sozinho. - De que tipo de homem vc gosta?
- Homem!? Eu!? - Gargalhando ele joga a cabeça para trás. Seu Pomo-de-Adão se move no pescoço. Suas veias saltam quando volta a me olhar incisivamente e comenta, parecendo arrependido por ter rido. - Vc me faz rir. Gosto disso em vc.

Rompendo o silêncio constrangedor e do calor provocado pela maneira como ele me despe com os olhos, repito a pergunta sem me recordar da resposta dada anteriormente. Por que ele está me testando!? Se eu seguir meus impulsos, ele vai fugir de mim. 
- Em qual andar fica a sala dele!?
- Décimo. - Responde-me ele, divertindo-se com minha respiração ofegante. Estou fora de forma. Desde que Antoine surgira em minha vida, não pratico esportes. Sequer corro na orla. E se o fotógrafo achar que estou gorda!? - No que está pensando, Adessa? Quer que eu te leve no colo? Ainda faltam dois andares.
- Não me toca! - Alerto recostada à parede. Arrependida por ter aceito o convite de Aiden, indago. - E se ele não gostar do que vir?
- For God's Sake! Para de bobagem! Seu corpo é lindo! - O toque de seu polegar em meu queixo me eletrifica. Vejo meu reflexo em seus olhos escuros enquanto ele me conforta. - Não tenha medo. Nada que não queira vai acontecer naquela sala. Ok? Vc precisa da grana e eu preciso que fique calma. Relaxa. Vai dar tudo certo. - Não vai. Vc não sabe que sou doente, Aiden. E se eu falhar!? Tenho uma filha! Eu não posso ter uma recaída! Não posso! Parecendo ter ouvido o que acabo de pensar, ele me aconselha. - Não tenha medo de ser quem vc é. 
- Eu tenho...- Cerro os olhos quando ele me ergue com seus braços fortes e, apesar de meus protestos, joga-me contra seu ombro direito e me leva até o décimo andar. - Me coloca no chão, Aiden. - Peço, constrangida pelo encontro de nossos corpos. Seu cheiro amadeirado e inebriante me deixa tonta. Diante da porta em madeira, leio "Fotógrafo Profissional" em uma placa metálica. Meu coração parece diminuir de tamanho enquanto hesito em tocar a campainha. Se eu não conseguir me conter? Conter meus instintos há tanto reprimidos!? - É melhor voltar! - Recuo. - Eu não quero mais!
- Vc precisa! 
- Eu vou tentar outra coisa!
- Não vai! Ele paga bem!
- Eu não preciso da grana!
- Precisa sim!
- Não preciso! - Sustento, sem confiança. - Ainda tenho muito guardado!
- Vc não aceitou a minha ajuda!
- Não grita!
- Não estou gritando! - Grita ele. - Eu tô puto! É diferente!
- Por que tá puto!? Sou eu quem precisa de socorro!
- Eu quero te socorrer! Eu posso!
- NÃO QUERO!
- Não grita. - Pede-me ele, umedecendo os grossos lábios com a língua. Ele não faz ideia do quão sedutor ele fica... - Eu posso te ajudar. Se quiser, eu te empresto.
- Eu não confio em vc!
- Por que não!?
- Vc tentou matar meu filho!
- Oh My Gosh!!! De onde tirou isso!? Eu estava lá, no hospital, ao teu lado!
- Vc estava no banheiro quando eu quase o perdi! Vc não queria salvá-lo! Eu senti, Aiden! Eu senti! Eu senti! - Cubro meu rosto com as mãos trêmulas. Enfim, desabafei o que guardava há tempos. - Tenho medo de vc, Aiden. Medo.
- Não precisa, meu anjo. - Diz ele, com extremo carinho. Suas mãos em minhas têmporas, seus dedos em meus cabelos...- Me perdoa se te fiz pensar assim. Eu não sabia o que fazer. De onde venho, as pessoas não demonstram seus sentimentos. São duras...frias. Perdão, Adessa. Me perdoa, por favor. Eu jamais faria mal a vc ou aos seus filhos. Jamais. Acredite em mim. Jamais.
- Ok...- Peço desculpas, arrependida. Ainda não confio nele totalmente, mas gosto do que acaba de falar. - De onde vc vem?
- De terras distantes...frias...sombrias. - Um forte arrepio e emudeço. - Países nórdicos, meu anjo.
- Entendi...-  Olhando em seus olhos claros, abro um sorriso triste e digo. - Tudo bem.
- Me deixa te ajudar. Eu te empresto a grana.
- Não.
- Deixa! - Pede-me ele, revirando os olhos.
- Não! Nunca! Vc não é meu pai nem marido! Eu não aceito ajuda de homens! Eu trabalho!
- Eu sei...
- Não me olha desse jeito. - Choramingo. - Isso é humilhante.
- Ter visto vc seminua? Dançando no palco? Fodendo com outros homens nos filmes?
- Sim. - Assumo, desconfortável. - Não precisava ser tão detalhado. Sou mais do que um corpo. Eu ainda serei alguém na vida.
- Vc é, meu anjo. Vc é muito pra mim.
- Eu não te conheço.
- Tem certeza?
- Lá vem vc com esse olhar...
- Qual?
- Um olhar que vc certamente não lança pra mulheres! - Dando de ombros, os grandes olhos arregalados, ele pergunta.
- Como assim??? 
- Vc sabe do que eu tô falando! - Vc é gay! Gay não olha com desejo para mulheres! Eu acho. Sei lá! - Para de me olhar desse jeito!
- Ok! - De olhos fechados, ele retorna ao assunto. - Eu posso te emprestar a grana e depois, com o tempo, vc me paga. Não precisa fazer se não quiser.
- Eu quero!
- Quer? - Sua voz insidiosa combina com seu olhar lascivo. - Vc gosta da sensação de ser vista e desejada por homens e mulheres?
- Não sei! - Minto, irritada e incomodada. Eu sei. Eu gosto. Eis o problema. - Não vou discutir com vc nesse corredor bizarro e claustrofóbico!
- Não vai! - Afirma ele, apertando o botão da campainha. IDIOTA! 
- Por que fez isso!? Merda! Merda! - Cubro meu rosto com o gorro, recostando-me à parede ao lado da porta que se abre num rangido. Escorrego até o chão, onde me encolho.



Minhas mãos geladas se escondem nos bolsos do meu casaco em moletom quando Aiden se agacha diante de mim e me promete que estará comigo o tempo todo. É sério!? Vc acha que isso me acalma de alguma maneira!? 
- Eu sei. Mas eu...
- Vem! - Ordena-me ele, serenamente. Estendendo-me seu braço, ele me puxa. De pé, cumprimento o jovem que me aguarda no interior da sala ampla e arejada. Inspiro e expiro, profundamente. - Esse é o meu amigo Gael. - Espantada, sufoco um soluço. Ele sorri enquanto me oferece sua mão. Eu a aperto e me concentro. Nada. Nenhuma visão. Lembrança. Flashes de imagens. Nada. - Adessa! Vc está bem!?
- Seu nome...- Exalo, abrindo os olhos. Não posso surtar aqui, em meio a dois homens desconhecidos. ENTÃO SE CONTENHA. O nome dele é Gael! Vc não entende!? NÃO! NÃO ENTENDO! QUAL O PROBLEMA! GA'AL é o problema! SÃO NOMES DIFERENTES, RIDÍCULA! FALE ALGO OU VAI PARECER LOUCA! - De onde vem esse nome?
- Irlanda. - Responde-me Aiden. - Ele é filho de amigos meus. Algum problema?
- Nenhum. - Forço um sorriso, puxando minha mão úmida, desconectando-me do amigo de Aiden. - Como vai?
- Bem. E vc? Parece-me nervosa.
- Um pouco...
- Não fique. - Diz ele de costas para mim. Caminhando em direção à parede coberta por um pano cinza, o jovem fotógrafo argumenta. - Aos poucos, vc vai perdendo a vergonha e vai se soltando. E, se não rolar, não rolou. Certo?

- Aaah...tá. - Mordo o canto da boca, ansiosamente. Olho ao redor e nada me parece suspeito. E por que pareceria? É um estúdio fotográfico. Só isso. Ok. Vou me acalmar. Eu preciso da grana. Por que diabos alguém pagaria tanto por mim!? Que porra de letreiro é esse!? "Sexo é Arte"!?



