'Dess - Uma História Interessante'

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AMO ESCREVER

CAPÍTULO 19 - PESADO

 



- A festa acabou. Vc não precisa seguir a gente até o estacionamento.

- Ele disse que vai me ajudar a carregar meus presentes, mãe.

- Não! Não vai não! Aiden carrega e eu também! Não balança a porra dessa cabeça! - Ameaço o panda que insiste em nos acompanhar. Indignada com meu comportamento, Antoine me repreende.

- Mãe! Ele é meu amigo!

- Não é não, Antoine! Vc nem sabe quem ele é! Ele já tirou essa máscara idiota!?

- Não precisa, mãe...- Refuta ela, sorrindo, de mãos dadas a ele que carrega pacotes e caixas com braço livre. - A gente conversa de outro jeito.

- De que jeito, Antoine!?

- Aqui ó! - Aponta ela seu indicador à cabeça. Estou tentando não surtar desde o início da festa, mas, no momento, decido perder meu controle por completo. Sob os protestos de Antoine, amasso uma das caixas de seus presentes na cabeça redonda do panda que se curva para frente enquanto continuo a bater em suas costas e gritar para que ele se afaste de minha filha. - Para, mãe! Ele é bom!

- Quem é vc!? Eu te proíbo de entrar na cabeça da minha filha! Eu te proíbo! - Com a caixa rasgada em minhas mãos e o coração comprimido, indago. - Entendeu? Fala comigo! 

- Filha, se acalma. - Interfere Doc, retirando o que restara da caixa e do presente, de minhas mãos. Interpondo-se entre mim e o panda, ele me aconselha, num tom apaziguador. - Pare agora. Controle-se. Antoine está chorando. 

- Me perdoa...- Peço de joelhos. Entre soluços, confesso. - Eu tô com medo, filha. Me perdoa. 

- Não fica não, mãe. - Sussurra ela em meu ouvido enquanto eu a abraço forte. - Ele quer me proteger, mãe. Ele é um super herói. Entendeu?

- Sim. - Minto num sussurro. - Entendo. Agora vá para o carro com seu tio. - Ergo-me, recomposta. Borrando minha maquiagem com as lágrimas, esfrego meu rosto com uma das mãos enquanto penso no que fazer. Antoine hesita em me deixar a sós com o panda quando repito. - Vá para o carro agora, filha. Depois a gente conversa.

- Não bate nele não, mãe...- Pede-me ela no colo de Doc. - Ele é bonzinho.

- Não vou bater. Juro. - Sua cabecinha tomba no ombro largo de Doc quando, enfim, eu o confronto. Com a voz embargando, sussurro. - Se vc for quem eu acho que é, eu te desprezo ainda mais. Entendeu? Não ouse movimentar sua cabeça. Eu quero que mostre seu rosto... - Movendo a cabeça numa negativa, ele me faz chorar. - É vc? Por que se esconde? Tem medo do Aiden? É isso? Isso é pequeno demais. Ela merecia sua presença na festa. Ela sonhou com isso... - Seu braço se ergue. Rosno antes de sua pata encostar em meu rosto. - Não me toca. Eu te desprezo. Por que diabos se escondeu a noite toda? Fala alguma coisa! Diz que é vc! Diz! - Num outro arroubo de fúria, eu o agarro pelas orelhas e o puxo pela cabeça. Recostada à parede no exterior da mansão, eu o vejo resistir. Com as patas em meus braços, ouço sua voz abafada rosnar um "Não". - Por que não me deixa te ver!? - Pergunto antes de ser empurrada por ele e cair contra a grama úmida. - Covarde! - Dando-me as costas, ele me deixa falando sozinha. Ele para e recua ao ouvir a voz grave que o atormenta.

- Sempre foi. Por que mudaria?

- Aiden! Por onde andou!? - Recusando sua mão estendida, ergo-me sozinha. Resmungando por não suportar mais o peso da saia, arrasto-me até ele e indago, irritada. - Onde estava!? Vc sumiu praticamente a festa inteira, porra! O que fazia!? - Um olhar frio e ele me adverte.

- Não jogue a sua raiva em mim, baby. O seu foco é ele. 

- Não me diga o que fazer! Meu foco é onde eu quiser!

- Ontem vc não estava assim, baby. - Considera ele, atraindo a atenção do panda. - Não quando eu te vesti.

- Não me chama de 'baby'! Nós não tivemos nada ontem!

- Por que está se justificando, meu anjo? Acaso tem medo do que o panda vai pensar sobre nós dois?

- Não...- Engulo em seco e minto. - Não sei quem ele é. Por que faria isso? Por onde andou, Aiden? Por que eu sinto que aconteceu alguma coisa de esquisita nessa festa e vc está envolvido?

- Porque vc tem problemas emocionais e mentais...

- Não ouse rir de mim!

- Não altere sua voz ao falar comigo.

- Não toca em mim ou...

- Não me ameace. - Rosna Aiden com sua mão comprimindo meu braço. - Eu estou mostrando o meu melhor lado a vc. 

- Solta meu braço ou eu te meto a porrada!

- Tenta...- Algo em sua voz me assusta. - Vai me bater?

- Não...- Murmuro, submissa. Desde quando eu tenho medo de homem!? DESDE QUE PERCEBEU QUE ELE NÃO É UM HOMEM COMUM. QUANDO VAI PERCEBER QUE VC TAMBÉM NÃO É COMUM!? ACORDA! Cala a boca e me deixa pensar. - Me solta, por favor. Tá doendo...

- Não chore. - Lamenta ele, soltando meu braço. Recuo, acuada, secando minhas lágrimas. É quando meu corpo colide, novamente, com o do panda furioso. Assusto-me ao ver suas patas espalmadas contra o peitoral de Aiden que, surpreso, cambaleia. Abrindo um sorriso sombrio, ele zomba. - É sério? Vc realmente quer brigar comigo? - Protegendo-me com seu corpo o panda assente com a cabeça. - Quer!? Então retire a máscara ou tem medo de que ele saiba quem vc é?

- Ele quem!? - Grito entre ambos. Aproveito o clima tenso e, enfim, arranco a cabeça do panda. - Eu sabia...- Lamento encarando seus grandes e tristes olhos azuis. Seus cabelos estão molhados de suor quando meus dedos tocam seus fios em desalinho. - Por quê?

- Porque é covarde como sempre foi. - Repete Aiden, enraivecido. Contendo-o com meu corpo, eu me calo, ressentida. Aiden continua a provocá-lo. - E o passado se repete, não é? Vcs se reencontram. Vcs se apaixonam. Vcs a reencontram e ele...

- Cala a porra dessa boca! - Grita Vincenzo antes de socar o rosto de Aiden que, após o golpe certeiro em seu nariz ensanguentado, continua a sorrir. Ele não sente dor!? - Vc sabe o que poderia acontecer a Antoine se ele nos visse juntos! - Alega Vincenzo num tom de angústia. - Por que não impediu esse momento!? Por que sumiu da festa e a deixou sozinha!? Vc sabe que ele está aqui! Vc o conhece! Vc e seu amigo repugnante vieram do mesmo pó!

- Todos nós viemos...

- Por que continua a criar discórdia quando te deram uma segunda chance!?

- Segunda chance!? Quem tá aqui!? Porra! - Escondo meu rosto entre as mãos antes de surtar, aos gritos. - QUE MERDA VCS ESTÃO ME ESCONDENDO???

- Nada, baby...

- Covarde! Ela é só uma criança! - Grita Vincenzo antes avançar sobre Aiden. Encolho-me entre ambos, empurrando com lateral de meu corpo, a barriga redonda e fofa de Vincenzo, forçando-o a retroceder. Desisto de apartar a briga assim que reconheço o choro de Antoine. Meu coração acelera enquanto corro em sua direção. Vincenzo corre ao meu lado. Aiden permanece distante enquanto, ajoelhada, secando seu rostinho com o lenço de Doc, pergunto, entre assustada e intrigada.

- O que aconteceu, filha!?

- Ele apareceu de repente...- Justifica-se Doc, assombrado. - Eu não o vi.

- Ele quem!?

- O palhaço, mamãe. - Explica Antoine, soluçando. - Ele disse que  tinha um presente pra mim.

- Vc o tocou!?

- Sim, pai. - Assume Antoine, arrependida.

- Ei! Vcs dois sabiam de tudo desde o princípio!? Vc sabia que o panda era Vincenzo, filha!?

- Não é hora pra isso, Dess!

- Aaah não??? Vcs me fizeram de palhaça a festa inteira!!!

- Onde está o palhaço, filha!?

- Que palhaço!? Aquela coisa horrorosa da festa!? Ele esteve aqui!? - Indago angustiada sugando, instintivamente, o sangue que goteja do dedo médio de Antoine. Vincenzo me observa com lágrimas nos olhos. Seu semblante expressa sofrimento ao acariciar meu rosto. Ele me confunde ao se ajoelhar ao meu lado e sussurrar. - Somente o amor de mãe saberia o que fazer nesse momento...- Temendo sua resposta, pergunto num fio de voz.

- Fazer o que, Vincenzo?

- Ele sumiu...- Murmura Doc com o olhar distante. - Como nuvem...- Ergo-me e, confusa, pergunto.

- Doc, meu amigo, o que houve?

- Me perdoa, filha. Eu não pude evitar...

- Doc! Olha pra mim!

- Mamãe! - Puxando-me pela barra da saia, Antoine tenta me acalmar, em vão. - Já passou! Olha! - Mostrando-me o dedinho seco, ela narra, com extrema inocência, o que aconteceu. - O palhaço não teve culpa. Ele me deu um cofrinho dourado. Eu peguei o cofrinho e me espetei nele. Doeu. Eu comecei a chorar. Ele ficou com medo do papai e do soco dele. Ele viu a briga do tio com meu pai. Daí, ele riu e foi embora e ainda levou meu presente. É mole!?

