Se agora, ao final, eu soubesse o quanto iria sofrer por vc, eu teria feito tudo de novo.
Te amar me fez sair do fundo do poço, meu 'Heathcliff'.
Cansada de não ter amigos ou namorados que me dessem valor, voltava-me aos estudos que tomavam grande parte do meu tempo. Dividindo um quarto com uma colega que cursava 'Letras' enquanto eu cursava 'Educação Física', sempre a via sair à noite com uma galera animada sem que ela me convidasse. Creio que, mesmo que me convidasse, eu não iria a lugar algum. Sentia-me feia, desajeitada, embora recebesse olhares lascivos dos meninos do campus. "Gostosa!", costumavam dizer quando esbarravam, propositadamente, em mim nos corredores da faculdade. O que eles viam em mim que eu não conseguia compreender?
Talvez, minha alma degenerada. Talvez, eles a vissem antes de mim.
"Meninas boas não colocam a mão naquele lugar. É feio e Deus não gosta", dizia minha mãe. Aceitei isso como verdade e nunca havia me masturbado até me transformar, anos mais tarde, em um objeto caro de prazer alheio.
Aceito o convite da colega de minha colega de quarto que insistira para que eu a acompanhasse a uma festa estranha, com gente esquisita.
A garota, de fato, era bem diferente. Usava roupas pretas, piercings no nariz, na língua e um bem acima da sobrancelha. Achava fofo o piercing da língua conquanto me perguntasse se não a incomodaria na hora de escovar os dentes.
Eu e meus questionamentos idiotas.
É. Pode parecer estranho, mas, eu já fui inocente. Aos dezoito, eu ainda me mantinha inocente e pura.
- Sou lésbica. Algum problema?
- Nenhum. Por quê? - Respondo meio que sem jeito, imaginando o efeito do 'piercing' durante um beijo.
Nunca havia transado com meninos, tampouco com meninas. Era inexperiente e, se ouvisse minha intuição, continuaria a ser.
No centro da clareira ardia uma imensa fogueira. Ao redor dela, mulheres nuas e totalmente bêbadas, dançavam e uivavam para a lua cheia. Meu primeiro pensamento foi:
"Putz! Vão cair e se queimar feio!"
O segundo foi:
"Que merda eu estou fazendo aqui!?"
Tonta, a qualquer momento, poderia ser queimada viva caso tomasse outro gole do vinho compartilhado na garrafa que passava de boca em boca. Em sã consciência, eu jamais encostaria meus lábios ali, mas...como dizem:
"Cu de bêbado não tem dono".
Em pouco tempo, já estava diante de Beverly - nome da colega da minha colega de quarto - trajando calcinha preta de algodão e um sutiã quadriculado. Sem noção? Pode ser. Diabos! Eu jamais imaginei que me veriam de lingerie bem no meio de uma floresta.
- Tá 'gata'! Não se liga nisso não...- Sussurra Bev ao meu ouvido enquanto briga com o fecho do meu sutiã. Que diabos ela está fazendo? Ficamos tão próximas que sentira seu hálito de menta. Apesar de nunca ter pensado em meninas, curto o modo como ela me puxa para longe da fogueira e me faz deitar sobre uma toalha jogada na grama. Estou super bêbada. Não faço ideia de onde estou ou quais são as constelações que vejo no céu. Bev se deita ao meu lado e sua boca procura pela minha. Sigo meus impulsos e me deixo beijar por ela. Finalmente, soube o efeito de seu piercing em minha língua.
Parei por aí.
Percebi que garotas não eram a 'minha praia'. Talvez, por timidez. Talvez, por preconceito. O fato é que não permiti que ela continuasse a me beijar e a me tocar.
Beverly some tão subitamente quanto o vento forte e morno surge, apagando a fogueira por completo. Vestindo-me às pressas, eu me aproximo das brasas entre as achas de madeira. Incrédula, pergunto.
- O que foi isso!?
- Ele chegou! - Grita uma das mulheres. Em êxtase, a mais velha me puxa para si enquanto tento não tropeçar. - Deixe que ele te toque. Deixe que ele te possua. - Incentiva-me ela absolutamente fora de si.
- Me solta, sua louca! - Recuo. O forte odor de enxofre se espalha pela clareira quando tento fugir.
- Fica! - Ordena a mulher. - Não vai se arrepender.
É sério???
Se eu soubesse o quanto aquele momento me custaria, jamais teria saído do meu quarto.
- Não quero ficar. - Rosno. - Me solta, porra.
Ela se ajoelha diante da densa fumaça que, aos poucos, se transforma em algo palpável. Algo que tem mãos imensas e fortes que me seguram pelo braço. Luto contra o corpo que se materializa diante de mim, mas é inútil. Sua força é descomunal. Seus braços me sustentam. Seu rosto não me é visível, mas suas intenções são claras. Agarro-me ao crucifixo de ouro que minha mãe me dera antes de morrer e repito por três vezes a frase de São Bento. A única oração que guardei de minha bizarra infância.