 - Espera! - Assusto-me com o toque do jovem em meu braço. Ele me indica onde devo me sentar a fim de que a câmera capte os melhores ângulos. - Desculpa. - Deixo escapar um riso nervoso. - Nunca fiz isso. - Minto. - Digo...- Pigarreio. - Nunca posei para fotos, mas já fiquei nua em frente às câmeras. - Que merda estou falando!? Talvez ele não conheça meu passado! - Não exatamente nua, mas...
- Eu te entendo. - Diz Gael num tom suave. - Não fique nervosa. Deixa rolar.



- Ah tá! - Uma crise de riso inconveniente e, vacilante, pioro o que já estava ruim. - Eu normalmente me movo diante da câmera. Digo...movia. Essa coisa de ficar parada me deixa nervosa. Vai que vc captura alguma celulite, estria...sei lá. - Nossa! Ela vai pensar que sou louca! Eu sei que vai! - Desculpa. Vou ficar quieta. Eu tô tentando...- Outra crise de risos histéricos e, apontando para o banquinho em madeira, questiono. - É aqui que devo me sentar!?
- Vc nunca fez isso, não é? - Assinto com a cabeça à pergunta retórica de Gael quando Aiden me assusta com seu sussurro erótico próximo ao meu pescoço.

Há sempre uma primeira vez. Deixa eu te ajudar...meu anjo.

Eu deixo...



Aiden retira o gorro de minha cabeça, soltando meus cabelos, ajeitando-os com seus dedos habilidosos. Suas mãos massageiam meus ombros tensos enquanto reviro os olhos, relaxada...meio que excitada. 

- Deixe fluir, Adessa. Deixe fluir. - EU NÃO POSSO DEIXAR FLUIR! - Shhhh...

- Vc já está pronta? - Questiona-me o fotógrafo enquanto liga os holofotes que me cegam por segundos. Uma brisa morna me aquece quando ele sugere. - Pode tirar as roupas.
- Agora?
- O que acha? - Ironiza Aiden e suas sobrancelhas arqueadas. - Quer que te ajude?
- Não! - Ergo-me do banquinho em madeira e o empurro com as palmas das mãos em seu tórax. Um sorriso malicioso nasce no canto de sua boca quando refuto. - Sei me despir sozinha.

- Acredito. Eu já a vi fazer isso antes. - Semicerrando os olhos, indignada, pergunto ao fotógrafo invisível. - Ele precisa ficar aqui? Tá me atrapalhando!
- Eu saio! - Grita Aiden, afastando-se de mim. Nada vejo. Sinto o calor dos holofotes direcionados para mim. Melhor assim. Imagino estar sozinha na sala enquanto vou retirando meu conjunto de moletom. Meu corpo está tenso, logo, pergunto, de olhos fechados. 
- Pode rolar uma música? Isso vai me ajudar a relaxar.
- Claro. - Assente o fotógrafo, disparando flashes. De lingerie, cubro meus seios com os braços cruzados. Sorrio ao reconhecer a canção que preenche os espaços vazios da sala mergulhada na penumbra. Iluminada, somente eu e minha patética vergonha em retirar o pouco da roupa que ainda cobre meu corpo. Madonna canta "Erotica" enquanto me decido se tenho ou não coragem de seguir adiante. - Fique assim. Está perfeito.


- Ok. - Concordo meio que paralisada. - O que devo fazer?
- O que vc quiser, querida. 
- Posso dançar?
- Deve! - Grita Aiden dos fundos da sala. - Vc fica ainda mais sexy quando dança, baby.
- Não me chama de 'Baby'! Odeio isso!
- Dança...Adessa. - Ordena-me Aiden, num sussurro.
- Porra! Como chegou aqui tão rápido!? Não me toca...- Emito um gemido ao pronunciar seu nome. - Aiden...



Ele retira meu sutiã e, delicadamente, beija meu pescoço. Puxo o ar entre os dentes, lembrando-me de que ainda sou mulher. Meus seios túrgidos estão sob a mira das lentes. Deitada em um divã, movo minhas pernas, aleatoriamente, permitindo que Aiden retire minha calcinha. Seu sorriso devasso me faz tremer e implorar, baixinho, sem convicção. 
- Fica longe de mim...
- Fico. - Erguendo seu tronco, ele retira sua camisa, arremessando-a contra o chão. Entorpecida, vislumbro seu tórax. Volto no tempo e me recordo de nosso primeiro encontro quando a chuva molhava seu torso nu e do desejo que aquela cena me provocara. Um desejo escondido a sete chaves. Forço-me a pensar em Antoine e a me esquecer de que todo o meu corpo grita por seu pau dentro de mim. Seu polegar acaricia meus lábios. Instintivamente, eu o chupo. A sombra do fotógrafo nos rodeia. Ensandecido, ele me pede para não parar enquanto ouço, repetidamente, o som do obturador. Aiden retira o dedo de minha boca. Sua língua lambe meu pescoço. Emito um longo gemido de tesão. Arqueio minhas costas. Meus seios ficam ainda mais expostos. Os lábios carnudos de Aiden tocam meus mamilos. Seus olhos mudam de cor quando ele me propõe, num tom grave. - Se quiser, eu paro.
- Continua...- Refuto, tombando a cabeça para trás. Tomada pela lascívia, sem controle do meu corpo, cravo meus dedos em seus cabelos curtos e ordeno. - Me fode.
- Perfeito...- Exulta o fotógrafo, puxando o ar entre os dentes. - Fode ela...todinha.
- Vc me quer, Adessa?
- Siiim...
- Diz que me quer. - Ronrona ele enquanto seus dedos deslizam em meu clitóris. Tenho meu primeiro orgasmo em meses quando agarro-me ao seu pescoço e imploro num fio de voz.
- Eu te quero, Aiden. Me fode...agora!
- Eu sabia...


- Agora! - Continuo a implorar, de olhos fechados. - Me fode! - Repito, extasiada. Jogo a cabeça para trás. Meus cabelos tocam o chão enquanto aguardo seu pau entrar em mim. Segundos se passam e ainda estou gemendo e implorando, chamando por seu nome. - Aiden? - Desconfiada, abro os olhos, lançando um olhar ao redor. Atordoada, eu os vejo parados, perplexos, a uma certa distância. - O que que...por que parou, Aiden!?
- Parei o que, meu anjo? - Pergunta-me ele, sentado em uma poltrona ao lado do fotógrafo. Cruzando as pernas, elegantemente, ele apoia o cotovelo no joelho e, abrindo um sorriso indecente, comenta. - Eu não saí daqui. Estamos aguardando seu tempo. Quando achar que deve tirar suas roupas, avise. Mas, seja breve. Gael tem uma agenda ocupada.
- Mas eu...eu não? Vc e eu? Nós dois?
Engulo em seco e me observo. Estou vestida dos pés à cabeça, tentando compreender o que acabo de vivenciar. Eu não sou louca! Eu não imaginei tudo! Ele e eu estávamos...ele me tocou...na...- Perdão. Eu tô confusa. - Gael me sorri, contrariado. Aiden revira os olhos, entediado. Constrangida, arrependida e aterrorizada, retiro as roupas e me deixo fotografar. Em silêncio, sigo as orientações de Gael, evitando o olhar indecifrável de Aiden que me parece extremamente relaxado em sua poltrona confortável. - Acabou?
- Sim. Ficou perfeito. - Afirma Gael teclando meus dados em seu celular. - O cachê já está em sua conta.
- Obrigada. 
- Não vai conferir? 
- Não. Acredito em vc. - Minto. Tudo o que desejo é sair dessa sala antes de surtar diante de Aiden que me segue até as escadas. - Pode ficar. Eu vou sozinha.
- Não. Eu quero te levar até a sua casa.
- Não! Eu não te quero perto de mim! - Resmungando, vou pulando os degraus, tentando me convencer de que eu não fiz o que acho que fiz. - Fica longe! - Aviso num recuo. Meu indicador toca em seu peitoral quando grito, colérica. - Não sei o que aconteceu lá dentro, mas vc tá metido nisso, Aiden!!!
- Eu???
- Sim!!! - Grito debaixo da chuva. Novamente, a chuva. Eu amo a chuva e, parece que ela me ama também porque estou ensopada e revigorada quando pisco repetidas vezes. Intrigada, esvazio o ar dos pulmões num grito de pavor em frente a um prédio antigo, caindo aos pedaços, de onde acabo de sair.