- Vc conhece o palhaço, filha?

- Uh-hum...- Responde-me Antoine, cabisbaixa. - Ele é o meu tio. 

- Que tio!?

- Não grita com ela. - Ralha Vincenzo ao meu lado. Seus olhos aterrorizados a encaram ao indagar. - Era o 'tio Lu'?

- Sim. - Levando as mãos ao rosto, Vincenzo se desespera, tomando-a em seus braços. - Fica calmo, pai. Ele já foi.

- Ele não foi embora. - Afirma Doc olhando-me nos olhos. Há medo em seu semblante ao esclarecer. - Ele sumiu.

- Igual a fumaça, mãe. Foi lindo...- Engulo em seco, procurando não surtar.

- Isso é um pesadelo? - Pergunto a mim mesma. - Como alguém some assim? - A figura sinistra de Aiden com seu chapéu e a longa capa esvoaçando sob a ação do vento surge à minha frente. Seu nariz ileso me faz acreditar que estou sonhando. - Como seu nariz...?

- Não foi nada, baby. Vamos embora.

- Não! - Protesta Vincenzo, colérico. Beijando seu rosto suado, Antoine se aninha em suas patas gigantes enquanto ele me lança um olhar desconhecido: o de ódio. - Foi sua culpa! 

- Minha!?

- Cala a boca e me escuta! 

- Vincenzo!? - Reajo, perplexa. - Vc nunca falou assim comigo!

- Esse foi o meu erro, Dess. Eu sempre te tratei como uma garotinha mimada porque eu não via perigo nisso. Agora, por mais um de seus caprichos, a nossa filha está em perigo!

- Não diz isso!

- Vc foi egoísta o tempo todo, Dess! Vc foi a culpada pelo que aconteceu aqui! Ele a machucou e Deus sabe o que pode acontecer graças a vc!

- Não...- Defendo-me aos prantos. - Não fala assim.

- Calada, porra. - Diz ele, entredentes. Eu jamais o vira assim tão transtornado. Tomada por um estranho e súbito arrependimento, eu me calo, permitindo que ele me humilhe. - Eu te falei! Eu te contei tudo! Sua idade mental não se equipara à cronológica! - Doc atravessa a linha que me liga a Vincenzo e, modulando o tom da voz, pede a ele enquanto retira Antoine de seu colo.

- Deixa ela comigo. Conversem com calma. Por favor. - Deixando-me a sós, eu o vejo se despir da fantasia. Encharcado de suor, ele emudece enquanto penso em algo que possa mudar seu humor. Em algo que o faça sorrir e me trazer confiança. 

- Eu não vou sorrir. Tudo tem limite, Dess. Vc passou do seu.

- Não permita que ele fale assim com vc, baby.

- Me deixa sozinha, Aiden...- Imploro num sussurro. - Me espera no carro. - Lançando um olhar indecifrável a Vincenzo, ele rumina antes de partir.

- Como quiser. 



- Vincenzo...- Tomado pela fúria, ele vem até mim com o dedo em riste e me acusa, num tom baixo e cheio de ressentimento.

- Vc sabia de tudo. Eu te contei. Mas vc insistiu em me irritar a noite toda. Vc me perseguiu. Chamou a atenção dele, Dess. Ele não é bobo. Ele sacou tudo e fez o pior com Antoine.

- Do que tá falando? - De cabeça baixa, eu o escuto.

- Vc sabia do risco que ela corria e, ainda assim, continuou a me expor quando eu me escondia atrás dessa estúpida fantasia exatamente pra proteger a nossa filha!

- Proteger de quem? - Atrevo-me a perguntar. - Eu não entendo...

- Entende sim. - Rosna ele. - Vc sugou parte do Mal, Dess. A outra parte ainda está em Antoine e eu não posso fazer nada além de me manter distante...novamente.

- Não. - Agarro suas mãos com as minhas. - Não deixa a gente, Vincenzo. Se ela corre perigo, fica com a gente.

- Vc não entende. - Afasta-se ele, derrotado. Seu olhar aterrorizado encara os paralelepípedos. - Ele matava o fruto entre anjos e mulheres. Ele trucidava crianças indefesas com requintes de crueldade.

- Para...- Suplico entre soluços. - Do que tá falando? Vc tá divagando. Ele quem? Anjos e mulheres? Eu não entendo...- Seu indicador toca a ponta do meu nariz enquanto seus olhos faíscam de raiva. - Me explica.

- Eu te contei tudo e vc não acreditou. Ele sabe quem nós somos e não vai desistir até conseguir...

- Conseguir o quê!? Quem é ele!? O palhaço!?

- Sim, Dess! O palhaço era uma fantasia! Vc o viu! Vc o sentiu, Dess! Não minta pra mim! Eu ouvi seu pensamento! As grandes asas escuras!



- Não não não!

- Olha pra mim! - Ordena-me ele com sua mão em meu queixo. Evito seus olhos fechando os meus. - Vc sabe quem ele é e do que ele é capaz! Ele é o Mau encarnado, Dess! Ele me persegue há séculos e enquanto não eu não me juntar à sua legião, vai tentar machucar aqueles que eu amo! Estúpida! Vc estragou tudo! - Ainda chorando, suplico.

- Não fala assim comigo, amor. Eu tô com medo. Eu vi e, se vc diz ter ouvido meus pensamentos, viu que tentei fugir dali. Vc viu! Não viu!?

- Sim! E por que não foi!?

- Eu tentei! Vc me impediu! Para de surtar!

- Eu estava feliz...

- Não me culpe! Vc ficou ao lado de Antoine e não me deixou sair com ela! Vai negar!?

- Não...

- Então não ponha a culpa em mim! Se existem culpados, somos nós dois, juntos! - Confuso, ele se defende.

- Eu queria que ela se divertisse até o final. Ele não sabia quem eu era até vc retirar a minha máscara...ou cabeça. Sei lá. - Num rompante de pavor em perdê-lo, dou um passo à frente e, com temor, toco em seu rosto. Um olhar distante e ele confessa. - Eu errei também.

- Fala comigo. Olha pra mim...

- Não toca em mim. Ele tá por perto. 

- Já estamos distantes da mansão. 

- Dess! Ele a machucou aqui! Debaixo de nossos olhos!

- Talvez não seja tão ruim quanto pensa...- Com suas mãos em meus braços, ele me sacode enquanto esbraveja. 

- Ele tem o sangue dela! O que vc não entendeu!?

- Não me assusta! Eu não sei o que fazer! Fica com a gente!

- Proteja Antoine. - Atordoado, ele fecha os olhos ao me pedir. - Fica com Aiden. Eu nunca pensei que diria isso, mas, com ele, vcs estarão mais protegidas do que comigo.

- Não! - Impulsivamente, eu o abraço com força. Agarro-me a ele misturando minhas lágrimas ao seu suor. - Me perdoa! Eu não sei do que tá falando, mas me perdoa! Eu não o quero! Eu te amo! Vc sabe disso! A gente vai vencer! Seja lá o que for, a gente vai vencer juntos! Me abraça...por favor. - Suas mãos retiram, friamente, meus braços de seu pescoço enquanto seu corpo se afasta do meu. Sua indiferença dói mais do que sua traição. - Não vai...

- Vc me afastou pra sempre. Mais uma vida jogada fora...- Lamenta ele antes de me dar as costas. Minhas pernas fraquejam. Aiden me ampara antes da queda.

- Covarde. - Rumina ele ao me levar em seu colo até seu carro. Vincenzo se aproxima da janela e, estendendo a mão a Cassandra, sentada no banco traseiro,  murmura.

- Dê a Antoine quando ela acordar. Ela sabe para que serve.  

- Ok...- Assente Cassandra, desnorteada. Sem coragem de encarar Vincenzo, ouço Aiden o insultar.

- Verme. Vc contou tudo a ela. Vc a fez se esquecer de tudo e ainda a culpa? Vc não a merece.

- Eu sei...- Admite ele, caminhando de encontro ao nevoeiro. Quero gritar e implorar que ele nos tire do carro e nos leve consigo e tudo o que ouço é sua voz triste repetir. - Eu sei. Eu nunca a mereci.

"Volta!", imploro sem resposta.



Aiden a deita em sua cama e a beija na testa antes de se retirar de seu quarto. Cassandra se cobre com seu edredom e, respeitando meu doloroso silêncio, apenas me sorri ao afirmar.

- Eu cuido dela, tia. Dorme tranquila. 

- O que Vincenzo te entregou? - Sussurro em seu ouvido, ajeitando sua coberta. Temendo a presença de Aiden, ela responde num tom baixo. 

- Guardei na caixa de joias de Antoine, tia. Agora não rola...

- Entendo. Vá descansar. - Beijo sua testa, lançando a ela um olhar de cumplicidade. - Amanhã a gente conversa.

Forço um sorriso antes de fechar a porta do quarto de Antoine e voltar a chorar enquanto caminho até o meu.

- Eu volto outro dia, Adessa.

- Não, Aiden. Fica comigo. Eu tô com medo e...

- E?

- Arrasada, confusa...

- Quer conversar?

- Não. Só quero tomar um banho e me deitar.

- Ok. Eu fico aqui até vc dormir.

- Não, Aiden. Vc toma seu banho, retira essa maquiagem sinistra e volta a ser o Aiden que não me assusta. Pode ser?

- Claro. - Assente ele, sorrindo. - E então eu fico aqui até vc pegar no sono e vou embora.

- Aiden...- Reviro os olhos, exausta, suja e extremamente triste. - Fica comigo essa noite. Durma ao meu lado. Tenho receio de que algo de ruim aconteça a Antoine. Vincenzo me deixou com muito medo. 

- Idiota...

- Não fala assim dele. Eu ainda...

- Vc o ama. Eu sei. Onde fica o banheiro?

- Tá vendo aquela portinha azul ali a dois passos daqui? - Uma risada infantil e ele comenta.