'A Cruz Sagrada seja a minha Luz. Não seja o Dragão o meu guia'.
Subitamente, ele me joga contra a relva úmida enquanto engatinho até conseguir me reerguer e correr de volta ao Campus.
Com o coração batendo na garganta ainda consigo ouvir sua voz gutural em meus ouvidos:
'Vou te tocar, Adessa. Vc é minha'.
Como ele sabe meu nome??? De onde essa coisa me conhece???
Abstraio a experiência macabra e sigo adiante sem ter planos algum para me sustentar. Adoraria exercer a minha profissão após a minha formatura. Adoraria mostrar aos meus pais que eu não seria a puta que eles acreditavam que eu seria, mas...não rolou. Minha mãe partiu dessa vida sem que eu pudesse lhe mostrar que eu havia vencido.
Em quê?
Um canudo em minha mão e um capelo em minha cabeça é tudo o que possuo, além da imensa vontade em ingressar em alguma Escola de Dança e, talvez, como muita sorte, ser reconhecida como uma das melhores bailarinas do mundo.
A bailarina que meus pais não me deixaram ser quando criança.
Não é engraçado? A vida prega peças na gente. Estudei tanto e acabei por me sustentar financeiramente após conhecer um 'personal trainer', em uma academia em que eu treinava. Meu corpo havia mudado bastante. Começara a gostar dele quando me via no espelho, após um banho rápido. Meus seios haviam crescido. Meu bumbum, empinado. Meus cabelos longos e negros me emprestavam um ar de mistério. Meus lábios carnudos eram cobiçados por muitos. Beijados por poucos. Um deles era o tal 'personal' que me apresentara a um amigo, dono de uma boate na área nobre da cidade onde os homens com grana frequentavam.
Eu aceitei o convite por curiosidade. Nunca imaginei em me tornar uma das dançarinas exóticas, belíssimas que arrasavam no palco...absolutamente nuas.
Eu já mencionei que amo dançar?
Encontraria amigos em uma casa noturna chamada "Hotel California" dali a alguns anos. Encontraria amigos e sofrimento nos braços de um homem mais do que especial. Por que ele demorou tanto para me encontrar? Por que demorou mais ainda em se mostrar, de verdade, para mim?
- Aonde vai?
- Ao banheiro.
- E me deixar sozinha com esse homem bêbado!?
- Calma, Adessa. Ele é meu amigo.
- E daí! Não é o meu! - Um beijo em minha boca e meu namorado rosna, apertando meu pulso.
- Seja boazinha. Ok?
- Não entendi! - Grito enquanto o vejo sumir entre a multidão que preenche todos os espaços da boate. - Volta! - Contrariada, sento-me ao lado do estranho que me observa com as pupilas dilatadas. Cocaína? LSD? Saco! O sofá em semicírculo me coloca à sua frente. Com meus cabelos suados, tento cobrir os seios sob o tecido fino de meu vestido curto. Não gosto do jeito como ele me olha. Detesto. - Não seja ridículo! - Protesto após estapear sua mão. Ela acaba de tentar tocar em minha coxa. - Eu tenho namorado! Não percebeu!?
- Foi ele quem me disse que eu poderia ficar à vontade. - Diz ele, escorregando sob o assento em minha direção. - Não posso?
- Oiii??? À vontade onde, palerma???
- Vc não é profissional?
- Não. Ainda não trabalho. Tá difícil.
- Difícil? Por quê? Vc é tão gostosa.
- Idiota! Eu sou formada em Educação Física! Quero lecionar ou frequentar alguma Escola de Dança! Não sou o que pensa que sou!
- Não foi o que ele me disse...
- Não me toque outra vez. - Aviso. Uma gargalhada e ele engole o resto do uísque em seu copo. Sua voz entaramelada pergunta.
- Quanto!?
- Não entendi. - Luto contra sua mão que segura meu punho, impedindo-me de voltar à pista de dança. - Me solta! Eu quero dançar!
- Quanto vc quer, querida?
- Pra quê!? - Finjo não conhecer suas intenções. Finjo não compreender o papel sujo que meu suposto namorado acaba de interpretar: O de cafetão. Penso no aluguel do meu 'apê', atrasado, e no sonho em comprar aquela TV de cinquenta polegadas que vira na loja em frente ao prédio onde moro, bem longe da praia. - Repete! - Grito mais alto do que a música rolando. - Quanto pra quê!?
- Pra te foder, garota!