Que porra é essa!? Não foi nesse prédio que entrara há pouco!!! 

- O que houve lá dentro, Aiden??? E que lugar é esse???
- Vc está tremendo, meu anjo. - Constata ele enquanto me abraça. Desnorteada, olho ao redor e não reconheço nada, em lugar algum. Devo estar enlouquecendo ou estou em algum universo paralelo? Se é que isso existe! - Não tenha medo. Estou com vc. - Despindo-se de seu casaco em couro, ele me agasalha. Meus olhos estatelados não acreditam no que veem. Estamos abraçados enquanto choro em seu peito, pedindo que não me abandone. Tudo ao meu redor é caótico, destruído...solitário. - Vamos sair daqui. Eu te prometo.
- Onde estamos, Aiden?
- Em algum lugar distante de sua casa. Deixa eu te levar?
- Deixo. - Permito, assombrada.

Sigo seus passos sem largar sua mão que me puxa consigo. Sinto que não estamos sozinhos enquanto caminhamos entre os escombros. Olhos amarelados em rostos invisíveis piscam durante o nosso trajeto. Um cão esquelético rosna para mim. Solto um grito de horror. Sua cabeça gigantesca é desproporcional ao seu corpo. Seus dentes afiados e podres resvalam em meu moletom. Aiden me protege com seu corpo enquanto, furioso, chuta o cão com seu coturno. O cão recua, grunhindo, até nos deixar em paz. Paz é algo que não deve existir  nesse local de onde quero sair, desesperadamente. 
- Isso não é a Terra, Aiden. - Afirmo. - Onde estamos? Me leva pra casa, por favor!
- Estamos do outro lado. Aqui é o avesso da Terra. - Esclarece Aiden segundos antes de cruzarmos o batente de uma porta antiga em madeira. - Fique comigo. Eu vou te proteger. Sempre...



De olhos fechados, ouço a porta se fechar logo atrás de mim. Levo as mãos à boca, arregalando os olhos diante do prédio onde moro. Como chegamos aqui atravessando somente a porra de uma porta!? Penso em Antoine e, desprendendo-me da mão de Aiden, corro até o portão principal. Aiden me segue e me lança um olhar intrigante. Um misto de desejo, compaixão e carinho. Ao lado do porteiro, argumento, desorientada.
- Não quero mais falar do lugar de onde acabamos de chegar. Não quero acreditar que vc conhece esse tipo de coisa. Eu só quero uma única resposta, Aiden. O que vc fez comigo dentro da sala do fotógrafo!?
- Eu...
- Não tenta me fazer de boba! Eu sei que vc e eu quase...
- Quase? - Impressionantemente nenhum músculo de seu rosto se move enquanto ele aguarda por minhas palavras. Já não sei o que dizer ou no que acreditar. Devo ter imaginado tudo. - Diz, meu anjo. O que quer saber? O que está te deixando tão nervosa?
- Nós acabamos de atravessar um portal pra algum lugar bizarro e vc me pergunta porque eu tô nervosa!?
- Eu também estou! Eu não sei o que aconteceu! Nós entramos e saímos! Ok!? Acabou!
- Simples assim!?
- Just like that! - Responde-me ele visivelmente abalado. Afasto-me do porteiro que nos observa, desconfiado. Aiden me segue. Secando minhas lágrimas com o polegar, ele me pede para ficar calma. Num rosnado, repito a pergunta.

- O que aconteceu lá dentro, Aiden??? Dentro da sala do fotógrafo??? Vc sabe que aconteceu algo!!! Me diz!!! Foi hipnose??? Magia???


- Adessa...- Diz ele, reticente. - Não sei do que está falando. Vc se ausentou por alguns minutos e retornou aos gritos. - Movendo os ombros, ele complementa. - É tudo o que sei.
- Vc tá mentindo...- Ele sorri. Forço um sorriso e comento. - Mas...tudo bem. Já me acostumei ao lado sombrio da vida. - Minto. Estou em pânico. Quero gritar e pedir que me salvem dele e daquele lugar para o qual nunca mais desejo retornar. É PRECISO AGIR COM CAUTELA. ELE ME PARECE PERIGOSO. Agora vc aparece!? EU NUNCA SUMI! ESTAVA AQUI O TEMPO TODO, PANACA! VAI DEIXAR ELE SUBIR E VER A PEQUENINA!? Nunca! - Obrigada, Aiden. Graças a vc, eu tenho grana pra sustentar minha filha por mais algum tempo.
- Vc não conferiu o depósito.
- Não entendi. - Engulo em seco. - É óbvio que ele fez a transferência.
- Tem certeza?
- Não brinca comigo! - Cato meu celular em um dos bolsos do casaco e, acessando minha conta corrente, sorrio, triunfante. - Olha aqui! - Quase esfrego o visor do meu celular em seu rosto quando ele congela um sorriso macabro que faz o celular tremer em minha mão. - O que foi!? Qual a graça!?
- Olha novamente...
Diante de meus olhos atônitos, os números da quantia transferida pelo fotógrafo vão sumindo, lentamente,  enquanto minhas pernas fraquejam. 
- Deixa eu te ajudar, meu anjo.
- Que porra é essa!? O que aconteceu com a gente hoje!? Eu fui lá! Ele tirou as fotos! Vc estava comigo! Que merda é essa!? Cadê a grana!?
- Vc não está bem. - Observa Aiden, com seus olhos fixos nos meus. Um sorriso no canto da boca e ele enfatiza. - Vai desmaiar...a qualquer momento. - Imediatamente, a terrível lembrança da morte de meu segundo filho vem à minha mente. Aiden estava presente e quase nada fizera para impedir sua morte. Parecia desejá-la. Por quê??? - Adessa, por que está segurando seu crucifixo de ouro? Ele é lindo, mas não me interessa.
- Não toca em mim, demônio. Eu te odeio. Fica longe de mim e da minha filha. Vc sabe o que fez. Vc me fez...
- Vc fez o que tinha vontade, meu anjo. Mas agora não é hora para discutirmos. Vc está pálida e prestes...
- Meu Deus...
- Desmaiar. Eu disse.
Ainda vejo seus dentes perfeitos e enfileirados antes de fechar  os olhos. Volto a abri-los e percebo que estou em seus braços. Exaurida, tento me mover e não consigo. Abro e fecho os olhos, procurando respirar, num desespero. "Fique calma. Vai passar", diz Aiden enquanto caminha. Flashes da porta do elevador se abrindo, a palmeira no vaso ao lado da porta, o som melódico da campainha ecoando no longo corredor. A porta em madeira se abrindo vagarosamente. 

- Mamãe???

Recobro as forças ao ouvir a voz vacilante de Antoine. Em instantes, estou de volta ao chão, de pé, movendo meus braços, aleatoriamente. Luto contra Aiden e seu sorriso de triunfo que, aos poucos, some. Comprimo os olhos e, num grito, ordeno.
- Antoine!!! Não fala com ele!!!
- Ele quem, mamãe?
Arregalo os olhos. Seu sorriso ingênuo me atinge como um tapa em meu rosto. Meu coração pula em meu peito quando me vejo sentada sobre o tapete felpudo, ao lado da cama...

Em meu quarto. 