- Aquele é o seu banheiro, baby. É particular.

- Aaai, Aiden! - Jogo-me contra o colchão e, de olhos fechados, proclamo. - Ok! Eu te dou o direito supremo de usar o meu banheiro para tomar seu banho. Ok?

- Obrigado. Sinto-me honrado.

- E eu sinto que vou perder a paciência se vc não retirar essa maquiagem de homem mau do seu rosto. - Recuando, ele volta a sorrir. - Fique à vontade. Ok?

- Ok. Volto já. - Escondendo um sorriso, ele tranca a porta e eu mergulho em minha tristeza profunda, encolhida entre os lençóis. Estou sem rumo. Sem Vincenzo, estou sem rumo. Ele não pode me deixar. Ele não pode deixar Antoine. Ele não pode partir e me deixar sozinha nessa vida. Como enfrentar o mal sem o seu amor? Ele não pode ir e voltar quando quiser. Isso precisa acabar. Eu preciso de paz. Eu não quero...não vou surtar acreditando naquele papo doido de palhaço do mal com o sangue da minha filha. Não vou. Pronto. Decidido. Eu me nego a acreditar nessa babaquice de homem transtornado! - Em que está pensando? - Arquejo, assustada, debaixo do lençol de onde lanço outra pergunta. 

- Como tomou banho tão rápido!?

- Demorei, baby. Vc é quem ficou aí, chorando e se lamentando por muito tempo. Não vai tomar seu banho? - Pergunta-me ele enquanto arremesso o lençol contra o tapete e o vejo melhor. Uau. Ele está diante de mim, usando somente sua camisa social. Suas pernas são grossas; os pés, grandes. Lembro-me do que dizem sobre homens com pés grandes e uma estúpida gargalhada escapa de minha boca. - O que foi? Tem alguma coisa errada em mim?

- Não não! - Ergo-me ainda rindo. - Eu é que sou boba e penso em bobagens! Faz sentido! - Abro minha gaveta de pijamas e retiro o mais infantil. - Pessoas bobas falam bobagens o tempo todo. Ops! - Esbarro em seu corpo antes de chegar ao banheiro. - Ainda estou tonta.

- Bebeu demais e não comeu nada.

- Uma empada! - Grito do banheiro.

- O quê!? - Debaixo do chuveiro, grito novamente. - Comi uma empada de queijo! Ah! E vomitei tudo! Satisfeito!?

- Ainda não! - Responde-me ele do quarto. Gostei. Ele não passou dos meus limites. Não cruzou o umbral da porta do banheiro na tentativa em me ver nua. Isso é bom ou ruim? Não sei. Será que ele me deseja? - Só estarei satisfeito quando estiver aqui, ao seu lado. Não demore!

- Não vou...- Retruco, desanimada, sob a água morna. O que eu fiz? Por que o convidei a dormir aqui? Ele vai se controlar? Eu vou me controlar? Ele vai me odiar se eu rejeitar seus carinhos? Eu vou me contentar em, literalmente, dormir com aquele deus grego encostando-se ao meu corpo? Será que o pau dele é grande!? Ridícula! Isso é coisa para se pensar depois de tudo o que passou hoje!? 

- Aiden! O que é isso!?

- Comida. - Responde-me ele, placidamente. Ao seu lado, sobre a cama, uma bandeja com iogurtes, pães, manteiga, xícaras e um bule com algo fumegando dentro dele. - É chá. É bom para acalmar os nervos.

- Os nervos...- Repito enquanto enxugo meus cabelos úmidos. - Vou tomar o bule todo.

- Posso? - Pergunta-me ele tomando de minhas mãos, a toalha úmida. 

- O quê? 

- Pentear seus cabelos.

- Deve...- Sentada no colchão, coberta do pescoço aos pés, cruzo minhas pernas. De joelhos, atrás de mim, ele manuseia a escova com a habilidade de meu cabeleireiro. Exalo a cada passada das cerdas em meu couro cabeludo. - Vc já fez isso antes?

- Sim.

- Mulher de sorte...- Deixo escapar, relaxada.

- Eu pensava o mesmo. Mas, ela me deixou...

- Estúpida...

- Não. Era inocente. Foi corrompida por um homem maligno. Mas faz tempo. 

- Ei! Vc tá fazendo...!?

- Uma trança. Gosta?

- Amo. Minha mãe costumava fazer. Faz tanto tanto tanto tempo...

- Pronto. Vc está linda, meu anjo. - Sussurra ele em meu ouvido. Minha nuca se eletriza. Num salto, caminho até a cômoda onde deixo a escova. Arremesso a toalha molhada contra o cesto de roupas sujas e, ao me virar em sua direção, engulo em seco, recuando, sutilmente. Que homem é esse!? Recostado à cabeceira, ele me parece desconcertado. - Algum problema? Eu posso dormir no chão ou no sofá. - Saltando sobre o colchão, refuto.

- Eu te convidei pra dormir na minha cama, tolinho. Ainda tô com medo. Vc se importa de ficar aqui, pertinho de mim? - Um outro risinho tímido e ele responde.

- Nunca. Adoraria dormir pertinho de vc.

- Aaaah tá...- Estralo os dedos das mãos, sem saber o que dizer ou como agir.

- Chá?

- Sim! - Respondo de boca cheia. - Como adivinhou que amo esses biscoitos!? Hmmmm! Estou faminta! Nossa! Que delícia de chá! Ai! Eu tô falando muito, né!? Por que tá me olhando desse jeito!?

- Porque eu amo te olhar. Te observar. Eu amo seu jeito de ser.

- Isso é título de música! 'Oooh, baby i love your way...'- Cantarolo.

- 'Everyday'.

- Vc conhece essa música!?

- Sim. Nós já dançamos juntos.

- Sério!? - Engulo outro gole do chá na xícara  entulhando biscoitos em minha boca. - Eu não me lembro...- Seus olhos brilham quando comenta, nostálgico.

- E eu não me esqueço.

- Vc é esquisito...

- Eu sei. - Assume ele tomando um gole do chá de erva cidreira e algo a mais. De pernas cruzadas, cabelos úmidos e espetados, à minha frente, ele argumenta. - Sou esquisito e solitário. Esperei por muito tempo até encontrar alguém que me fizesse feliz. Havia luz em seus olhos antes de partir. Havia um filho que me amava. Eu poderia ser menos esquisito hoje se o homem maligno não houvesse entrado em nossas vidas e levado minha esposa e filho com ele. Seria menos esquisito se ela não me tivesse aprisionado a uma maldição.

- Uau! - Engasgo devolvendo a xícara à bandeja. - Eu não esperava ouvir o enredo de um filme de terror, Aiden! Vc é, de fato, esquisito! Caraca! Sério! Vc acaba de ser condecorado com a faixa de "O homem mais esquisito do ano"! Parabéns!

- Não ria do meu sofrimento, baby. Foi real. 

- Perdão. Não tô rindo. Só não esperava por seu relato. - Pigarreio e assumo, arrependida. - Eu tô sem jeito.

- Por quê? - Pousando a xícara sobre a bandeja, ele se curva para frente e, bem próximo à minha boca, ele murmura. - Não fique. Fale o que quiser. Faça o que desejar. - Um estúpido riso transforma-se em uma gargalhada quando penso no que desejo fazer com ele. Espero que não ouça pensamentos como Vincenzo. Vincenzo. Onde estará Vincenzo agora? - Aonde vai!?

- Deixar isso na pia. - Esclarece-me ele, desapontado, carregando a bandeja em em seus braços. - Volto já.

Jogo-me contra o colchão, odiando-me por pensar em um homem que não me ama, tendo outro aqui, ao meu lado. Estou berrando contra o travesseiro, esperneando, quando sinto seu peso sobre a cama. Apoiando o cotovelo sobre o seu travesseiro,  Aiden me observa, calado. 

- Eu sou infantil. - Assumo. Ressentida, repito o que ouvira de Vincenzo. - Minha idade mental não se equipara à cronológica. 

- Bobagem. Vc é impulsa. Só isso. - Recosto-me à cabeceira. Sua mão livre - e fria - acaricia minha bochecha. - Eu sempre te aceitei assim, mas vc me deixou assim mesmo.

- Aiden, não. Eu não quero ouvir esse papo de vidas passadas. Ok?

- Ok. E o que vc quer fazer? - Sussurra seus lábios carnudos contra os meus. - Me peça e eu faço.

- Eu tô com medo, Aiden. 

- De quê? De me beijar?

- Sim...

- Então não beije. Vamos dormir. - Diz ele, afastando-se de mim. Cruzando as mãos sob a nuca, ele me provoca. - Sinto muito por não ser Vincenzo. Com ele, vc não teria medo. Afinal, é um homem sempre presente. Um homem que jamais te humilhou e que, certamente, jamais te traiu com outra mulher. 

- Não fala assim. Vc não o conhece.

- Engano seu. Eu o conheço há mais tempo do que gostaria. - Refuta Aiden, deitado, de costas para mim. - Há mais tempo do que vc o conhece. 

- Aiden, olha para mim. Não me assusta. Não gosto dessa conversa.

- Vamos dormir. 

- Não! - Protesto saltando da cama. Descalça, vou ao seu encontro do lado oposto. Diante dele, ordeno com as mãos na cintura. - Olha pra mim! Conversa comigo!

- Estou cansado, baby...

- Não! - Ajoelho-me na beirada da cama. Seus olhos se fecham enquanto tento chamar sua atenção. Estilhacei o clima romântico em milhares de pedaços e, agora, preciso dizer algo que o traga de volta. Aveludando minha voz, comento. - Não quero dormir agora. Eu preciso de vc. Não durma. Olha pra mim. - Abrindo os olhos escuros, ele enfatiza.

- Estou olhando, baby. Sempre olhei. Sempre te quis e, agora, que estamos aqui, vc não para de pensar nele.

- Vc ouve pensamentos!? 