- Estúpido...- Rosno, de volta à poltrona. Encarando-o, esclareço. - Eu não sou prostituta. Só estava me divertindo. Se aquele filho da puta disse algo diferente disso, ele está mentindo.
- Não me importo. - Sussurra ele em meu ouvido. Argh! Que nojo! Ele acaba de cuspir gotículas de sua saliva imunda em meu rosto! - Gostei de vc e eu sempre conquisto o que quero.
- Não me diga...- Zombo, afastando-me dele. Seu aspecto, em geral, não é tão asqueroso assim. Um bom shampoo em seu cabelo oleoso e, talvez, ele me pareça agradável. - FALA!
- NÃO GRITA! EU NÃO SOU SURDA!
- PARECE! QUANTO QUER POR DUAS NOITES COMIGO!?
- Não faço programas! Quer que eu desenhe!?
- Três mil por duas noites! É a minha oferta final!
- Oii??? Três mil por duas noites??? - Pensando nos números que sobrevoam minha cabeça, eu o irrito ao perguntar novamente. - Noites de quê???
- Sexo, querida. Sexo. - Responde-me ele, com bafo de uísque e os olhos impregnados de luxúria. - O que houve?
- Nada. - Minto. Acabo de ver o meu namorado beijando outra garota na pista de dança. Jamais senti algo forte por ele. Nada. Mas, não imaginava que ele seria um aliciador de mulheres. A idiota que o beijou acaba de sorrir para ele. Certamente, outra a quem ele vai empurrar nos braços de algum velho babão e rico. Por que esse babaca não para de me olhar? - Eu tô pensando! Espera! - Hesitando entre o nojo, a necessidade e raiva, comento. - Não pensei que valesse tanto. Me dá um tempinho pra pensar na proposta?
- Claro. - Seus dentes amarelados me dão ânsia de vômito. - Tem quinze minutos.
- Ah...tá. - Gargalho, nervosa. - Isso é tempo pra cacete. - Tempo suficiente para recuar e não me entregar a um homem que não conheço e que me parece grosseiro, sujo e que, talvez, não me pague!? Recua! - Ordeno. - Como vou saber que vai me pagar?
- Já ouviu falar em 'pix'?
- Vá pro inferno. - Rosno novamente. - É óbvio que sim. - Só ouço falar. Receber que é bom, nunca. - Pagamento adiantado. - Negocio, insegura.
- Feito.
Porra. Acabo de me vender a um estranho. Foi tão fácil. O que faço agora? Mostrando-me a tela de seu celular, ele celebra.
- Pix realizado com sucesso!
- Aonde vai!?
- Vamos! - Responde-me ele, puxando-me pela mão. Aflita, ainda tento pedir socorro ao 'personal' de merda com quem transei uma ou duas vezes. Se arrependimento tivesse um rosto, seria o dele. Sorrindo, ele me acena de longe. Erguendo meu dedo médio, eu o ameaço num grito.
- VAI TER VOLTA!
Dentro de seu carro maior do que o meu quarto, ele se anima.
Minha mãe costumava dizer: 'Quem está na chuva é pra se molhar'. Estranho me lembrar dela justo agora. Finjo brincar, mas estou lutando contra ele. Contra seu toque. O maldito é forte. Muito mais forte do que eu.
Enlouquecido, ele me puxa para si e me faz sentar em seu colo, no banco do motorista. Sinto seu pau duro por baixo da calça social. Não quero beijá-lo. Não mesmo. Quero a grana. Preciso dela, então, rebolo em seu colo.
- Não não não! - Protesto diante de seu pau exposto para fora da calça. O que eu estou fazendo aqui!? Deveríamos estar comemorando dois meses de namoro! Por que aquele verme fez isso comigo!? Por que eu aceitei a proposta!? Eu não quero fazer isso! Eu não saí de casa pra isso! Eu não tenho casa! Vão me expulsar do meu 'apê' se não pagar o aluguel! Como continuar a pagar pelo meu 'CREF' atrasado!? - NÃO! EU NÃO QUERO TE BEIJAR! - Rindo, ele estapeia meu rosto. Um soco em seu olho e recebo outro, em meu queixo.
Aprenderia a lutar anos mais tarde. No momento, eu sucumbo à dor e à humilhação.
Bem-vinda à sua futura vida, Adessa.
"Valeu a pena", tento me convencer, diante de minha enorme TV, deitada em minha nova cama box, vestindo meu pijama novo de flanela quadriculada.
Eu sempre quis ter um desses. Eu nunca pensei que teria nojo de mim mesma.
Após aquela noite, não parei mais.
Não vou romantizar a prostituição. Não. Nada tem de agradável. Mas, vicia.
Em uma noite de trabalho, ganho o que levaria meses como professora ou 'personal'.