- Mãe, eu tô com medo. - Choraminga Antoine. - A senhora tá bem?
- Sim! - Sorrio, arfando. - Eu tô bem, filha! - Abraçada a Antoine, lanço um olhar furtivo ao quarto, à porta aberta. Engulo em seco e, tentando esconder o medo, pergunto. - Vc viu mais alguém aqui, filha? - Curiosa, ela questiona.
- Quem!?
- Ninguém. - Melhor assim. - Deixa pra lá. - Dou de ombros e a beijo na bochecha. Com Antoine em meu colo, ainda de pijama, caminho pelo apartamento, vasculhando os cômodos, à procura de Aiden ou de algum vestígio de que estivemos juntos...nesse mundo. - Eu não tô louca. - Digo a mim mesma. Antoine sorri. Beijando minha bochecha, ela comenta.
- A senhora não é louca, mamãe. Quem te chamou de louca?
- Ninguém...- Exalo, afundando-me no sofá da sala. - Ninguém, filha. Eu tô cansada. É só isso. - Diante da  enorme TV, observo nossos reflexos. Prestes a admitir que acabara de vivenciar um sonho estranho, sufoco um soluço quando Antoine me olha com estranheza e pergunta.
- De quem é esse casaco, mamãe!? É do tio Vincenzo!?
- Não...- Respondo, perplexa. Num gesto abrupto, retiro o casaco de couro de Aiden e o arremesso contra a parede. Antoine ri de meu ato sem ter noção do horror que sinto ao perceber meu celular vibrando no bolso do meu moletom. - Atende mãe! 
- Não quero! - Grito ao reconhecer seu nome no visor. - Me deixa em paz! - Descontrolada, jogo o celular contra o tapete. Ele quica e cai com o visor para cima. A luz vibrante da tela ainda pisca por duas vezes e, enfim, se apaga. Antoine resmunga enquanto, sentada no chão, recuo, recostando-me à parede. Quero gritar para que ela não o toque, mas...é tarde.
- Isso é caro, mãe! - Ralha Antoine com o celular na mãozinha direita. A esquerda, ela apoia na cintura e, avisa. - Se fizer isso outra vez, não vai ter dinheiro pra comprar outro. Ouviu!?
- Sim. - Assinto, acuada. Ainda assustada, eu a puxo para mim e a faço se sentar ao meu lado. Forço um sorriso plácido enquanto ela comenta, num tom alegre.
- Tem duas mensagens, mãe!
- Tem!?
- Quer que eu leia? - Seu sorriso inocente me desmonta. Eu preciso me manter lúcida se quiser cuidar dela. Não posso surtar como acabo de fazer, então, acaricio seu rostinho e agradeço. - Por que não!? Eu já sei ler!
- Eu sei, filha. Mas eu leio um pouquinho mais rápido. Ok? - Dando de ombros, ela resmunga um 'tá bom' e me entrega o celular. Meu coração bate na garganta. A voz embarga. Engulo em seco enquanto leio em silêncio. 
- Fala, mãe! - Exige Antoine, impaciente. - Eu li o nome do tio! Ele quer visitar a gente!?
- Sim. 
- Woohoo! Quando!?
- Ainda não sei, filha. - Sorrindo, ainda trêmula, ergo-me com o celular em meu peito. Penso no que Vincenzo diria sobre o que vivenciara no dia de hoje. Rejeito o pensamento porque jamais contaria algo para ele. Ele não merece. Está distante de mim. Deve estar feliz ao lado de Sweet. - Tá na hora de dormir. Amanhã tem aula. - Contrariada, Antoine refuta. 
- Não, mãe! Amanhã é sábado! Nós vamos à praia! lembra!?
- Sábado??? - Congelo minha expressão de dúvida em meu rosto por alguns segundos. Volto no tempo e me recordo de termos combinado de passar o final de semana na casa de praia de Doc. Como eu pude me esquecer disso!? Eu preciso me manter na realidade! Eu preciso me concentrar no que é real! Minha filha é real! Esse apartamento é real! Chega de surtos! Antoine me observa, desconfiada. Um riso histérico e, então, concluo, perdida. - Aaah...é! A praia!
- Vai ser super legal! - Exulta ela enquanto a cubro com seu edredom de borboletinhas. Até quando poderei manter o alto padrão de vida com o qual estamos acostumadas? Por que a merda daquele dinheiro não caiu na minha!? SACO!
- Mãe! Responde!
- O quê!?
 - A gente pode convidar o tio Vincenzo!?
- Não! 
- Por que não!?
- Porque ele tá muito ocupado! - Fodendo com aquela vaca que já foi a minha melhor amiga! - Não dá!  Não dá!
- Tá bom...- Aceita Antoine, amuada. - Eu queria tanto que ele fosse.
- Eu sei, filha. - Deito-me ao seu lado. Encaro o teto coberto por estrelinhas esverdeadas. Apago a luz do quarto com um comando de voz. Ligo o abajur giratório, ao lado da cama. O rosa e o azul pintam um céu magnífico sobre nossas cabeças. 




Eu não queria que vc perdesse tudo isso, filha, mas eu preciso mudar de vida e, talvez, não tenha tanta grana como agora. 

- Talvez um dia, filha. - Respondo, sonolenta. - Talvez um dia eu convide Vincenzo. Amanhã não...
- Ok...- Boceja Antoine, agarradinha a mim. A paz, enfim, me faz completar um respiração quando ela me questiona, de olhos fechados. - Já leu a segunda mensagem, mamãe?

PUTA QUE PARIU!!!


Num salto, ergo-me da cama. Beijo Antoine na testa e, afetando uma calma longe de sentir, despeço-me pedindo ao Arcanjo Miguel que a proteja.





- Durma com os anjos. - Digo antes de fechar a porta de seu quarto. - Tá de sacanagem!!! - Exclamo já no corredor, acessando a mensagem não lida:

"Já verificou seu saldo hoje?"

Aflita, digito uma resposta à mensagem.

"Aiden! Me deixa em paz! Por favor!

"É tudo o que desejo a vc, meu anjo. Paz. Durma tranquila. Beijos.

Instigada, com a mão trêmula, digito a senha da minha conta corrente. Extasiada, confiro meu saldo.
- Eu não acredito... - Suspiro, aliviada. - A grana voltou!!!

Pulando de contentamento, ainda com o celular na mão, repito.

- A grana voltou! A grana voltou!

Recebo uma nova mensagem. É de Aiden. Hesitante, eu a abro.

"E aí? Já verificou seu saldo?"

"Como fez isso, Aiden!? A grana voltou!"

"Quem voltou, baby!? Do que está falando!? Eu a vi tristinha e me atrevi a realizar o depósito. Sei que precisa. Por favor, não me devolva ou brigue comigo. Tudo o que desejo é o bem de vcs duas".

Confusa, jogo-me contra o sofá enquanto leio sua última mensagem. Uma mensagem que me faz tremer dos pés à cabeça.

"A propósito, seu corpo é bastante instigante. Eu quase cheguei ao fim".

Junto à mensagem, ele me envia sua foto. Um leve arrepio e suspiro.

- Cretino...








- Já estamos chegando!?
- Caraca, filha! De novo!?
- Diz, mamãe!!!
- Estamos quase lá! - Exulto ao ver Antoine pelo retrovisor. Sentada no banco traseiro, ela se agarra à janela, deslumbrada, enquanto o carro se move vagarosamente. Dirijo a uns vinte quilômetros por hora porque desejo que ela observe o oceano e todos os detalhes da praia próxima à casa de Doc. - Filha, fica longe da janela. - Advirto-a sem êxito. Ainda mais sorridente, ela aponta para as ondas que se quebram na areia fina e branquinha e, eufórica, avisa.
- É pra lá que eu quero ir, mãe!!!
- Eu também! - Ratifico abrindo um sorriso francamente feliz. Não quero pensar em Aiden, Vincenzo, Sweet, universos paralelos, dinheiro na conta ou em qualquer outro assunto que me arranque desse momento encantador ao lado de Antoine. - Quem vai ganhar a corrida, amanhã, até o mar!?
- Eu!!! - Grita, Antoine, histérica. - Vou vencer vc, mamãe! Vou mergulhar 'beeeeem' fundo e ver os peixinhos!!!
- Não tão fundo...- Esclareço. - Seu tio Doc me disse que o mar aqui é perigoso.
- Não é não, mãe. Meu tio disse que tem uma parte rasa e mansa. Dá 'pra mim' nadar lá.
- "Para eu nadar", filha. - Corrijo-a sem desviar os olhos da estrada. Ela gargalha e confirma, num êxtase.
- Isso! Dá pra senhora nadar comigo, mãe! - Tensiono o pescoço ao perguntar.
- Que tio te disse isso, filha?
- O tio Lu. - Responde-me ela, sem rodeios. - Ele queria poder nadar, mas não pode.
- E...- Pigarreio, angustiada. - Por que seu tio Lu não poderia nadar?
- Porque o fogo dele vai apagar, ué! - Deus do céu! Quando esse pesadelo vai terminar!? Minha filha está, de fato, falando com Lúcifer!? - Hmmm...- Inspiro o ar que entra pela janela ao meu lado. A maresia se mistura a um outro aroma que tento reconhecer quando me assusto com o grito de Antoine. - Olha a moto, mamãe!!! 
- Idiota!!! - Movo o volante enquanto o motociclista desvia sua moto do meu carro e me ultrapassa. Mesmo tendo errado e perdido temporariamente, o controle, berro. - Não sabe dirigir??? Escroto!!!