- Não. - Responde-me ele, sentado na beira da cama. - Não tenho poderes como o seu anjo. 

- Ele não é meu. Tampouco, um anjo. Eu reconheço seus defeitos e não quero falar nele. Para de me lembrar dele. - Uma olhadela para a varanda de meu quarto e sorrio. - Está chovendo. Eu amo a chuva.

- Eu também. Nós dançamos sob a chuva.

- Foi?

- Sim. Mas isso aconteceu há muito tempo...

- E se dançássemos novamente?

- Vc perderia o medo de me beijar?

- Talvez. Meu medo é de me apaixonar por vc e te ver partir, Aiden. - Erguendo-se da cama, ele me ergue do chão. Em pé, ele envolve seu braço em minha cintura ao afirmar.

- Eu nunca vou te deixar. Nunca. Eu preciso de vc, meu anjo. Mais do que imagina. - Reviro os olhos e, exausta, replico.

- Odeio essas frases ambíguas. Vc e Vincenzo vivem fazendo isso.

- Eu vou embora. - Decide-se ele, vestindo sua calça preta. - Não admito ser desprezado novamente.

- Eu não te desprezei! - Defendo-me num tom de voz mais alto. - O que colocou no chá!?

- I beg your pardon??? De onde tirou isso??? 

- Eu tô sentindo um gosto ácido na língua...- Impaciente, ele se senta na poltrona onde calça os sapatos. - Espera! Não vá! Eu estraguei tudo! - Admito, sentindo-me tonta. - Vamos começar do início? Por favor...- Sento-me em seu colo. Beijo seu pescoço másculo, inspirando seu cheiro de floresta. - Não quero que vá. Fica comigo...- Ronrono em seu ouvido.

- Baby...

- Vc me leva até a cama? Não consigo andar...- Em seus braços, deito-me no colchão. - Amo o cheiro da chuva. Tá sentindo? 

- Sim. Posso te tocar?

- Por que precisa me perguntar? Faça o que quiser.

- Tenho sua autorização?

- Cacete. Vc precisa da minha autorização pra me foder?

- Baby! Não me instigue!

- Por que não? Vc não me quer? 



Provo do seu beijo, de sua boca carnuda. Sento-me em seu colo. Seu pau está ereto sob a cueca boxer. Suas mãos apalpam meus seios sob a camisa do pijama de borboletinhas. Penso em arrancar a calça e me deixar penetrar. Um medo de retornar à vida desregrada que vivia antes de Antoine me curar, ressurge, num repente. 

- Desculpa...- Peço de pé, em frente à cama. - Eu não consigo. E se a ninfomania voltar com força? E se eu me perder novamente?

- Eu te encontro e te trago de volta, baby. - Deixo-me conduzir por seu braço estendido até a varanda molhada. Sob os pingos da chuva, ele me guia ao som de uma canção que ele cantarola. Parecendo-me feliz, ele fecha os olhos enquanto eu o acompanho, ouvindo seu coração bater acelerado. - Consegue ouvir a música? Foi a primeira e última vez em que dançamos juntos. Vc esperava um filho meu. Um filho legítimo. Foi o momento mais feliz de minhas vidas. 

- Seja lá o que eu tenha feito de errado, me perdoa. - Peço contra seu peitoral. - Eu não me lembro, Aiden. Eu nem sei se acredito nisso.

- Não precisa me pedir perdão, baby. Não faz nada. Fique aqui, quietinha, e nada de ruim vai te acontecer. 

- Eu estraguei tudo...

- Eu não vim até aqui pra te foder, baby. Vc me convidou para dormir ao teu lado e é isso o que farei.

- Vc é um cavaleiro, Aiden. - Digo ao olhar em seus olhos mais claros do que o normal. Um sorriso no canto de sua boca e eu volto a arfar. - Me beija novamente?

- Vou pensar no seu caso...

Beijando-me com furor, ele me carrega de volta à cama. O peso de seu corpo contra o meu me faz gemer de prazer. Seu beijo é diferente dos que já provei. É intrusivo, lascivo, faminto. Algo em seu olhar incisivo me faz querer retroceder. Tarde demais. Não se brinca com um homem assim. Não com Aiden. Vincenzo riria de mim se eu desistisse agora. Aiden não. Sinto que Aiden perderia a compostura e me trataria com violência. Talvez, seja isso que eu deseje dele, nesse momento.

- Gostava de ser vista durante seus vídeos, baby?

- Sim...- Respondo num longo gemido enquanto ele arranca a calça de meu pijama com uma das mãos. A outra está em meu pescoço. - Não me machuca...

- É um pedido? - Sorrio enquanto ele me sufoca. Seu pau está entre as minhas pernas quando o ringtone com a nossa canção toca, num desespero. 



- De onde vem?

- De lugar nenhum...- Respondo, confusa, prendendo Aiden ao meu corpo, com minhas pernas cruzadas sobre sua lombar. - Deixa tocar. É algum idiota me ligando. Eu preciso mudar essa música...

- Quer atender?

- Aiden! Não para! - Grito, tonta, triste e excitada. - Merda! Espera! - Aiden rola para o lado enquanto alcanço o celular na mesa de cabeceira e o arremesso contra a parede. Antes de arremessá-lo percebo que há várias mensagens de Vincenzo, o que me deixa ainda mais confusa, triste e intrigada. - Parou...

- Meu anjo, não precisa ser hoje. Foi um dia cheio e difícil para vc.

- Foi sim. - Concordo deitada ao seu lado. De mãos dadas a ele, peço perdão. - Eu não sei o que fazer, Aiden. Eu te quero muito. Desde que te vi pela primeira vez, eu te desejei, mas pensei que fosse gay...- Enfim, ele quebra o gelo e, gargalhando, de olhos fixos no teto, comenta.

- Não sei de onde tirou essa ideia...

- Nem eu. Sweet ainda me avisou de que vc não era gay. Aquela ali conhece tudo de homens.

- E de mulheres também. Não é?

- Sim.

- Não se envergonhe. Sei que já tiveram algo no passado.

- Não tivemos nada. Foi um lance profissional. Ela diz que gosta de mulheres. Eu não.

- Que mal há em provar de tudo?

- Não gosto dessa teoria. Só quem já provou de tudo como eu, pode refutá-la. Não há nada além de sofrimento, solidão, perigo e culpa ao se mergulhar nesse mundo, Aiden. Eu me retirei antes de enlouquecer.

- Como assim? - Gosto de estar de mãos dadas a ele. Apesar de frustrado, ele ainda continua aqui, ao meu lado, sem me ofender ou recriminar com o a puta que não quis foder. Deitado, olhando em meus olhos, ele alega. - Não conheço essa teoria.

- Já ouviu a expressão "Um dia a conta chega''?

- Não.

- Pois é. Já conheci várias colegas de trabalho que surtaram após anos de trabalho com o corpo. Essa ligação íntima com qualquer um, enlouquece, mais cedo ou mais tarde. Não há nada de encantador na vida de prostitutas, garotas de programas ou algo parecido. E a expressão "vida fácil" deve ter sido criada por um imbecil porque nada há de fácil em nossas vidas. Vc não faz ideia do que já fui obrigada a fazer por dinheiro. Nossa. Falei demais.

- Gosto de quando fala demais, anjo. Costumávamos conversar após o sexo em nossa cama que rangia. Quando vc ainda não o conhecia. Quando ainda éramos felizes.

- Se eu era feliz com vc, Aiden, por que eu fugi com outro homem? Não faz sentido.

- Ele era mau e usava de sortilégios. Ele a enfeitiçou e a fez se virar contra mim. - Beijo sua boca quente e, num arroubo de carinho, distribuo beijinhos em seu rosto ao pedir perdão. Envergonhado, ele ri e pede que eu pare. - Sou tímido.

- Eu sei. É isso o que me atrai em vc.

- Então, eu tenho chances?

- Todas. - Ajoelho-me no colchão e, num ímpeto de lascívia, retiro a camisa de meu pijama. Meus seios à mostra o fazem arfar.

- Vc é linda, baby...- Vestindo somente a parte de baixo da minha lingerie, monto em seu tronco e, ao começar a me esfregar em sua pele lisa e macia, ouço o grito de Antoine. Imediatamente, recuo até voltar a pôr os pés no chão e correr até seu quarto. - Vista-se. - Aconselha-me Aiden com meu pijama em seus braços. Agradeço e me cubro, aflita. Abro a porta e, desnorteada, eu a vejo chorar.

- Dói, mãe. Dói. - Reclama ela mostrando-me seu dedo médio inchado e avermelhado. - Faz parar, mamãe! Faz parar!

- O que eu faço!?

- Eu faço. Se afasta. - Cedo meu lugar a Aiden que se ajoelha diante de Antoine e, sorrindo, seca suas lágrimas com o dorso de sua mão antes de fechar os olhos e pronunciar palavras em um dialeto desconhecido. Segurando sua mãozinha, ele beija seu dedo sem parar de recitar as tais palavras até que ela, entusiasmada, exclama. 

- Parou, mamãe! - Abraçando Aiden, ela o beija no rosto e o enche de felicidade ao comentar. - Vc é o meu tio preferido! Te amo, tio Aiden! Se quiser, pode ser meu segundo pai! Eu posso ter dois pais, não é mamãe!?

- Aaaah....não sei. Falamos sobre isso depois, filha. Agora volte a dormir. Amanhã, iremos ao médico. - Eu não posso pagar por consultas particulares. Não mais! O que faço!? - Vai dar tudo certo, filha. Deve ser alguma infecção. - Justamente no dedo perfurado pelo cofre do maldito palhaço!? - Durma, filha.

- O tio Aiden vai dormir com a gente, mamãe?

- Sim. Vamos todos dormir juntos. Que tal?

- Uau! Vou montar minha cabana e nós quatro vamos poder dormir juntos e o tio Aiden conta histórias pra gente! - Vibra ela enquanto imagino o quão frustrado ele deve estar. 