É o tipo de vida com a qual sonhei? Não. Agora é tarde. Estou ganhando fama. Meu nome começa a circular entre os homens casados, insatisfeitos e ricos da cidade.
Sou convidada para festas particulares, orgias e casas de Swingers. Topo tudo porque estou viciada no dinheiro que cai em minha conta de uma forma rápida. Nunca fácil.
Há coisas que fiz e que não pretendo repetir. No entanto, as coisas mais estranhas são as mais bem pagas. Falando em fetiches, em uma das muitas festas que frequentei durante a semana, fui amarrada por um grupo de quatro homens que me dominaram por umas quatro horas. Nunca fora tão usada como naquela noite. Devo confessar que gostei de ser penetrada com violência.
A doença que me acompanharia por um tempo já mostrava sua face sem que eu a percebesse.
Voltara a casa e, após um longo banho, notara, em meu corpo, hematomas dos maus tratos que havia sofrido. Ainda tonta de tanta tequila, deitei em minha cama. Quase adormecendo, sentira sua língua quente lambendo-me, profundamente.
Assustada, arremesso o lençol à distância e nada vejo além do meu colchão. Nada ao redor além da língua que me faz gemer de tesão. Deito-me e permito que aquilo continue a me fazer gozar.
Repentinamente, seu corpo pesa sobre o meu. Reconheço o odor de enxofre misturado a sândalo enquanto ele mordisca meus mamilos.
- Quem é vc? Quero te ver.
- Sou quem vc quiser que eu seja. Basta me pedir e eu serei seu.
Gemendo de prazer, contorcendo-me na cama, eu insisto.
- Quem é vc??? - Perco-me em meus pensamentos enquanto ele me penetra com força por um longo tempo. - Vá...embora. - Peço num gemido. - Não farei pactos com ninguém.
- Eu sou seu. Posso te dar o mundo. Basta pedir. - Tento tocar em seu rosto. Ele recua até o batente da porta. Seu corpo esfumaçado vai se esvaindo até sumir.
- Basta pedir e eu te darei tudo.
- Seu nome.
- Ga'al
- Eu te conheço?
- Sim. Mas não se lembra.
Ainda excitada, eu ligo meu celular e me inscrevo em um site de pornografia. Gravo meus seios enquanto me masturbo pensando no ser demoníaco e no quanto eu posso ganhar se me entregar a ele.
Leio os comentários dos internautas e me excito ainda mais.
Creio que nasci para ser puta.
Dos vídeos à pornografia fora um pulo.
Exausta, durmo. Do 'Outro Lado', eu o encontro, faminto.
- Onde estou?
- Não importa. Venha até mim.
- Não. Eu não te conheço. Tenho medo.
- Não vou te machucar. Prometo.
- Vc mente. Eu sei. Eu sinto.
- Vc continua a mesma. 'Eu sei. Eu sinto'. Sempre dizendo isso.
- De onde me conhece, maldito.
- Não é o momento. Chupa meu pau, vadia.
- Que nojo. Nem meus clientes falam assim comigo.
- Não sou seu cliente, Adessa. Sou aquele que vai te dar o mundo se te ajoelhares diante de mim.
- Sério? Estou diante de Lúcifer? - Zombo cercada por seres medonhos. - Aquele que tentou Jesus no deserto?
- Não brinque comigo. Não te lembras de mim.
- Não. E nem desejo me lembrar. Quero voltar. Preciso dormir. Amanhã, eu trabalho.
- Amanhã vc volta a ser a puta vadia que se acostumou a ter o que o dinheiro pode te dar de melhor.
- Qual o problema?
- Eu te dei tudo! - Urra ele fazendo-me tremer de medo. - Eu posso tirar tudo de vc a qualquer momento!
- Não acredito nisso, verme! - Sua imensa mão em meu pescoço me eleva do chão de terra pisada. Sem ar, eu o observo, com os olhos estatelados, seu rosto. Há algo de humano em seus olhos cheios de fúria. - Me solta...- Imploro, quase sem voz. - Por...favor.
- Satisfaça meus desejos e eu te deixo partir, vagabunda.
Arremessada contra uma das paredes do que me parece ser uma caverna, apoio minhas mãos no chão arenoso antes de ser arrastada por seres com troncos curtos e braços alongados, até Ga'al, sentado em seu trono de pedra. Jogada aos seus pés, julgando-me impotente, cedo aos seus caprichos e me deixo possuir ali, diante de todos.
Meus dias e noites de uma longa tortura tiveram início naquele momento.
Apesar de ter tido uma severa educação religiosa por parte de minha mãe, não me lembrava de pedir ajuda ao 'Crucificado'. Apesar disso, eu seria abençoada ao encontrar a Luz em minha vida nos braços de uma garotinha.
Até lá, eu viveria nas Sombras, sob o domínio do Mal.
Continua...
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