O homem na moto curva seu tronco para frente, acelerando o motor. Logo adiante, ele dirige sinuosamente provocando risos em Antoine que o admira, batendo palmas. Intrigada e enciumada, piso no acelerador enquanto ergo meu dedo médio e o mostro, fora da janela. Aumento a velocidade e, por segundos, estou ao seu lado.
- Filho da puta! - Grito. - Eu tô com a minha filha aqui! Entra na minha frente outra vez e te mando pro inferno!!! 

Sua cabeça coberta por um capacete preto gira em minha direção. Aparentando calma, ele acena para Antoine que lhe retribui o cumprimento. Furiosa com a sua petulância, eu o ultrapasso aos berros.

- NÃO FALA COM A MINHA FILHA, SEU TARADO!!!

Movendo a cabeça de um lado para o outro, ele parece me reprovar. Inconsequentemente, movida pelo instinto, giro o volante em sua direção. Antoine volta a gritar, apavorada. O exímio motociclista evita uma colisão movendo-se para a esquerda. 
- Cuidado, tio!!! - Grita Antoine, aos prantos, no banco traseiro, quando o homem da moto escapa de uma segunda colisão contra o caminhão que buzina,  afrontosamente, ao nos ultrapassar. Inspiro profundamente, expirando com dificuldade. Acabo de cometer uma insanidade no trânsito por culpa de minha impulsividade. - Ele quase se machucou, mãe! - Lamenta Antoine, preocupada.
- Desculpa, filha. - Peço enquanto diminuo a velocidade do carro. O motociclista segue em frente e some do meu campo de visão, deixando um rastro de poeira e um aroma que aspiro, inconscientemente. Arrependida por ter arriscado a vida de minha filha, estaciono no acostamento e, com a voz trêmula, volto-me para ela, afirmando. - Isso não vai acontecer novamente, ok?
- A senhora falou palavrão...- Choraminga ela. - Isso é feio.
- Eu sei...- Assumo, secando suas lágrimas com meus dedos úmidos e gelados. - Não vou falar mais.
- Jura?
- Juro. - Sorrio, tremendo-me toda. - De dedinhos? - Ergo meu dedo mínimo. Ela faz o mesmo, abrindo um dos meus sorrisos prediletos: o de confiança. Não posso decepcioná-la novamente. Não vou. Alguém aí em cima me ajuda a ser menos impulsiva!?



Enroscamos nossos dedos e eu volto a prometer o que não conseguiria cumprir. 

- Mamãe vai se controlar e não vai falar mais palavrões. Eu juro.
- Estamos chegando, mãe?
- Sim. É logo ali. - Ao volante, aponto para uma ponte extremamente similar a uma outra que cruzara há tempos. Um tempo onde eu fui feliz. - Chegamos! - Levo as mãos aos ouvidos ao ouvir o som estridente do grito de euforia de Antoine que se desprende do cinto de segurança e, entre os bancos dianteiros, pergunta. 
- Posso abrir a porta, mãe???
- Sim. - Respondo entre risos. - Mas espere por mim.

Saltitante, Antoine caminha em direção à casa rústica de Doc enquanto carrego as bolsas com mantimentos e as mochilas com nossas roupas. Exausta e feliz, eu a vejo se balançar na cadeira em madeira presa ao teto por correntes enquanto me aguarda. Abro a porta da casa. Um odor peculiar invade minhas narinas.


 
- Cheiro esquisito, né mãe!?
- É cheiro de casa fechada por muito tempo, filha. Amanhã eu dou um jeito nisso. - Comento olhando ao redor. A casa é quase tão aconchegante como a de Vincenzo. Imediatamente, a lembrança de nossa primeira noite de amor ameaça estragar meu momento com Antoine. Movo a cabeça, exageradamente, comprimindo meus olhos. Não posso. Não quero me recordar dele, de seu carinho, de seus beijos. Beijos que agora são de outra mulher. CHEGA! - Oi, filha!?
- Por que tá chorando, mãe? - Agacho-me diante dela e, limpando minhas lágrimas com o dorso das mãos, minto.
- Não tô chorando não. É a poeira nos meus olhos. Vamos guardar as coisas?
- Vamos!!!
Entusiasmada, ela invade todos os cômodos da casa enquanto a sigo. Ela liga o rádio na cozinha e o sintoniza em sua estação predileta onde só tocam  flashbacks. Duas perguntas vem à minha mente descontraída. Uma delas tem resposta. A outra, não.

- Por que vc gosta de música antigas, filha?
- Porque a senhora gosta, ué! 

Feliz com sua resposta, eu a seguro em meu colo e rodopio ao som da canção. Antoine joga a cabecinha para trás e gargalha, de braços abertos. Super inteligente, ela se recorda do filme ao qual assistimos na semana passada onde um casal homoafetivo e sua filha cantavam juntos, dentro do carro, antes de um final de semana trágico.
"Boogie Shoes" se espalha pelos quatro cantos da sala enquanto dançamos juntas e despreocupadas.

Ou quase...





Essa canção me faz pensar em alguém que me leva à segunda pergunta.

- Filha! Por que chamou o cara da moto de tio!?
- Sei lá! - Responde-me ela, dando de ombros. Retirando pães da embalagem, ela sugere com seu sorriso maroto. - Que tal dois sanduíches!? Tô 'varada' de fome! - Sem me sentir convencida, deixo escapar um "Aaah tá".
- Vamos matar essa fome! Amanhã é dia de praia!
- Wooohooooo!!!

Uiva meu pequeno lobinho.




Tento me desconectar do mundo exterior, mas não consigo. Sinto-me forçada a ligar o celular e enviar a Doc uma mensagem de que chegamos, sem problemas, à sua casa. Leio suas recomendações com relação ao mar agitado e aos cuidados que devo ter com Antoine a quem ele chama, carinhosamente, de "minha neta". Sorrio, agradecida, para o visor. Afinal, não estou sozinha nesse mundo. Doc é o pai que nunca pude ter. Há tanto amor em suas palavras que quase me esqueço de perguntar sobre Sweet e Vincenzo.

"Eles não estão juntos. Pare de se torturar".

Responde-me Doc. Penso em me aprofundar no assunto, porém, desisto assim que observo Antoine ao meu lado, debaixo da barraca, montando castelos de areia. Percebo a paisagem bucólica ao meu redor. O mar azul adiante. O céu tão azul quanto o mar e o ameno sol de outono que nos aquece. Por que eu deveria me preocupar com aqueles dois traidores!? Por que gastar minhas energias imaginando-a linda, loira, exibindo-se para ele que brinca com suas duas filhas e não com a minha???
- Porra!
- Mãe! - Repreende-me Antoine.
- Desculpa. Escapou. - Rindo de mim, ela me aconselha.
- Não deixa escapar mais não. Meu tio não gosta de palavrão. - Reviro os olhos e, bufando, questiono.
- Que tio é esse, Antoine?
- O Miguel. - Responde-me ela, com naturalidade. É SÉRIO??? O que tem de natural em conversar com anjos, arcanjos e demônios??? - Tá pensando em que, mãe? Por que tá me olhando assim? - Imediatamente, modifico minha expressão de assombro e, forçando um sorriso, eu digo.
- Porque eu te amo, filha. Eu me preocupo com vc. 
- Não precisa, mãe. A Dayse cuida de mim também.
- Antoine!!! - Protesto, receosa. - Como assim???
- Não grita, mãe. - Pede-me ela enquanto me abraça com o corpinho coberto de areia. Seu coração bate junto ao meu quando ela sussurra. - Eu tô brincando, mamãe. A Dayse é só uma boneca.
- Ah tá...- Suspiro de olhos fechados. - Que bom.
- Uma boneca que fala.
- Jesus!!!
- Ela só fala coisa boa, mãe! - Diz ela na defensiva. Arregalo os meus olhos e refuto, angustiada. 
- Filha! Bonecas não falam! 
- A Dayse fala...
Seus olhinhos marejados me fitam, tristonhos. Não posso estragar o nosso momento porque acredito que ela acredita em uma boneca que fala. Ela é só uma criança com uma imaginação fértil. É só isso. 