- Desculpa por hoje. 

- Não se desculpe. Estou me divertindo. Onde fica a barraca? Vamos dormir agarradinhos...como nos bons e velhos tempos. - Retirando a barraca inflável do meu armário, dou uma olhadela ao celular jogado no chão. Feliz por não ter danificado sua tela, conto as dez mensagens de Vincenzo. 

- Maluco psicopata narcisista. - Resmungo ao abrir a primeira onde leio: 

"Vc deu permissão para que ele a tocasse??? Não dê!!! É perigoso, Dess! Ele vai destruir sua vida!!! - Humilhada e magoada digito uma mensagem em retorno.

"Perigoso é ter vc por perto. Me esquece, Vincenzo. Eu vou seguir o seu conselho. Já deu. Aliás, já dei. Vou ficar com Aiden. Tenha uma ótima noite, se puder".

Choro ao enviar a mensagem e cortar os laços que me prendem a ele.





- Cacete, Aiden! Que susto!

- Perdão. Vc me deu permissão para usar o seu banheiro. Não quis te acordar. Precisei de um banho frio depois de ontem. - Adoraria poder contar quantas tattoos tem em seu corpo, mas evito olhar em sua direção. Antoine e Cassandra estão acordadas e eu...eu ferrei tudo ontem à noite! Merda! - Vc tá esquisita.

- Na não. Impressão sua.

- Por que não olha pra mim? Não gosta do que vê?

- Puta que pariu, Aiden! Como é que eu não gostaria do do do seu seu...- Solto o ar pelo boca e, desorientada, peço. - Dá pra se cobrir com a toalha!? - Uau. Seu pau é imenso e perfeito. O que eu perdi ontem??? Idiota!!! Culpa daquele imbecil do Vincenzo!!! - Não se move! Eu vou pegar uma toalha nova!

- Não quer tomar um banho comigo?

- Aiden...- Ronrono. - Não faz isso. Sabe que não posso agora. Antoine tá acordada. - Caminho até ele com a toalha limpa em uma das mãos. A outra alisa seu tórax deslizando até o braço. Meu diafragma move-se como um fole de uma sanfona quando pergunto. - Essa é a tattoo da mulher que amou?

- Sim. 

- Ela me lembra alguém.

- É óbvio.

- Sua pele é macia...gostosa...cheirosa. - Enrolando a toalha na cintura, ele tranca a porta do banheiro e me olha com malícia. - Aiden...- Cochicho. - Não. Ela vai sacar tudo.

- Não vai não...baby. - Reviro os olhos e reclamo.

- Odeio esse 'baby'.

- E eu adoro seu corpo. - Diz ele retirando a camisa de meu pijama pela cabeça. Sua boca sedenta suga meus mamilos. Sua língua penetra minha orelha. Puxo a toalha de sua cintura. Tapando minha boca, ele abafa meus gemidos. Num rápido e brusco movimento, ele me ergue com suas mãos em minhas coxas e, empurrando-me contra a parede, sem parar de me beijar, enfia seu pau em mim. Agarro-me em seu pescoço enquanto sinto suas estocadas violentas. - Mais forte? - Pergunta-me ele num rosnado. 

- Sim. Me machuca...- Rimos com o barulho de minha cabeça contra o azulejo enquanto quico em seus braços. - Vai. Me rasga ao meio. - Rosno antes de gozar e me esquecer de onde estou. Cravo minhas unhas em suas costas curvadas. Ele puxa o ar entre os dentes. Ainda mais excitada, mordo seu pescoço. Seus olhos brilham intensamente. Sua mão em meu pescoço me sufoca. Seus dentes em meus mamilos me machucam. Sua força se multiplica. Minhas costas doem de encontro à parede, mas eu não reclamo. Afinal, ele é exatamente como imaginava: violento. Um tapa em meu rosto e arquejo, assustada. Tenho meu segundo orgasmo quando, de súbito, ele me solta e se afasta. - Não vai...?

- Gozar em vc?

- É. - Respondo, desapontada. - Fiz alguma coisa de errado? - Envergonhada, cubro meu corpo com a camisa do pijama. - O que houve? É porque não usamos camisinha?

- Não, baby. - Diz ele franzindo a testa. - Não posso ter filhos. Não me permitem.

- Oi???

Aiden destranca a porta do banheiro e segue até o corredor. Ele caminha enquanto se veste, desajeitadamente. Eu o sigo, fazendo o mesmo. Ele abre a porta da sala e, olhando-me decepcionado, acena para mim.

- Ei!!! O que eu fiz de errado???

- Nada. Eu perdi o controle, baby. Desculpa. Eu não queria te machucar. - Apertando o botão de chamada do elevador, ele me observa. - Eu já fui melhor. Não sei se vou conseguir.

- Conseguir o quê, Aiden!? Vc foi ótimo lá dentro!

- Não se trata de sexo, Adessa. É algo muito mais sério do que isso. Te vejo mais tarde...baby.

- Não! - Grito contra a porta do elevador que se fecha. Segundos antes, sufoco um soluço ao rever o reflexo sinistro num dos espelhos. Aterrorizada, recuo e o vejo partir, em silêncio. - Quem é vc? - Pergunto a mim mesma de volta ao apartamento. Cassandra me aguarda, apreensiva. 

- Tia! Aquilo voltou!

- Deus do céu! O dedo!? - Corro, angustiada, até o quarto de Antoine. Cassandra, logo atrás de mim, tenta dizer algo que não escuto. - Filha! Mostra o dedo! - Peço, de joelhos. - Onde dói!?

- Não dói, mãe.

- Tia! Ela disse que viu um amigo!

- Onde!? - Há medo no semblante de Cassandra ao responder.

- Aqui. Agora.

- O Luka veio me visitar, mamãe. Ele tá muito triste. Triste mesmo.

Deito no chão do quarto e, encarando o teto, suspiro um pedido.

- Jesus me ajuda. 



Não vejo Aiden desde que transamos em minha suíte. Nenhum telefonema, mensagem. Nada. Eu sabia que ele me abandonaria. Talvez, não tenha gostado de meus beijos ou do meu corpo. Ah! Não posso pensar nisso agora. Não enquanto ponho meu carro à venda, com um valor bem abaixo do mercado, em um site específico. Não demorou muito e já tenho um comprador que se nega a aceitar uma vídeo chamada pelo celular. 

"Como vou confiar em sua honestidade?", escrevo no campo destinado a conversação entre os integrantes do site.

"Basta me dar seus dados bancários e, hoje mesmo, deposito a quantia em sua conta".

- Esquisito isso...- Penso alto.

- O que, mãe? - Pergunta-me Antoine sentada ao meu lado, no banco do carona. Ainda não me esqueci do incidente da noite em que ela alegara ter conversado com Luka. Por isso, nós duas o aguardamos na saída do colégio por mais de uma semana. - Mãe!?

- Nada, filha. Ele não veio de novo?

- Não...

- Não chora, filha. Ele deve estar doente. Alguma virose.

- Vamos até a casa dele, mamãe. - Pede-me ela, entristecida. - Tô com saudades dele. - Enxugando suas lágrimas com meu polegar, prometo.

- Amanhã a gente vai até lá. Ok? Aposto que ele vai estar tomando uma taça de sorvete na frente da TV.

- Não vai não...

- Por que diz isso? - Um forte arrepio na nuca e paro diante do semáforo. A luz vermelha me tira do foco enquanto a ouço responder.

- Porque ele me disse que tá com fome e com frio. Ele tá perdido, mãe. - Minha voz trêmula indaga.

- Onde?

- No mesmo lugar onde a Giulia tá. 




Vou ao encontro da mãe de Luka no endereço onde o deixamos no dia em que o conhecemos. Subo ao apartamento seguindo as orientações do porteiro. A porta, entreaberta, me causa espanto. Qualquer um poderia entrar aqui e roubar o que quiser. Olho ao redor e concluo, com tristeza, que não há muito a ser roubado.

- Tem alguém aí!? - Anuncio minha chegada enquanto caminho pelo pequeno apartamento imundo e desorganizado. Penso que, em breve, Antoine e eu estaremos habitando em um tão pequeno quanto esse e prometo a mim mesma que jamais o deixarei chegar a esse estado. - Pobrezinho. - Lamento ao entrar em seu quarto. A porta range atrás de mim. Ao lado de seu computador antigo, a selfie que tiramos no restaurante.  Seguro o choro ao ler, atrás da foto impressa: "O melhor dia da minha vida". Sento-me em sua cama com farelo de biscoitos. Sinto sua apreensão, tristeza, ansiedade. Ergo-me, de súbito. Encaro meu reflexo fosco em seu espelho na porta de um antigo guarda-roupas. Com receio, meus dedos tocam na superfície espelhada. Sorrio a ver Luka vestido com a fantasia que lhe dera de presente. 

- Ele se preparou pra ir à festa! Por que não o levaram!?

- Quem é vc!? - Sufoco um soluço e, ao me virar na direção da porta do quarto. Horrorizada, eu a vejo. - Como entrou!?

- A porta tá aberta...- Sussurro, amedrontada. Ao seu lado, a figura sinistra que vira no banheiro incitando Luka a se mutilar, me encara com fúria. Se eu já temia pela vida de Luka, agora, temo pela vida de sua mãe. - Vc é a mãe de Luka? - Com uma garrafa de vinho em uma das mãos, ela ignora minha pergunta, ordenando que saia de sua casa. - Fica calma, por favor. Sou amiga dele.

- Ele não tem amigos. - Rosna ela, esvaziando a garrafa. Absolutamente destruída por fora, imagino que ela sofra, por dentro. Sua voz embarga ao prosseguir. - Meu filho nunca foi amado. Nunca. Nunca o trataram com respeito. Meu filho...- Lamenta ela, desesperançada. - Ele precisa ouvir que eu o amo. Ele precisa saber que não fui boa mãe porque eu tinha que trabalhar em dois empregos pra sustentar essa casa e o colégio dele. Quem tem forças pra dar carinho ao filho depois de ficar em pé por quatro horas no trânsito, trabalhar mais nove e ainda ter que limpar tudo? - Um soluço e ela aponta a garrafa vazia ao seu redor. Sua voz entaramelada reclama. - Olha. Olha como ele deixa tudo sujo.

- Posso ajudar. Onde ele tá agora?

- Não sei. - Diz ela jogando-se sobre o colchão de solteiro do filho. Aos prantos, ela grita. - Eu preciso saber onde ele tá! Não vejo meu filho há uma semana!

- Uma semana!?

- Vc é surda!? 

- Calma. Vamos achar o Luka. Prometo. - Agarrando-me pelas mãos, ela as beija e pergunta. - Vc é da polícia!? Eles vão procurar pelo meu filho!? - Observo o olhar maligno da criatura que a incita a ser grosseira. Se eu disser que sou apenas a mãe de uma de suas amiguinhas do colégio, ela vai extravasar sua raiva e dor em mim, logo, minto. - Sim. Sou detetive. 

- Vc me viu naquele dia!? - Um lampejo de esperança perpassa por seus olhos inchados de tanto chorar. -  Eles não deram a mínima pra mim. É porque sou pobre. Eu disse que meu filho não tem amigos. Não é de sair por aí. Eu disse. Vc me ouviu!?

- Sim. - Minto outra vez. - Eu ouvi e resolvi agir por conta própria. Me conte tudo. Qual o seu nome?

- Regina. Meu filho é o Luka. É um menino de ouro. Uma pena eu não ter dito isso a ele...

Choro vendo-a chorar. Ela sofre por ter se ausentado a fim de sustentar o filho sozinha. Temendo cometer o mesmo erro, eu a abraço. Ela me aperta forte e me pede, num sussurro.

- Ache meu filho e o traga pra mim. 

- Eu vou. - Prometo. Evitando olhar para mim, ela me aconselha, num tom quase inaudível. 

- Cuidado com o monstro.

- Eu terei...



Traçando um círculo de proteção com giz de cera, no chão do quarto de Luka, eu a seguro pelas mãos e invoco Arcanjo Miguel. 

- Pelo amor que nos une aos nossos filhos, eu te expulso dessa casa! - Declaro em voz alta. Uma risada satânica ecoa pelo corredor enquanto tento manter Regina acordada. Alcoolizada, ela tomba para o lado e adormece. - Vc precisa me ajudar a te ajudar! - Grito estapeando seu rosto. - Acorda!

- Desista.

- Ainda aqui, maldito! Suma ou eu te desintegro!

- Vc não tem forças para isso...- Zomba o ser maligno. Erguendo uma das minhas sobrancelhas, refuto.

- Não tenha tanta certeza. Não sou o que pareço ser. - Um gesto com minhas mãos diante de seu olhar atormentado e ordeno. - Suma.

- Vc tem força. - Concorda o ser bizarro antes de sumir. - Tente usá-la para salvar a sua filha. O menino, vc perdeu...

Com o coração oprimido, eu me despeço de Regina após ter limpado um pouco da imundície de sua casa. Ela deve ter se entregado ao desespero após o segundo dia sem o filho e simplesmente desistiu de tudo. Como culpá-la por tanta sujeira?

Eu lhe dei um banho e lhe prometi que traria seu filho de volta, ainda que algo me dissesse que não conseguiria. A pobre mulher parece não dormir há séculos. Trocara suas roupas de cama e a deixara descansando. Ao seu lado, em uma pequena mesa de cabeceira antiga, deixei um envelope com algumas notas de cem. Se eu pudesse, deixaria mais. Juro. Não sei até quando irei manter meu nível de vida. 

Aproveito os últimos momentos com meu carro 'zero' já vendido e penso em compartilhar minhas últimas experiências com meu melhor - ou único - amigo. Chego ao California e estaciono meu carro atrás do carro de Sweet. De Sweet??? Que diabos ela faz aqui??? Ela não trabalha mais aqui!!! Será que teve uma recaída pelo dono dessa espelunca??? 

- Duvido muito...

- De que, meu anjo?

- Doc! - Feliz e intrigada, eu o abraço com força. - Vc não faz ideia do que eu soube hoje! Eu preciso de sua ajuda!

- Tenha calma. Seu coração está descompassado.

- Doc! É sobre o Luka! Ele foi...- Hesito. - Eu acho que ele foi à festa, Doc e, agora, está desaparecido!

- Isso é sério. Como posso te ajudar? - Logo atrás de Doc, algo atrai minha atenção.

- Sweet!? - Eu a chamo de dentro do bar escondido pela penumbra. Daqui, ela me parece branca como cera. - O que faz aqui!? Vc não disse que havia se demitido!?

- Sim.

- Sei. - Pulo sobre o balcão liso e limpo onde costumava beber com clientes. Ergo-me do chão e, encarando seu olhar confuso, meio que ordeno. - Desenvolva! O que tá fazendo aqui!?

- Nada, filha. - Apazigua Doc puxando-me pelo braço. - Vamos conversar lá fora. 

- Não! Eu não estou nervosa e não vou quebrar nada! Só quero saber o que a minha amiga tá fazendo no lugar onde ela disse que não pisaria mais!

- Vc disse o mesmo e está aqui! - Refuta ela, dando-me as costas. Corro até ela e a confronto.

- Eu tenho um amigo aqui, Sweet! E vc!?

- Eu eu eu eu...

- Fala, porra!

- Menos, Adessa. Menos. - Aconselha-me Doc, apreensivo. Que merda está acontecendo por aqui!? - Adessa, vem! - Ordena-me Doc. - Agora!

- Deixa, Doc. É bom que ela saiba. - Murcho ao reconhecer sua voz. 

- Vincenzo?

- Dess...

-  O que vcs dois...? Vc e ela...? Tu tá abraçando ela!?

- É o que casais fazem. 

- Casais??? 

- Controle-se, filha. - Rosna Doc segurando-me com sua mão gigantesca em meu braço. - Eu te conto depois. Agora venha comigo. Por...favor. - Sem opção, sou arrastada por Doc enquanto tento assimilar o que acabo de ver com meus próprios olhos. A mão de Vincenzo roçava a cintura de Sweet ou estou tendo alucinações. ELES ESTÃO JUNTOS??? - Filha, calma. Respira. - Pede-me Doc sentado ao volante de seu carro. - Vou tentar te explicar algo que não compreendo.

- Não precisa, Doc. Eu já saquei tudo. - Murmuro devastada. - Ele me deixou como disse que faria. É só isso. Só não entendo porque tem que ser com ela. Ele sabe de nosso passado. Conhece meus problemas com ela. Sabe que a invejo. Que morro de ciúmes dela...- Confesso.

- Não precisa, filha. Vc é muito melhor do que ela em todos os sentidos. 

- Para, Doc. - Digo entre soluços. Assoando meu nariz com seu lenço, dou continuidade ao meu drama. - Ela é mais jovem e atraente do que eu. Ela era minha amiga, Doc. Ele a tomou de mim. Ele se foi da minha vida e ainda a tomou de mim. Como vou lidar com minhas afilhadas, Doc? As filhas de Sweet nada tem a ver com puta falsa que a mãe é. - Assoo meu nariz e, num arroubo de fúria, soco o banco do carona até perder as forças.

- Tá melhor?

- Não. Eu queria meter a porrada nos dois, mas eu sei que eles não valem a pena. Doc, me leva até o meu carro!? - Doc sorri diante de minha repentina mudança de humor. - Eu o vendi! - Exulto. - Ganhei uma grana boa. Vai dar pra sustentar a mim e a Antoine por alguns meses até vender meu apartamento. Já tenho um comprador interessado. Não é incrível!? Sorte nos jogos. - Lamento. - Azar no amor. - Semicerrando os olhos, enxergo as filhas de Sweet em frente ao California. Uma forte e repentina crise de claustrofobia me impele a abrir a porta do carro e, de pé, observá-las. PUTA QUE PARIU!!! SÃO ELES ALI???

- ADESSA! NÃO! - Contrariando a vontade de Doc, corro até Vincenzo que expressa um sorriso no canto de sua boca antes de me ameaçar. 

- Fica longe delas ou eu serei forçado a te machucar. - Prestes a explodir, cochicho no ouvido de Jujuba, a caçula.

- Tio Doc tem doces dentro do carro. Vão pra lá agora. Ok?

- Não! - Ordena Sweet enquanto suas filhas abraçam Doc e se refugiam dentro de seu carro. 

- Isso é que é ter autoridade...- Zombo de Sweet que se enrosca ao pescoço de Vincenzo, triplicando meu ranço por ela. 

- Dess. Para. Vai ser pior pra vc.

- Sério??? Que meda!!! - Debocho ao retirar meu casaco e arremessá-lo contra a lama. Em posição de ataque, eu o ofendo. - Filho da puta covarde, desleal, infiel! Vcs sempre estiveram juntos! Mentiroso de merda! - Um chute na lateral de suas costelas e me vingo ao ouvir seu urro de dor. Sweet fica indignada por ele não revidar meu ataque. - Tá querendo também, vagabunda??? Vem!!! - Eu a chamo para a briga pulando de um lado ao outro como um pugilista em fase de aquecimento. - Chega junto! Vou arrebentar essa carinha de porcelana! - Nossa. Acabo de demonstrar minha inveja. Agora é oficial: Eu a invejo e a odeio por trepar com o meu homem. Mais uma vez, Doc me arrasta pela cintura e me distancia deles. Distante, eu me rebaixo ainda mais. - Fica com ela! Eu tô em outra! Aiden é muito mais homem do que vc nunca foi! - É. O mesmo Aiden que desapareceu desde que eu me entreguei a ele. Isso é a porra de uma maldição??? "Quando se entregar a um homem de corpo e alma, vc o perderá". Parabéns para mim, otária! - CHEGA! OLHAR PRA VCS, ME DÁ NOJO! - Segurando o choro, mordo o canto da boca ao declarar num tom baixo. - Vc foi a pior coisa que me aconteceu nessa e em outras vidas, Vincenzo.