"Antoine me assusta, Doc", digito ao celular. Prestes a desligá-lo, recebo outra mensagem ainda mais assustadora do que a boneca de Antoine.

"Suas fotos ficaram fantásticas! Simplesmente esplêndidas!!!"

- É o tio Doc, mãe!?
- Não...- Suspiro. - É do trabalho, filha. - Minto. Aiden acaba de me enviar minhas fotos...nua. Recuo, assustada. Evitando os olhos curiosos de Antoine, ergo-me da toalha, enfiando os pés na areia. - Merda...- Resmungo. - Por que tá fazendo isso? 
- Com quem tá falando, mamãe!? É com o tio Vincenzo!? 
- Não! - Respondo num tom áspero. Aflita e constrangida, envio uma resposta a Aiden que me aguarda 'on-line'.  

"Que porra é essa!? Vc me fez acreditar que eu não havia posado para as fotos!"

"Parece que posou. Ficaram ótimas! Instigantes!"

Um calafrio percorre meu corpo ao ler sua última mensagem.

"Cuidado com o mar. Parece muito agitado hoje."

Lanço um olhar de horror ao meu redor. Nada vejo além do mar e da areia. Abraço Antoine com força enquanto continuo a procurar por Aiden.
- Como ele sabe?
- Ele quem, mãe? O tio Vincenzo? - Com Antoine em meu colo, eu a encaro e esclareço, ainda assombrada. 
- Filha, Vincenzo não é seu tio. Ok?
- Mas ele disse que era. - Cisma ela.
- Mas não é! - Refuto, irritada. - Eu não quero que continue a falar com ele, Antoine! Não sei como vcs se falam, mas não quero que isso continue! Entendeu!?

Pela primeira vez, aumento o tom de voz ao falar com ela. Pela primeira vez, eu a vejo chorar por minha causa. Pela primeira vez, eu me sinto uma mãe de merda...


- Desculpa, filha. - Peço entre soluços. Enxugando suas lágrimas com o dorso da mãozinha salpicada de areia, ela abre seu sorriso benevolente e beija minha bochecha. Arrependida por ter gritado, proponho. - Vamos apostar uma corrida até a água!?
- Siiim!!! - Aceita ela, eufórica. De pé, ao meu lado, ela se prepara para correr quando grito, num tom divertido, voltando à minha infância

- Quem chegar por último é a mulher do padre!!!

Antes de chegar à beira do mar, estaco ao ouvir sua voz grave, repleta de ternura, em uma pergunta idiota.

- E padre tem mulher?





- Eu não acredito...- Penso alto. - Vc?
- Tio!!! 
- Pirralha!!! - Exulta Vincenzo abrindo um de seus sorrisos iluminados. Desorientada, cruzo os braços na altura dos seios quando nossos olhos se encontram por segundos. Seus cabelos cresceram. Os fios ao vento e a barba por fazer conferem a ele um ar desleixado que destoa do pugilista quase careca e narcisista que se excita dando porrada em mulheres enquanto fode. 

- O quê!? Eu heim! - Questiono, ressabiada diante de seu olhar de censura. - Ah tá! Vc continua lendo meus pensamentos...

Um saco!

Agachado, ele abre seus braços a Antoine que, num desespero infundado, salta sobre ele. Confusa e enciumada, não sei se interrompo o momento idílico entre ambos ou permito que Antoine vibre de felicidade enquanto ele a faz girar como em um carrossel desgovernado. Vincenzo solta uma gargalhada e diz que eu continuo a mesma.