Marchando até meu carro, penso no quão bacana seria  contar ao homem que amei e considerei meu amigo que estou me desfazendo de tudo o que me é supérfluo por amor à nossa filha, mas desisto ao vê-los entrar no carro e se tornarem invisíveis graças ao insulfilm. Ela o beijou na boca? Ele retribuiu seu beijo? 

Para cravar a estaca em meu peito, vejo as filhas de Sweet cercarem Vincenzo com intimidade. Ele as beija e as carrega no colo como o fazia com Antoine. Isso acabou comigo. Isso, definitivamente, me derrubou. Minha filha ainda pensa nele. Ainda o considera seu pai. Isso não se faz...

- Dess, não pensa assim. Antoine...- Catando meu casaco no asfalto, berro, lutando contra a porta que travou. 

- FODAM-SE! ACABOU, VINCENZO! SEJA FELIZ COM SUA NOVA FAMÍLIA! NUNCA MAIS OUSE SE APROXIMAR DA MINHA FILHA! ENTENDEU??? -  Um passo à frente e ele tenta se explicar. Enfim, entro em meu carro, jogando-me contra o banco. Giro a chave na ignição. Inquieto, ele me observa em silêncio. Minhas últimas palavras antes de acelerar são: 

- Eu acreditei em vc e vc me ferrou. Acabou. Procure outra palhaça com quem brincar. Aliás, vc já a encontrou. Divirta-se. 



Decidida a mudar, de uma vez por todas, o rumo da minha vida, sigo ao encontro do misterioso novo proprietário do meu carro, já pago. A ideia de fugir com Antoine, com a grana da venda do carro e com o carro passou por minha cabeça num piscar de olhos, já que o comprador não quis negociar pessoalmente comigo. Diabos! O que ele tem tem de errado!? É feio!? Casado!? Isso não é um encontro com a garota de programa! Eu estou vendendo meu carro! O carro que lutei por comprar e, agora, vai embora. Assim...do nada.

- Merda...- Choramingo ao volante. As imagens de Vincenzo abraçando as filhas de Sweet me magoam mais do que as dele transando com Sweet. - Inferno! Quando isso vai acabar!?

- Bom dia. 

- Cacete! Vc me assustou! - Reclamo clicando no botão de controle da janela que sobe, aos poucos. Desconfiada, indago.- O que o senhor deseja!?

- As chaves do carro. - Impulsiva, reajo.

- No cu, pardal! Esse carro tu não leva, mermão! - Aviso, enfurecida, metendo o pé no acelerador. Dirigindo a uns trinta quilômetros por hora, resmungo. - Acabei de vender, porra. Não vão me roubar não. - Observando o jovem através do retrovisor externo, com um dos braços, erguido, percebo que, talvez, tenha cometido um erro. Vestindo calça jeans e um paletó sobre uma blusa social branca, ele não tem o perfil de  de 'ladrão de carros'. Mas, sinceramente, não existe, nos dias atuais, um padrão para esse tipo de pessoa. Qualquer um pode tirar seu celular e escapar, andando. - Por que ele tá acenando pra mim? - Um palavrão e freio, bruscamente. - AIDEN??? - Apoiando suas mãos no capô, ele ri enquanto grita.

- Idiota! Aquele é o novo proprietário do teu carro! - Batendo contra o vidro da janela, ele ordena. - Abre, porra! - Eu o obedeço com a testa recostada ao volante. Meu coração quer saltar pela boca quando ele acaricia minha bochecha com o dorso de sua mão e, num tom mais suave, argumenta. - Assim fica difícil de vender essa carroça. Por que fugiu dele?

- Meu carro é 'zero'. - Rosno afastando meu rosto de sua mão. Ainda dentro do carro, evitando seu olhar, refuto. - E ninguém deveria abordar uma mulher da forma como ele me abordou. Não nos dias de hoje, merda. Eu não leio pensamentos, cacete.

- Vc nem deu a chance de ele se apresentar...

- Aiden! O que é que tu tá fazendo aqui!?

- Te salvando...- Mordo o canto dos lábios diante de seu sorriso tímido. Com uma das mãos, ele abre a minha porta e, num sussurro, ele comenta. - Vc precisa de mim, baby. Vc ainda não percebeu?

Prestes a iniciar uma discussão, sou interrompida pelo homem que, supostamente, comprou meu carro.

- Dê as chaves a ele. - Ordena-me Aiden.

- Não! - Protesto em meio aos dois. - Eu quero os documentos!

- Ele já te pagou, baby!

- Foda-se! - Aiden revira os olhos num ato de reprovação. Sem me importar, continuo a me justificar diante do jovem com cara de lerdo. - Ele não quis falar comigo no site. Evitou minhas chamadas em vídeo. Depositou em minha conta corrente sem sequer saber quem eu sou. Isso não é mega esquisito!? Ele sequer verificou o carro antes da compra! - Num tom de voz ainda mais alto, reclamo. - Eu sequer sei seu nome todo! Nem pude pesquisar no SERASA! Vai que ele tem o nome 'sujo'!?

- Ele depositou a grana na tua conta e é tudo o que vc precisa saber. Do resto, eu cuido.

- NÃO! - Berro, descontrolada. - Vc sumiu da minha vida e agora aparece justo quando algo de esquisito acontece!? Isso é patético!

- Adessa, não é hora pra isso. - Diz Aiden, impaciente. - Passa a chave ao moço.

- Não mesmo! - De costas para Aiden, dirijo-me ao jovem. - Vc me desculpa, mas tem alguma coisa de estranho nisso tudo! Tem muita coisa de estranha na minha vida! Eu te devolvo a grana...

- Baby...

- Não me chama de 'baby'! Vc me abandonou!

- Ele não precisa saber disso. - Cochicha Aiden, prendendo um riso. - Dá as chaves pra ele. Dá. 

- Não fala assim comigo...- Exalo ao me recordar de sua boca na minha. De seu pau...- Cretino. Vc...

- O que eu faço? - Pergunta o jovem, confuso. - Eu preciso do carro. Ele é meu.

- Não... - Lamento. - Me dá um tempo pra eu me desapegar dele...- Jogando-me contra o capô, choramingo. - Ele foi meu amigo por tanto tempo. Foi com ele que encontrei minha filha...- Aiden descansa o braço sobre o ombro do jovem enquanto conversa com ele, amistosamente. Ouço parte do diálogo.

- Mais tarde, a gente se fala. Ok? Ela está nervosa, mas é de confiança. Fique tranquilo quanto ao carro. -  Escorrego do capô e, intrigada, aguardo que eles se despeçam antes de me desequilibrar novamente.

- Que porra é essa, Aiden!? Tu conhece esse cara!?

- É meu amigo, baby. Eu intermediei a compra.

- Ah vá! Não ferra!

- Eu disse que te ajudaria. - Diz ele abrindo a porta do carona do meu carro. Escondendo um sorriso, ele me pede com ternura. - Entra. Eu te levo à sua casa.

- Não precisa. Eu não vou sumir com o carro. - Sentando-se ao volante, ele insiste. 

- Eu sei que não. Posso te levar? - Dando de ombros, resmungo.

- Pode, ué. Vc me deixa lá e some de novo.

- Eu não sumi. Eu estava agilizando sua vida. 

- Aaaah...- Solto uma gargalhada sarcástica. - Obrigada por cuidar da minha vida à distância. - Escancarando minha insegurança, pergunto. - O que foi? Não gostou do que fizemos!?

- Do quê? - De olhos fixos no trânsito, respondo.

- Não seja ridículo. Vc sabe.

- Da nossa foda? - Arquejo, surpreendida. Revirando os olhos, sinto-me estúpida por ruborizar. Assinto com a cabeça quando ele me eletriza ao responder à sua pergunta. - Gostei muito. Tanto que quero mais. - Enrolando meu cabelo num coque desajeitado penso em algo inteligente para dizer e só consigo ruminar um "Aaaah tá". - Antoine está em casa?

- Espero que sim...- Suspiro enquanto brigo com a fechadura da porta da sala. Aiden acaba de beijar minha nuca e me arrepiar. Seu braço envolve minha cintura puxando-me para si. Seu pau está ereto debaixo da calça jeans. Sinto-o roçar em meu bumbum através do tecido leve de meu vestido. - Não pense que vai ser fácil. - Aviso, cheia de charme, ao entrar no apartamento e seguir até o quarto de Antoine. Rindo, ele me segue. - Filha? 

- Mamãe...- Diz Antoine, abatida. Sentada sobre o tapete felpudo, brincando com suas bonecas de uma maneira agressiva, ela se deixa beijar por Aiden que se senta ao seu lado. - Tio, vc viu o Luka?

- Não. Por quê? - Receosa pela resposta, indago.

- Vc o viu, filha?

- Sim! Ele tá chorando e eu não sei mais o que fazer! - Chocando uma boneca contra a outra, ela reclama. - Eu disse pra ele me encontrar na festa! Ele não me obedeceu e se deu mal! 

- Do do que tá falando, filha? - Ajoelhando-me ao seu lado, eu retiro, a custo, as bonecas de suas mãozinhas. Com o dorso de minha mão em sua bochecha constato, apavorada. - Vc tá com febre! Onde tá Cassandra!?

- Aqui, tia! - Surge ela, com um copo d'água em uma das mãos e, na outra, um antitérmico infantil. - Ela tá esquisita. - Cochicha Cassandra, assustada, ao me entregar a água. - Não fala coisa com coisa, tia... 

- Como assim?

- Disse que o Luka tá zangado e que não para de falar com ela.

- Ele ligou???

- Deixa de ser burra! - Diz Antoine com a voz rouca. - Aqui não tem celular.

- Filha!? Não fala assim com a mãe!

- Vc não é a minha mãe! - Rosna ela. Aiden a observa antes de tocar em sua cabeça e dizer algo em um tom inaudível. - Para!

- Não vou parar. Desista.

- Eu te conheço!

- Antoine, sou eu...- Diz Aiden, constrangido. - Acorda, meu anjo.

- Não! Não sou Antoine e eu te vi na festa! Na sala vermelha!

- Não sei do que tá falando, Antoine. Se acalma.

- Festa??? Sala vermelha??? Aiden!!! O que tá acontecendo???

- Eu quero minha mãe! - Grita Antoine com a voz grave, revirando os olhinhos, antes de entrar em convulsão. Eu a apoio em meu colo enquanto a voz continua a gritar através de sua boca aberta. - Me tira daqui! Me tira daqui! 

Cassandra reza e chora agarrada ao seu terço. Aiden, em vão, recita as tais palavras desconhecidas enquanto minha filha se move, violentamente. 

- A caixa de joias! - Peço, num grito, a Cassandra. Entendendo o meu sinal com os olhos, ela abre a gaveta da cômoda, aos soluços. A caixa de joias em sua mão tremula. 

- Toma, tia. - Sob os protestos de Aiden, enfim, toco no objeto que Vincenzo dera a Cassandra antes de se despedir na noite da festa. - É um crucifixo!

- Um crucifixo bento...- Resmunga Aiden, recuando. Evito pensar no motivo de seu súbito afastamento e, erguendo o crucifixo acima da cabeça de Antoine, invoco o nome do Criador e de seus arcanjos. Em especial, o de Miguel. Lembrando-me do dia em que Vincenzo me ensinou a rezar, digo em voz alta.

- A Cruz Sagrada seja a minha luz. Não seja o dragão o meu guia. Retira-te, Satanás! Em nome do meu amor por minha filha, libertem-na! - Aos prantos, imploro. - Libertem-na!

O vento invade o quarto através da janela escancarada. Respingos da chuva tocam o rosto pálido de Antoine que, aos poucos, volta a si. Eu a abraço com força e, entre soluços, pergunto.

- Filha. Vc tá aqui?

- Ué, mãe. Claro que eu tô.

Rimos juntos de sua resposta ingênua. O riso de Aiden morre assim que eu o encaro, intrigada. 

- Por que se afastou da cruz? 

- Porque sou um demônio. - Graceja ela. - For God's Sake! Não lhe parece óbvio!?

- Não! Se fosse óbvio, eu não te perguntaria!

- Tia! - Intercede Cassandra tomando Antoine em seus braços. - Essa menina precisa de banho. 

- E vcs dois...- Alerta Antoine no colo de Cassandra. - Não briguem! 

- Não vamos...- Prometo, desanimada. O homem à minha frente é um completo enigma que desejo com todas as minhas forças. - Por quê?

- Porque é presente dele, idiota. - Rumina Aiden. - Eu vi quando ele o entregou na mão de Cassandra.

- Por que a voz disse que te conhecia? A que sala vermelha ela se referia? A da mansão? - Irritado, ele responde.

- Não sei!

- Não grita, estúpido...

- Desculpa, baby. Vc só pensa coisas ruins sobre mim.

- Não penso não...

- Vc ainda guarda presentes dele?

- Por que não guardaria!? Oficialmente, sou livre, leve e solta. Ninguém me quer.

Erguendo-se, de súbito, ele me puxa do chão. Meu corpo colide com o seu. Apesar de desconfiada, eu o quero. Quero pensar que ele é um bom homem disposto a ficar ao meu lado e cuidar de Antoine.

- Eu te amo, baby. Sinto sua falta.

- Sinto a sua também...- Sussurro contra seus lábios. - O que aconteceu aqui, Aiden? Por que aquelas palavras estranhas?

- Meu povo é místico. Acreditamos em maus espíritos e eu recitei uma prece em gaélico. Só isso. - Agradecendo-o, eu o beijo na ponta dos lábios. - Não me instiga.

- Por que não? Não me quer?

- Baby...- Ronrona ele antes de eu fugir pelo corredor até meu quarto e, sendo seguida por ele, gritar feito adolescente. - Te peguei. - Vangloria-se ele pressionando-me contra a porta do meu quarto. - E agora?

- O que sugere? - Sussurrando aos meus ouvidos, ele me faz arfar. 

- Te deixar nua e te foder até deixar vc toda roxa e cansadinha...

- Gostei.

Após o jantar e umas duas garrafas de vinho, tonta, estou rindo de tudo até que Antoine me faz engolir o riso e me preocupar.

- Tio, vc pode me defender do palhaço? Ele me disse que vou defi defa...'definar' até morrer. - Levo a mão à boca e, mesmo cambaleante, sento-me ao seu lado e refuto.

- Mentira! Aquele verme do palhaço não tem poder pra te fazer definhar porra nenhuma! Se ele aparecer, me chama, filha! - Num tom sombrio, revelo . - É hora de me mostrar a ele. Mostrar quem eu realmente sou.



Naquela noite, Aiden me fodeu com fúria e violência. Estou começando a apreciar a forma como ele me toca e me faz chegar ao clímax. Estou começando a gostar dos hematomas que ele deixa espalhados em meu corpo.

Estou retomando o meu vício em sexo...



Levanto-me da cama sem acordar Aiden que dorme tranquilo. Caminho, cautelosamente, até a sala. Diante da lareira, eu me ajoelho. Ouço as doze badaladas vindas do relógio carrilhão no canto da sala. Um súbito calafrio percorre meu corpo. Traço um círculo de segurança no chão, abaixo do tapete. De cabeça baixa, cruzo as mãos em prece e chamo por seu nome.
- Vc tá aqui, Luka?
- Onde eu tô? Tia Adessa?
Prendo o choro. Preciso me manter firme a fim de realizar o que desejo.
- Sou eu, querido. Deixe-me te ver. - Saindo das sombras, ele aparece. Engulo em seco o horror. Suas roupas estão rasgadas e ensanguentadas. Há cortes profundos em seus braços, pernas e pescoço. Vencendo o medo, reajo, tocando em seu rosto. - Meu anjo, por onde andou? Vc se lembra de alguma coisa? Quem te machucou?
- Não me lembro, tia. Eu posso ir pra casa?
- Pode. - Minto. - Uma casa bem melhor e maior do que a que vc tinha.
- Mas e a minha mãe? Eu quero a minha mãe.
- Ela vai estar lá, Luka. - A voz embarga. As lágrimas escorrem dos meus olhos. - Eu sei que vai. Enquanto ela não chegar do trabalho, vc vai brincar com outras crianças. Crianças bacanas que jamais irão te zoar novamente. Quer conhecer esse lugar?
- Sim! - Afirma ele dando um passo à frente. É quando reconheço a fantasia que lhe comprei. Ele foi à festa e algo aconteceu a ele enquanto nos divertíamos. - Vai ter doces e video games, tia!?
- Sim! - Finjo alegria. - Vai ter tudo o que vc deseja e merece!
- E a minha mãe?
- Vai chegar depois...- Observo marcas de seringa em hematomas nas veias dos antebraços. O que isso significa? - Enquanto ela não chega, vc vai ficar sob os cuidados de um grande amigo meu e de Antoine. Ok?
- Antoine vem comigo?
- Não, meu anjo. - Acaricio seu rosto infantil. O que fizeram a vc? Eu vou descobrir e vou te vingar. - Antoine ainda tem coisas pra fazer aqui. Vc já está de férias.
- Férias!? Woohoo! - Seu corpo, antes em decomposição, transforma-se diante de meus olhos surpresos. Sua fantasia ganha vida, cor. Seus braços estão livres das marcas que o faziam sofrer. - Pra onde eu vou, tia?
- Pra uma colônia de férias. Posso te apresentar meu amigo?
- Tô com medo, tia...- Acariciando seu cabelo, comento.
- Não tenha. Ele é bom, justo e vai te proteger de todo o mal.
- Qual o nome dele?
- Miguel. Quer me ajudar a chamar por ele?
- Sim. - De joelhos, ao meu lado, ele me imita. De cabeça baixa, repete o que falo. Sinto sua presença radiante atrás de mim. Mentalmente, agradeço, sem olhar em seus olhos metálicos. O arcanjo estende os braços e Luka, o pobre menino que tanto sofreu na Terra, o abraça. Eu os vejo desaparecer segundos antes de Aiden me assustar com sua brusca aparição.
- Que cheiro é esse!? Tem algo queimando no fogão!?
- Não. Não sinto cheiro algum.
- Vc está estranha, baby. O que faz aqui, sozinha, na sala?
- Magia...
- Pra mim?
- Sim. - Sorrio ao abraçá-lo. - Pra fazer vc gostar de mim.
- Não precisa. Eu te amo. - Confessa ele, beijando o topo de minha cabeça. Seu coração bate descompassadamente como se temesse algo. - E eu vou fazer vc me amar até me libertar.
- Do quê? - Indago abrindo a porta da geladeira. 
- Da maldição. - Segurando queijo e ovos em meus braços, eu o encaro, incrédula.
- Tá de sacanagem, né? - Um olhar indecifrável e ele, enfim, sorri.
- É claro! - Forço um sorriso tentando entender esse momento, ainda impactada pelo que acabara de passar na sala. - No que tá pensando, baby?
- Fome. Tá com fome?
- Faminto!
Aliviada por Luka, preparo um super lanche antes de voltarmos ao meu quarto onde ele sacia minha fome por sexo.

Creio que estou me perdendo novamente...




Continua...










CAPÍTULO 37 - IMPOTENTE

  Há dois dias, ela não se alimenta. Não fala. Não chora. Não reage de maneira alguma. Há dois dias, eu choro por ela. Por sua dor mal disfa...