- Engano seu. - Considero enquanto vou espanando com as mãos, a areia em meu corpo. - Mudei muito. - Comento, sem jeito. Uma olhadela e percebo que estou usando o mesmo biquini que vestira no último dia em que estivemos juntos em sua casa, na praia. Percebo, igualmente, que não me depilei com tanta eficácia quanto naquele dia. Que merda! Como eu iria imaginar que eu o encontraria aqui, nesse fim de mundo!? - Com licença. - Recuo até a água fria do mar manso. Mergulho e, submersa, ajeito a calcinha. Antes de caminhar até a areia, confiro se existe algum pelo indesejado à mostra. Insegura, sob o olhar indecifrável de Vincenzo, acomodo meus seios dentro do biquini, antes torto. Ora bolas! Eu não estava interpretando papel algum! Eu não era a atriz pornô ou a stripper! Éramos somente minha filha e eu em uma praia deserta! Por que eu deveria me preocupar com meu corpo coberto por areia ou com as pernas não depiladas??? Por que, subitamente, eu preciso me enquadrar num ângulo perfeito do sol onde meus defeitos não se tornem visíveis??? - Não. Ele não pode. - Encolho-me debaixo da barraca. - Não mesmo.
- Por que não, mãe!? Tem espaço na toalha!
- Filha, não...
- Deixa ele ficar aqui, mãe. - Choraminga Antoine, roçando a ponta de seu nariz em minha bochecha. Ela sabe que eu 'desmonto' com esse truquezinho barato. Sorrindo, ela aguarda por minha resposta. Vincenzo me observa, em pé, à minha frente. Quero olhar para o mar e tudo o que consigo ver são suas pernas torneadas e, um pouco mais acima, imagino uma parte que já foi minha e que agora é da vaca loira. - Mãe!!! Responde!!!
- Não! Eu não quero mais ninguém na nossa barraca, filha! Esse é o nosso dia! Só nosso! Não se lembra!?
-Posso me sentar na areia. - Diz ele, dando de ombros. - Tá quente, mas eu aguento.
- Vai queimar a bunda do tio, mãe! - Protesta Antoine diante de mim. Sorrio enquanto ela move os bracinhos,  aleatoriamente, em defesa de Vincenzo. - Não ri, mãe! Ajuda o tio!
- Filha, ele não é seu tio. - Esclareço de olhos fixos no oceano. A brisa morna toca em meu rosto trazendo consigo seu perfume de maçã verde, além de recordações indesejadas. Fecho os olhos e rumino uma resposta. - Ele não é da sua família tampouco da minha e, provavelmente, nunca será.
- Poderia ser...- Suspira ele.
- Em outro universo. - Refuto.
- Em um universo perfeito. 
- Sim...- Exalo, desanimada. Contrariada, Antoine o puxa para a toalha e se joga em seu colo. Ele a abraça com tanto carinho que poderia jurar que são pai e filha. Tolice. - Mas universos paralelos não existem. 
- Como sabe?
- Não interessa. Vc pretende ficar aqui? Não tem nada mais importante pra fazer?
- O que seria mais importante do que ficar com essa pirralha? - Incomodada diante da intimidade com que os dois se tratam, tento livrar Antoine dos braços fortes de Vincenzo. Braços que um dia me abraçaram com a mesma ternura dedicada à minha filha. Braços que a puxam de volta. - Para, Dess. Vai machucar a menina.
- Ela tem nome! - Rosno enquanto cubro meu corpo com minha 'saída de praia' em renda branca. - Larga minha filha! - Ordeno sem encarar Vincenzo. - Antoine! O que eu te ensinei sobre se sentar em colo de estranhos!?
- Mas ele não é estranho, mãe! - Retruca Antoine agarrada ao pescoço de Vincenzo que me sorri, confiante. Estou corando quando Antoine enfatiza. - Ele é o tio que conversa comigo à noite, mãe! É ele!
- Ah tá. - Lanço meu olhar colérico a ele. Seus olhos azuis da cor do mar incidem sobre os meus. Pela primeira vez, após meses, lembro-me de como eu fui feliz aqui, pisando nessa mesma areia onde afundo meus pés aflitos. - Aaah tá! Agora tá tudo certo! Eu tô super tranquila! - Ironizo. - Além de anjos, arcanjos, demônios e bonecas, minha filha pode conversar com qualquer um que tenha o mau gosto de ler mentes alheias!
- Demônios!? Do que tá falando, Dess!?
- Nada que te interesse, Vincenzo. A filha é minha. Escuta!? Vc não tem que espancar ninguém não!? - Ainda amo o jeito como ele gargalha, jogando a cabeça para trás, seu Pomo-de-Adão se movimentando em seu pescoço másculo. Antoine o contempla sentada em suas pernas cruzadas. Não há como negar. Ele é lindo...- Deixa minha filha aqui e volta a pastar com a tua 'vaca loira'! Combinado!?
- Por que tá rindo, tio? Quem é 'vaca loira' mãe!? - Sweet Child!!! A mulher que eu arranquei da lama!!! Aquela vadia traidora!!! - Tio, por que tá rindo!?
- Sua mãe é muito engraçada, meu anjo.
- Devo ser. Vc e a 'vaca loira' devem rir muito de mim.
- Não existe 'vaca loira', Dess. Nunca existiu.
- Não olha assim pra mim... - Aviso, enfurecida.
- Assim como? - Pergunta-me Vincenzo caprichando em seu sorriso cafajeste - aquele que me faz arfar. Atormentada, arremesso meu chinelo na direção de sua cabeça. Curvando o tronco para frente, ele se esquiva do chinelo e protege Antoine, abraçando-a. Rindo, ele avisa. - Dess, isso não tem graça.
- Não mesmo. - Concordo cobrindo o rosto com as mãos. Envergonhada por me portar como uma criança idiota, engulo em seco. Com a voz embargando, peço num fio de voz. - Filha, senta do lado da mãe. Senta.
- Pode ir, meu anjo...- Incentiva Vincenzo, beijando Antoine na testa. Antoine beija o topo de minha cabeça antes de se sentar ao meu lado na toalha. Ambos trocam olhares de cumplicidade, o que me deixa ainda mais enciumada.
- Dess, ela te ama muito. Não fica assim. 
- Não me diga!? - Zombo, fingindo neutralidade. - É óbvio que ela me ama. Eu sou a mãe dela. E tira esse sorriso complacente do seu rosto. Não se atreva a sentir pena de mim! Quem tem pena é galinha e quem tem dó é violão! - JURA QUE VC ACABA DE FALAR ISSO!? FOI PATÉTICO! Eu sei. Para de falar na minha cabeça. Por que voltou!? POR QUE ACHA QUE VOLTEI!? VC NÃO SABE SE PORTAR SEM MIM!!! Estou tentando! - De onde vc saiu, Vincenzo!? De algum filme de terror!? Algum portal se abriu e vc passou por ele!? Seu cabelo tá sem corte e vc precisa se barbear! Por que não trouxe bolsa ou mochila!?- De olhos fechados, inspiro profundamente. Solto o ar dos pulmões pela boca entreaberta enquanto ele se acomoda ao meu lado e, ainda rindo de mim, responde. 
- Deixei em casa. Aquela onde vc se hospedou e...- Sufoco um soluço e o interrompo, abruptamente.
- Já sei! Não precisa me lembrar dos detalhes!
- Que bom que ainda se lembra...
- Não seja ridículo...- Suspiro. Antoine se senta entre nós dois e, batendo palmas, comemora, eufórica.
- Ela deixou vc sentar, tio! Ela deixou!
- Shhh...- Cochicha Vincenzo, arregalando os olhos encantadores. - Fica quieta, pirralha. Finge que não viu.
- Ok, tio. - Assente ela, contendo os risos. - Ok. Eu vou ficar quietinha. - Voltando a construir seus castelos na areia, Antoine nos deixa a sós enquanto o meu castelo de indiferença ameaça ruir. 
- Isso não legal. - Afirmo, reticente, abraçando meus joelhos. - Não mesmo.
- Isso o que, Dess?
- Invadir a vida da minha filha, enchendo a cabecinha dela de esperança e, depois sumir.
- Eu não invadi nada. - Defende-se ele, imitando meu gesto com as pernas, enquanto o vento despenteia suas madeixas. Suas covinhas na bochecha aceleram meu estúpido coração. Instintivamente, sorrio. Cubro meu sorriso com a mão quando ele comenta, encarando-me. - Antoine e eu nos falamos, de vez em quando. É só isso, Dess.
- Com telepatia?
- Sim.
- Uh-hum...
- Qual o problema, Dess!? 
- Vc acha isso normal? - Reviro os olhos, bufando. - Invadir a mente de uma criança de seis anos é normal!?
- Eu me preocupo com ela!
- Não faz sentido!
- Fala baixo...
- Não falo não! - Indignada, aumento o tom de voz. Antoine, sob o sol, me observa, assustada. Vincenzo sorri para ela. Ela sorri, aliviada, de volta aos castelos. Sentindo-me distante de Antoine, diante dos códigos secretos entre os dois, refuto, num cochicho. - Não vou falar baixo quando o assunto é a minha filha! Vc já fez o que quis comigo. Ok!? Eu aceitei e superei! Com ela não! Não se meta com ela, Vincenzo, ou vai conhecer o meu pior lado!
- Eis um lado que ainda não conheço...- Ronrona ele.
- Fica longe dela. - Alerto.
- Não posso. 
- Cuide das crianças de Sweet! - Rosno.
- Não as conheço. - Rebate ele, dando de ombros. -  E nem quero conhecer. Eu amo Antoine. Eu me preocupo com ela.
- Não precisa! Eu cuido dela!
- Não parece!
- Como assim!?
- Por que deixou aquele verme entrar em sua vida!?
- Do que tá falando!?
- Vc sabe! Do Aiden!
- Não grita! - Grito, estupidamente envergonhada. - Como sabe disso!?
- Eu estava no colégio no dia da reunião!
- Estava??? - Pergunto entre perplexa e angustiada. Ele assente com a cabeça. Diante de seus olhos azuis e plácidos, eu me calo, pensativa. Mergulho em seu olhar triste e, com a voz embargada, quebro o silêncio com outra pergunta. - Por que não entrou e me ajudou?
- Ele chegou primeiro. O que eu iria dizer? Que vc tem dois maridos?
- Resposta errada. - Retruco, decepcionada.
- Eu sei. Eu tentei, mas falhei.
- Vc sempre falha, Vincenzo...- Exalo mirando o horizonte. - Sempre falha.
- Aonde vai!? - Ergo-me num solavanco e respondo, num grito.
- Me afogar! Depois eu volto!

Correndo em direção ao mar, escondo um sorriso imbecil.
Ele ainda mexe comigo...




- Vc ainda gosta dele, Dess?
- Como "ainda"!? Eu conheci o Aiden bem depois de vc! Não gostava dele "antes". - Antoine, à mesa, ri de meus dedos que se movem imitando aspas. Repito o gesto porque amo ver minha filha gargalhar. Daqui, de onde estou, sentada diante dela ao lado dele, pergunto-me se seríamos felizes caso formássemos uma família de verdade. Uma família com mãe, pai, filha, cachorro, papagaio...- Para de ler meus pensamentos e me responde, Vincenzo! Que papo é esse de "ainda"!?
- Putz. - Revira ele os olhos escandalosamente azuis. - Esquece, vai. Eu me expressei mal.
- Mentira! - Acuso enquanto corto a pizza em fatias. Por segundos, a imagem de Sweet e Vincenzo na mesma cama invade minha mente fértil. Chego a ouvir os gemidos de gata no cio de Sweet enquanto ele confessa seus desejos ao seu ouvido. Que ódio!!! - Oi!? Fala!
- Cuidado, mãe! 
- Vai se cortar se continuar a pensar bobagens, Dess. - Desperto com o toque de seu braço no meu. - Senta. - Ordena-me ele. Tonta, eu o obedeço. Ele toma a faca de minha mão e continua a cortar a pizza enquanto eu me sento, confusa. - Para com isso. Eu não tenho e não tive nada com ela. - Cochicha ele em meu ouvido. Antoine lança um olhar curioso sobre mim, mas está extremamente concentrada em devorar sua segunda fatia, logo, ela desiste de formular perguntas e, apenas sorri. Estampando um sorriso no rosto, eu o insulto.
- Verme mentiroso. Quando vai partir?
- Ele vai ficar, mãe. - Avisa-me Antoine de boca cheia. - Ele pode, mãe?
- Não. - Minto. Ele sabe que pode. Sabe que deve. Deve isso a mim. Uma noite tranquila em família, ainda que não seja real. - Não pode.



- Eu parto amanhã, Dess. - Avisa-me Vincenzo enquanto me espreguiço, confortavelmente, na mesma cadeira de balanço onde Antoine me aguardou assim que chegamos aqui. - Vc mudou, Dess.
- Como assim? - Indago, movendo meu corpo para frente e para trás. A sensação de liberdade me invade por completo. Antoine dorme em seu quarto. Melhor assim. Não quero que ela sinta o cheiro da erva que fumo, contrariando as expectativas de Vincenzo, o puritano. - Fala aí!
- Isso mata neurônios. - Gargalho, histericamente quando ele complementa seu alerta. - Digo...os poucos que vc tem.
- Desenvolve...
- Desenvolve!?
- Puta que pariu! - Reclamo, 'chapada'. - Continua, prossiga, blá blá blá! Fala aí...- Rimos juntos até ele segurar as correntes da cadeira e me fazer parar. Incomodada por ter parado de súbito, eu o xingo. - Dá pra sair da frente!? Eu quero relaxar!
- Depois de me responder uma coisa. - Minhas mãos pousam sobre as dele enquanto estou sentada na cadeira acolchoada. De olhos fechados, capto alguns momentos de sua vida. Sweet não surge em nenhum deles. Meu coração acelera, esperançoso. Talvez eu tenha me enganado...- Vc se enganou, Dess. Eu nunca estive com ela.
- Isso já não me interessa. - Minto, pisando em seu pé. Ele reclama da dor enquanto eu me levanto do balanço, caminhando, lentamente, em direção à sala. Dou uma última tragada na 'Cannabis', espantando, com as mãos, a fumaça que se espalha pela sala aconchegante.  - Vcs dois podem fazer o que quiserem, meu bem, porque eu já tomei minhas decisões. Já fiz minhas escolhas.
- E quais seriam elas? - Pergunta-me ele com suas mãos suaves em minha cintura. Sentindo-me leve e descontraída, não me oponha às suas mãos. Gargalho quando ele sussurra em meu ouvido. - Fala, Dess.
- Eu tô tentando me lembrar...
- Viu? Mais um neurônio morto. - Outra gargalhada e concordo.
- Pior que é verdade! Aaah! Eu me lembrei! - Exulto arremessando a guimba pela janela da sala. Dou meia volta e sua boca está bem próxima à minha. Eu preciso ser forte e não ceder à tentação de lhe implorar por um beijo. Mio Dio! Um beijo dele... 
- Dess! Suas escolhas!
- Sim. - Desperto. - Minhas escolhas. Isso. Por que diabos vc me perguntou se ainda gosto de Aiden!? Eu nunca o vi antes!
- Já sim. Só não se lembra. - Retruca ele, com um ar sombrio. Suas mãos alisam minhas costas fazendo-me arfar. - Dess, vc não pode se ligar a ele. É perigoso.
- Mesmo que eu quisesse, eu não poderia.
- Por quê?
- Ele é gay, idiota! - Solto outro riso histérico. Vincenzo arregala os olhos e, incrédulo, pergunta.
- Desde quando, Dess!?
- Vc é cego!? Ele não precisa falar! Eu saquei tudo assim que o conheci! Embora...- Rodopio. - Ele tenha agido de maneira esquisita na sessão...- Levo a mão à boca, arrependida. - Esquece.
- Que sessão!?
- Espírita! 
- Não brinca comigo, Dess! O que vcs fizeram!?
- Nada! Juro! - Prendo um riso, mordendo os lábios. - Sei lá...eu acho...- Expressando preocupação, ele me segura pelos braços e, num tom bizarro, declara.
- Dess, vc não pode se deixar levar por ele! Vc não pode cair novamente! É isso o que ele deseja!
- Cair de onde!? Que papo doido!
- Eu me recuso a falar com alguém que acaba de fumar um cigarro inteiro de maconha. - Desiste ele, afastando-se de mim. Meio que confuso, ele volta a se aproximar, deixando-me tonta. - Olha pra mim, Dess. 
- Eu tô olhando...- Afirmo com a voz rouca. 
- O assunto é sério. - Observando a fumaça que sai de minha boca, comento.
- Eu tô 'de boas'. Fala aí.
- Não se liga a ele, Dess. 
- Isso é ridículo...- Retruco, tossindo. - Patético. Eu não quero me ligar a ele. Eu não quero me ligar a homem algum.
- Nem a mim? - Questiona-me Vincenzo roçando a ponta de seu nariz em meu pescoço. Golpe baixo. Estou doidona, frágil, carente e ainda apaixonada por ele. - Bom saber disso. Eu nunca deixei de te amar.
- Eu rejeito seu amor. Uau. Eu nunca pensei que seria capaz de dizer isso. - Uma crise de risos me afasta de Vincenzo que sorri, compassivo. - O que tá fazendo? Por que tá mexendo nos discos do Doc? Ele tem um puta ciúmes dessa coleção! - Aviso. - O que tá procurando? - Sem desviar os olhos dos discos em vinil, ele responde.
- Alguma música que te agrade. "The Flashback Girl" não gosta de qualquer música. Certo?
- Certo...- Exalo sentindo um aperto no coração. Algo me diz que não o verei por muito tempo. Porém, estou extremamente relaxada para me preocupar com o amanhã. Opto por viver o presente. - O que escolheu?
- A música que vc ouviu ontem, no carro, quando quase me atropelou.
- Puta que pariu...- Volto a rir, desenfreadamente. - Vc é o cara da moto!?
- Sim, Dess. Eu era o cara da moto, Dess. - Seus braços estão de volta às minhas costas. Seu corpo se encosta ao meu. Sua voz doce me alerta. Engulo o riso quando ele me avisa. - Não se deve xingar ao volante, Dess. É perigoso. Tem muita gente ruim solta por aí.
- Eu sei. - Assumo recostando minha face em seu peito, ouvindo o compasso de seu coração. Seus braços me apertam contra si e eu me sinto segura após meses. - Eu preciso deixar de ser reativa, agora que tenho Antoine...
- Por que não pensou em sexo até agora, Dess?
- Que pergunta cretina!
- Responde!
- Porque fiz algumas escolhas. Por Antoine, eu fiz uma escolha.
- Dança comigo?
- Já estamos dançando...- Largando o vinil, ele conecta seu celular ao 'Bluetooth' da caixa de som. Sorrio diante de seus lindos olhos límpidos enquanto nos movemos ao som da canção "Too Sweet". - Uma ótima escolha. Só que não é um flashback.



- Eu sei. Vc precisa aprender a apreciar músicas novas, Dess. 
- Eu conheço! - Vibro erguendo o braço. - É nova, mas conheço!
- Que bom que gosta porque, de uma forma ou de outra, vc é muito doce.
- Nossa. - Reviro os olhos, exageradamente. - Isso foi ridículo. O título da música? - Rindo, ele admite.
- Foi mesmo.
- Essa canção tem um significado.
- Qual? 
- Eu sou muito doce pra vc. Doce em excesso e, por isso, eu não sirvo pra vc. Não agora. Não para o seu novo estilo de vida. Uma vida onde uma mulher que goste de apanhar se encaixe melhor.
- Dess, não viaja. Eu nunca pensei nisso.
- Deveria...
- E desde quando vc é tão doce assim, Dess? Vc já me meteu a porrada na frente dos meus alunos! - Gargalho ao me recordar do dia em que ele rolou no chão de tanta dor. Bem feito. - Dess...
- O quê!? Vc merecia!
- Eu sei. Me conta. Vai... - Pede-me ele recostando sua testa à minha.
- O quê?
- Por que não pensou em sexo até agora? Já não gosta de mim?
- Eu te amo. Isso não vai mudar nunca. Infelizmente. Eu não gosto mais de mim quando estava com vc. Não posso voltar a ser aquela mulher. Não gostava do que eu era antes de Antoine aparecer em minha vida e me fazer compreender muitas coisas.
- Não entendi. Me explica.
- A história é longa. 
- Eu tenho tempo. Conta. 

Jogo-me contra o sofá da sala de estar. Ele faz o mesmo. Olhando-me atentamente, ele volta a pedir. 
- Me conta tudo.
- Vc vai sumir novamente, né? - Entrelaçando seus dedos aos meus, ele desconversa.
- Conta tudo, Dess. - Forçando um sorriso, eu concordo.
- Ok. - Meus olhos se enchem d'água quando afirmo, desolada. - Eu sei que vc vai sumir. Vc nunca fica. Nunca...




CONTINUA...














CAPÍTULO 35 - INJUSTO

  Na sala de espera do mesmo hospital onde Vincenzo voltara à vida, aguardo, ao lado de Liam e Enrico, ao desenlace da tragédia. Vincenzo, d...